Acórdão nº 331/22 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2022

Data28 Abril 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 331/2022

Processo n.º 321/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A., B. e C. e é recorrido o Ministério Público, os primeiros vêm interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal no dia 10 de fevereiro de 2022, que negou provimento ao recurso interposto pelos arguidos da decisão proferida do Tribunal Central de Instrução Criminal que determinou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva aos arguidos, em processo relativo a crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo disposto no s artigos 21.º, n.º 1, e 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:

«A., B. E C. Arguidos nos autos supra referenciados e aí melhor identificados tendo sido notificados do acórdão datado de 10-02-2022 que decidiu não conceder provimento ao recurso interposto pelos arguidos e confirmou o despacho recorrido, tendo determinado que os arguidos aguardariam em prisão preventiva os ulteriores termos do processo, entendendo-se assim por esgotados todos os recursos que no caso cabiam, vêm apresentar

Recurso

para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro.

Por decisão do Juiz de Instrução datada de 19-10-2021 o tribunal de 1.ª Instância considerou que a única medida de coação que se mostra adequada e proporcional aos factos em causa e à personalidade de cada um dos três arguidos, bem como à pena de prisão efetiva, que previsivelmente virá a ser aplicada a cada um deles em julgamento, fazendo um juízo de prognose, é a medida de coação de prisão preventiva, mostrando- se inadequadas todas as outras o que determinou, em conformidade com os princípios constantes dos artigos 191.º, 192.º, 193.º, 195.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alínea a) e 204.º, alínea c) todos do Código de Processo Penal.

Não se conformando com a decisão que decretou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva os arguidos ora Recorrentes apresentaram recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

Tendo sido invocada a questão do tribunal de 1.a Instância não se ter pronunciado acerca de todas as nulidades invocadas pela defesa dos arguidos, nomeadamente a nulidade dos autos de busca, dos autos de revista e apreensão e da violação dos artigos 92.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e do artigo 6.º da Diretiva 2010/64/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 20/10/2010 relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal, a violação do domicílio, a violação da reserva da vida privada e familiar, o que em nosso entender faz com que estejamos perante uma causa de nulidade da decisão recorrida.

Invocou-se também a ilegalidade da detenção dos arguidos e a violação do artigo 141.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e o artigo 31.º da nossa Constituição.

Mais se invocou a incompetência internacional do tribunal português e incompetência territorial do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa territorialmente incompetente porquanto os arguidos foram detidos na localização 36º21.3N, 013º13.10W e que o porto português mais perto que os mesmos se encontravam era o porto de Sagres e não o porto de Lisboa ou de S. Vicente, encontrando-se os arguidos a 214 milhas náuticas de Sagres e a 245 milhas do cabo de S. Vicente.

A decisão proferida em 1.a Instância pelo Juiz de Instrução Criminal violou o disposto no artigo 194.º, n.º 7 e n.º 8 do Código de Processo Penal e os princípios do contraditório e proibição de acesso ao processo, ao que acresce que os arguidos são de nacionalidade estrangeira e como tal deveria ter sido ponderada a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância eletrónica o que viola o disposto na Diretiva 2000/43/CE do Conselho de 29 de junho de 2000 que consagra o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas sem distinção de origem racial ou étnica.

E invocaram os arguidos para efeito de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo tribunal de 1.a instância ao disposto no artigo 141.º, n.º 1 do CPP por violação do disposto no artigo 31.º da nossa Constituição.

Por acórdão datado de 10-02-2022 o tribunal "a quo" decidiu não conceder provimento ao recurso interposto pelos arguidos e confirmou o despacho recorrido, tendo determinado que os arguidos aguardariam em prisão preventiva os ulteriores termos do processo.

Em relação à alegada inconstitucionalidade o tribunal "a quo" decidiu que foi cumprido o disposto no artigo 141.º do Código de Processo Penal e que não se verifica a invocada inconstitucionalidade (artigo 31.º da CRP), não existindo qualquer detenção ou prisão ilegal.

Os arguidos ora Recorrentes não se conformam com o acórdão de que ora se recorre.

Senão vejamos, os arguidos ora Recorrentes declararam que foram detidos no dia 16/10/2021 pelas 02h38, dia e hora em que a embarcação em que seguiam foi abordada e que desde esse dia e hora que os mesmos foram algemados e privados da sua liberdade de ação.

Sendo manifestamente falso que a detenção dos arguidos só tenha ocorrido após a entrada do Sr. Inspetor da PJ na embarcação no dia 16/10/2021 pelas 08h00 e a realização do teste rápido.

Os arguidos apenas foram interrogados pelo Juiz de Instrução no dia 18/10/2021 esgotado que estava o prazo máximo de 48 (quarenta e oito horas), tendo inclusive sido apresentada a providência de habeas corpus em virtude de detenção ilegal, tendo a mesma vindo a ser indeferida.

E em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido veio a defesa invocar a detenção ilegal.

Tendo o tribunal de 1.a Instância considerado os arguidos apenas foram detidos no dia e hora em que assinaram o auto de detenção.

O que foi confirmado pelo tribunal "a quo" que considera que a detenção só ocorreu após a entrada do Sr. Inspetor da P:J na embarcação ocorrida no dia 16/10/2021 pelas 08h00.

A interpretação dada pelo tribunal de 1.a instância e pelo tribunal "a quo" à norma do artigo 141.º, n.º 1 do Código de Processo Penal no sentido de considerar que a detenção só ocorreu após a entrada do Sr. Inspetor da P.J na embarcação ocorrida no dia 16/10/2021 pelas 08h00 é manifestamente inconstitucional e viola o disposto no artigo 31.º da nossa Constituição.

Deverá ser interpretada a norma do artigo 141.º, n.º 1 do Código de Processo Penal no sentido de que a detenção ocorre a partir do momento em que o arguido é manietado e privado da sua liberdade de ação.

Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado por aplicação de norma cuja inconstitucionalidade já havia sido suscitada em sede de recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e que ora se suscita e consequentemente deverá ser declarada a inconstitucionalidades das normas com força obrigatória geral.

Sem prescindir, o tribunal "a quo" interpretou a norma do artigo 92.º do Código de Processo Penal no sentido de que a mesma não se aplica às medidas cautelares e de polícia, o que é manifestamente inconstitucional e viola artigo 6.º da Diretiva 2010/64/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 20/10/2010 relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal, a violação do domicílio, a violação da reserva da vida privada e familiar.

Sucede que os autos de busca estão assinados por arguidos que não entendem, nem compreendem a língua portuguesa, tendo assim sido preteridos os direitos, liberdades e garantias consagrados no artigo 120.º do Código de Processo Penal e constitucionalmente previsto no artigo 32.º, n.º 1 e 5 da CRP.

O entendimento normativo de que não deverá estar presente um intérprete nos atos cautelares e de polícia é inconstitucional por violação do reduto nuclear das garantias de defesa dos arguidos consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da nossa Constituição.

A norma do artigo 92.º, n.º 1 do Código de Processo Penal deverá ser interpretada no sentido de se no processo intervier pessoa que desconheça ou não domine a língua portuguesa é-lhe nomeado intérprete, conforme estatui o artigo 32.º, n.º 1 da nossa Constituição e o artigo 6.º, n.º 3, alínea e) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de forma a que o acusado não fique numa posição desvantajosa.

No âmbito dos presentes autos uma diligência de busca, revista e apreensão e os arguidos não falam nem percebem a língua portuguesa.

O que significa que aos arguidos por serem desconhecedores da língua portuguesa, obrigatoriamente lhes deveria ter sido nomeado intérprete para que se pudessem levar a cabo as buscas, nos termos do disposto no artigo 92.º, do Código de Processo Penal e do artigo 6.º, da CEDH.

Veja-se também neste sentido a Diretiva 2010/64/EU do Parlamento Europeu, e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal.

Diretiva cuja publicação ocorreu no...

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