Acórdão nº 324/22 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução28 de Abril de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 324/2022

Processo n.º 644/2020

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público e recorridos A., S.A., Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional da República do Mali − Ordenador Nacional do Fundo Europeu de Desenvolvimento e Delegação da União Europeia no Mali, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 4 de junho de 2020.

2. A primeira recorrida propôs contra o segundo recorrido e duas instituições bancárias procedimento cautelar não especificado visando a intimação para que não fossem acionadas garantias à primeira solicitação no âmbito de um contrato de empreitada. Após numerosas vicissitudes processuais, o Tribunal de 1.ª instância julgou procedente o procedimento cautelar requerido e indeferiu a intervenção principal espontânea da terceira recorrida. Dessas decisões foi interposto recurso de apelação pelas então requeridas, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão decretando a revogação da providência cautelar e condenando a apelada em custas.

A primeira recorrida interpôs recurso de revista do referido aresto. Como o recurso fora admitido no Tribunal na Relação de Lisboa, os autos subiram ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo a relatora, após exercício do contraditório, proferido, em 26 de julho de 2017, despacho de não admissão e consequente decisão de pôr termo ao processo, condenando ainda a recorrente em custas. Em 17 de outubro de 2019, foram elaboradas contas de custas relativas aos recursos de apelação e revista da responsabilidade de cada um dos ora recorridos, com liquidações nos montantes – respetivamente – de 217.260,00 euros, 108.732,00 euros e 108.732,00 euros, todos resultantes da aplicação aos autos da Tabela I-B anexa ao Regulamento de Custas Processuais, constante do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro.

Todos os ora recorridos reclamaram da conta de custas, alegando desproporção entre o valor exigido e o serviço prestado, e peticionando a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça segundo o previsto no inciso final do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento de Custas Processuais. Por despacho proferido em 5 de novembro de 2019, foram as reclamações indeferidas, com fundamento na extemporaneidade do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. De tal decisão recorreram os ora recorridos para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão datado de 4 de junho de 2020 – o aresto ora recorrido –, julgou parcialmente procedente a apelação interposta pela primeira recorrida e totalmente procedente a dos demais recorridos. Tal decisão tem, no segmento pertinente para o recurso de constitucionalidade, o seguinte teor:

«Segunda questão (inconstitucionalidade do direito ordinário quanto à fixação do montante devido a título de taxa de justiça e quanto ao momento dies ad quem para requerimento da dispensa do remanescente da taxa de justiça)

O factualismo a levar em consideração é o que consta no Relatório supra.

O Direito

A apelante dá de barato que o requerimento de dispensa da taxa de justiça remanescente que apresentou no âmbito da reclamação da conta de custas é, face ao direito ordinário, extemporâneo.

E, com efeito, assim é.

No acórdão relatado pelo também aqui relator, proferido em 28.4.2016 no processo n.° 473/12.9TVLSB-C.L1-2, deu-se conta das divisões que existem ao nível da jurisprudência quanto ao momento processual da apreciação dos requisitos de dispensa (ou redução) da taxa de justiça remanescente.

Volvidos quatro anos, mantêm-se as divergências, embora se possa discernir uma corrente largamente maioritária, que defende que a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente não podem ser requeridas após a elaboração da conta de custas, e uma corrente minoritária que admite que a dispensa ou redução da dispensa de taxa de justiça permanente seja requerida no prazo de 10 dias após a notificação da conta de custas.

A opinião maioritária, em que nos inserimos, assenta na constatação de que:

- para aí aponta o texto da lei: "Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento;

- as partes sabem de antemão, por força das tabelas legais, qual o valor da taxa de justiça que é devido, as quais devem liquidar aquando de cada impulso processual - pelo que não carecem da conta para se aperceberem do encargo que sobre elas incide;

- elaborada a conta, esta apenas poderá ser questionada por erro ou lapso face à lei ou ao decidido pelo tribunal quanto a custas, nos termos processuais legalmente previstos no art.º 31.º do RCP;

- de acordo com a já analisada anterior redação do n.° 9 do art.º 14.º do RCP ("nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.° 7 do artigo 6.° e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo") resultava claro que o remanescente era reclamado à parte vencedora antes mesmo da elaboração da conta, isto é, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que tivesse posto termo ao processo, o que pressuporia que a questão da dispensa da taxa de justiça remanescente se poria antes da elaboração da conta.

Neste sentido, cingindo-nos às decisões do STJ, cfr. acórdão de 13.7.2017, processo 669/10.8TBGDR-B.Cl.S1; acórdão de 03.10.2017, processo 473/12.9TVLSB-C.L1.S1; acórdão de 08.11.2018, processo 4867/08.6TBOER-A.L2.S1; acórdão de 11.12.2018, processo 1286/14.9TVLSB-A.L1.S2; acórdão de 31.01.2019, processo 478/08.4TBASL.E1.S1; acórdão de 26.02.2019, processo 3791/14.8TBMTS-Q.P1.S2; acórdão de 04.7.2019, processo 314/07.9TBALR-E.E1.S1.

No sentido minoritário, defendendo que o poder oficioso de o juiz dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça não se converte num ónus das partes, que as impeça de requerer a dispensa com a notificação da conta, cfr. STJ, acórdão de 12.10.2017, processo 3863/12.3TBSTS-C.P1.S2.

Dentro da tese maioritária, parte da jurisprudência (em que se insere o supra mencionado acórdão da Relação de Lisboa, relatado pelo ora relator, datado de 28.4.2016, processo n.° 473/12.9TVLSB-C.L1-2 e os já mencionados acórdãos do STJ, datados de 13.7.2017, de 08.11.2018, de 31.01.2019, de 26.02.2019, de 04.7.2019 e de 24.10.2019), na linha aliás do defendido pelo Conselheiro Salvador da Costa (As Custas Processuais, 2017, 6.a edição, Almedina, pp. 134 e 135, e, no Blog do IPPC, "Algumas questões sobre taxa de justiça e custas processuais", de 20.11.2017, "Algumas questões sobre taxa de justiça e custas processuais (II)", de 25.12.2017 e "Dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na globalidade do processo", de 15.7.2019), defende que o momento processual adequado para a decisão sobre a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, que corresponde a um poder-dever a ser exercido oficiosamente pelo juiz, é o da decisão quanto a custas, que deve inserir-se na decisão final do processo (no sentido que a este conceito se atribui no RCP). As partes poderão requerer a reforma da decisão quanto a custas, nos termos do art.º 616.° n.° 1 do CPC (quanto aos recursos, vide artigos 666.° e 685.° do CPC), no prazo de 10 dias (art.º 149.° n.° 1 do CPC) ou, se couber recurso da decisão que condene em custas, na alegação do recurso (n.° 3 do art.º 616.° do CPC).

O Tribunal Constitucional pronunciou-se acerca da conformidade constitucional de um regime preclusivo que obste a que a dispensa da taxa de justiça remanescente seja requerida após a elaboração da conta final: no acórdão n.° 527/2016, proferido em 04.10.2016, concluiu-se "que a norma extraída do n.° 7 do artigo 6.° do RCP, introduzido pela Lei n.° 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem se vê que interfira com qualquer outro parâmetro constitucional, o que conduz à improcedência do recurso."

Porém, no já acima mencionado acórdão da Relação de Lisboa, datado de 28.4.2016, relatado pelo ora relator (acórdão que é citado pela apelante), exarou-se, acerca da questão da conformidade deste regime de custas com a CRP, o seguinte:

"Como se sabe e foi exposto supra, a possibilidade concedida ao juiz de dispensar o pagamento de taxa de justiça remanescente em ações de valor tributário superior a € 275 000,00 foi introduzida para fazer face à inconstitucionalidade material de que padecia o regime então em vigor, o qual permitia que fossem impostas às partes custas de valor absolutamente desproporcionado, sem qualquer correspondência com o serviço de administração da justiça prestado, podendo assumir montantes tais que as pessoas se viam compelidas a afastarem-se dos tribunais, num atropelo do direito de acesso à justiça.

O facto de a lei permitir, atualmente, o referido movimento corretor do valor das custas, poderá fundamentar um juízo de constitucionalidade da lei quanto a esta questão, como, por exemplo, se decidiu no acórdão do STA, de 20.10.2015...

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