Acórdão nº 213/21.1GBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA VARIZO MARTINS
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO No Processo Abreviado com o nº 213/21.1GBGMR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães - Juiz 3, realizado julgamento, foi proferida sentença, no dia 26 de Outubro de 2021, em que foi decidido:

  1. Condenar o arguido C. E., pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, condicionando-se a suspensão da execução da pena de prisão à regra de conduta de o arguido submeter-se, durante o período da suspensão, a consultas de alcoologia e necessários tratamentos com vista à desabituação de consumo de bebidas alcoólicas e até que seja julgado desnecessário esse acompanhamento, sendo que a DGRS ficará incumbida de apoiar e fiscalizar o arguido na execução da referida regra de conduta, tudo nos termos do artigo 52º, nº 1, do Código Penal e 495º, nº 1 e 4, do CPP.

  2. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses, nos termos do disposto no artigo 69º nº 1 alínea a) do Código Penal.

    Inconformado com tal sentença, dela veio o arguido interpor o presente recurso, apresentando a respectiva motivação, que finaliza com as conclusões que a seguir se transcrevem: “1.ª Nos presentes autos, foi o recorrente condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez; 2.ª Resulta da acusação pública no dia - de Abril de 2021, pelas 11h30, na Calçada de …, …, conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ZA tendo sido interveniente em acidente de viação, por despiste da viatura, sendo que, atentos os alegados ferimentos sofridos pelo arguido, foi o mesmo transportado ao hospital, motivo pelo qual não efectuou o teste de pesquisa no álcool no sangue através do ar expirado, e após ter sido submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, através da respectiva colheita, apresentou uma taxa de álcool de 2,51g/l.; 3.ª Foi em virtude da amostra recolhida e do respectivo resultado do exame realizado, que a sentença recorrida condenou o arguido, sustentando que “relevante foi, ainda, o resultado da análise ao sangue com vista à detecção/quantificação da TAS, que consta de fls. 6.”; 4.ª Em caso de acidente, quer os condutores, quer os peões que intervenham no acidente, devem ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 156.º, n.º1 do Código da Estrada, remetendo, esta norma, para os requisitos legais da realização deste exame nos termos previstos no artigo 153.º do mesmo diploma, isto é, para o regime geral da fiscalização da condução sob a influência do álcool por ar expirado; 5.ª O recorrente foi sujeito à recolha de uma amostra de sangue para a realização desse exame sem que resultasse que essa era a única hipótese possível e viável, dadas as circunstâncias decorrentes do acidente; 6.ª Para sustentar a validade deste exame, resulta da acusação e dos factos provados que “Atentos os ferimentos sofridos pelo arguido, foi o mesmo transportado ao hospital, motivo pelo qual não efetuou o teste de pesquisa no álcool no sangue através do ar expirado (…)”; 7.ª Não resulta da acusação, nem tampouco da prova produzida em audiência de julgamento, quais foram os ferimentos que levaram a concluir-se pelo estando incapacitante do recorrente, impedindo-o de realizar o exame nos termos do n.º 1 do artigo 156.º do Código da Estrada.

    8.ª Porquanto, para sustentar e validar a realização do exame ao álcool através da recolha da amostra de sangue era, pois, necessário que fossem descritos quais os ferimentos sofridos pelo recorrente e qual o seu estado de saúde decorrente desses mesmos ferimentos; 9.ª O recorrente referiu expressa e inequivocamente que, quando conduzido ao hospital, estava “consciente”, pelo que, não tendo sido indicados, nem provados, os ditos “ferimentos sofridos pelo arguido”, não se vislumbra de que factos se socorreu o Tribunal à quo para dar como preenchidos os pressupostos para a aplicação do regime estatuído no artigo 156.º, n.º 2 do Código da estrada; 10.ª Não se concede, nem se concebe, que para fundamentar o preenchimento dos pressupostos da aplicação do regime excepcional, o douto Tribunal sustente a decisão aqui em crise referindo que “tornava-se impossível sujeitar o arguido ao Posto de modo a sujeitá-lo a exame quantitativo através do método do ar expirado ou mesmo sujeitá-lo a este tipo de teste no Hospital”, uma vez que a detecção da presença de álcool no sangue pode ser feita por meio de analisador qualitativo – ou quantitativo – de ar expirado; 11.ª A sentença partiu de um facto desconhecido – existência de álcool – para chegar a um conhecido: a necessidade de deslocação ao Posto de autoridade para a realização do exame quantitativo; 12.ª Acresce, ainda, que, não se pode partir, apenas e só, do facto do recorrente ter sido encaminhado para o hospital, para se presumir que o mesmo se encontrava num estado impeditivo de realização do exame por ar expirado; 13.ª Assim, a prova em que assentaram estes autos constitui prova ilegal, inválida ou nula, não podendo produzir efeitos, dado que a recolha de sangue ao recorrente constituiu um meio de obtenção de prova não legal por não estarem preenchidos os pressupostos que a lei faz depender para a sua aplicação, culminando, a violação dos artigos dos artigos 152.º, n.ºs 1 e 2 e156.º do Código da Estrada e artigos 1.º, n.ºs 1 e 3 e 4.º, n.º 1 do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, na obtenção de um meio de prova não válido – veja-se, neste sentido, o decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo n.º 34/17.6GCGMR.G1, datado de 05-02-2018, do qual foi relatora Ana Teixeira e cujo objecto de recurso é em tudo semelhante ao dos presentes autos; 14.ª Quando o recorrente deu entrada nos serviços de urgência do hospital para o qual foi transportado, assumiu um estatuto próprio e igual aos demais pacientes: o estatuto de doente; 15.ª Aquando da recolha de uma amostra de sangue a um doente, este não sabe, nem tampouco vai presumir, que está perante um acto de recolha de prova criminal e não um acto médico para seu benefício, porquanto, a recolha da amostra de sangue para posterior exame ao álcool no sangue tem de ser informada ao doente para que este saiba que aquele acto não é um acto médico, mas sim um procedimento de recolha de prova; 16.ª Tal como o recorrente afirmou em audiência de julgamento, em nenhum momento lhe foi dado a conhecer que havia sido recolhida uma amostra de sangue para posterior análise à taxa de álcool no sangue; 17.ª O recorrente, apesar de ter confessado os factos relativos à prática do crime de condução em estado de embriaguez, os quais, só lhe foram imputados em virtude da prova recolhida, em nenhum momento referiu esses alegados ferimentos sofridos o impediram de realizar o exame ao álcool pela via do ar expirado, até porque os mesmos nem sequer foram vertidos na acusação deduzida; 18.ª Acresce que, a douta sentença recorrida, parte de um facto conhecido – de que o recorrente não se apercebeu da realização do procedimento médico – para justificar o seu alegado estado incapacitante; 19.ª Porém, o facto do recorrente não se ter apercebido da realização da recolha da amostra de sangue não é a demonstração de que estava num estado incapacitante nomeadamente porque quando foi conduzido ao hospital este estava consciente (como disse em audiência de julgamento); 20.ª Resulta, assim, à saciedade que, a prova recolhida constitui um meio de obtenção de prova ilegal por violar o direito à informação do recorrente, constituindo, o respectivo, resultado, um meio de prova não válido; 21.ª Uma vez que, quer a acusação, quer a sentença recorrida basearam a imputação e a condenação do recorrente numa prova nula por ter sido a mesma obtida por meios não válidos, violando o princípio da legalidade da obtenção de prova e dos trâmites legalmente previstos para a sua obtenção, violando o disposto nos artigos dos artigos 152.º, n.ºs 1 e 2 e156.º do Código da Estrada e artigos 1.º, n.ºs 1 e 3 e 4.º, n.º 1 do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio; 22.ª Determina o artigo 152.º, n.º 3 do Código da Estrada que, “As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência”.

    23.ª O recorrente poderia, caso tivesse conhecimento, ter-se recusado a realizar o exame para a detecção do álcool; 24.ª Porém a recolha da amostra de sangue do recorrente foi realizada sem que em algum momento este fosse informado da prática desta diligência de prova; 25.ª No caso sub judice, por o mesmo não ter sido informado de que foi feita tal diligência, este não teve sequer a oportunidade de se opor à mesma, solicitando a destruição da amostra recolhida para tais fins; 26.ª Desta feita, foi sonegada tal possibilidade, em violação do princípio da não auto-incriminação e das normas do código da estrada; 27.ª Apesar do recorrente não seguir o perfilhamento jurisprudencial maioritário que se posiciona no sentido de que não decorre da letra da lei a necessidade do consentimento dos examinandos para a validade da prova recolhida, certo é que esta corrente jurisprudencial não deixa de entender, também, que se encontram excluídas, nesta matéria, os exames coercivos, aos quais o titular do interesse manifestou oposição através da sua possibilidade de recusa; 28.ª Compulsado o vindo de dizer, deve o recorrente ser absolvido da prática do crime de que vem...

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