Acórdão nº 132/19.1GBLGS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 132/19.1GBLGS, do Juízo de Competência Genérica de Lagos (Juiz 1), em que é arguido AR, e mediante pertinente sentença, foi decidido nos seguintes termos: “Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a acusação e, em consequência:

  1. Condenar o arguido AR, como autor material de um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, nº 1, e 184º, todos do Código Penal, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), do mesmo diploma, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), no montante global de € 630,00 (seiscentos e trinta euros); b) Absolver o mesmo arguido da imputação pela prática de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo nº 1 do artigo 365º do Código Penal

  2. Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, que se fixam em 2 (duas) UC de taxa de justiça (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, e artigo 8º, nº 5, do RCP e Tabela III a este anexa)”

    * Inconformado com a sentença condenatória, o arguido interpôs recurso, formulando na respetiva motivação as seguintes conclusões (em transcrição): “1. Os textos escritos pelo arguido, e remetidos ao Comandante do Posto Territorial da GNR de …, são considerados denúncia de crime, nos termos do artigo 246º do C. P. Penal

    1. A GNR de … é um Órgão de Polícia Criminal e tem obrigação de transmitir ao Ministério Público a notícia de um crime, nos termos do artigo 248º do C. P. Penal

    2. Os factos praticados pelo arguido e constantes da acusação indiciavam a prática de um crime de Denúncia Caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365º, nº 1, do Código Penal

    3. Qualquer denúncia de um crime implica, por si, a imputação a terceiros da prática de factos que podem constituir crime, e, portanto, a emissão de um juízo ofensivo da honra e consideração do visado

    4. Num Estado de Direito, na colisão entre o direito à honra do visado e o direito de denúncia do arguido, prevalece tendencialmente este último

    5. O exercício regular do direito de queixa é uma causa de justificação, que exclui a ilicitude da conduta ofensiva da honra do visado

    6. A punição pelo crime de Denúncia Caluniosa exige a consciência da falsidade e a intenção de instauração do respetivo procedimento criminal ou disciplinar

    7. Não foi dado como provado que o arguido tivesse consciência da falsidade das suas afirmações, e que tivesse intenção do respetivo procedimento criminal ou disciplinar

    8. Para reenchimento do tipo do crime de Difamação, era necessário provar que, ao imputar aqueles factos e aqueles juízos, o arguido apenas teve o intuito de atingir a honra e a consideração do visado

    9. As expressões proferidas pelo arguido não têm, só por si, caráter atentatório da honra e da consideração do militar queixoso, e são percetíveis no contexto em que são utilizadas

    10. Ainda que possam ser consideradas de mau tom ou rudes, as expressões não deixam de representar um mero juízo de opinião, que o arguido tem o direito a expressar

    11. Não podiam ser dados como provados os factos constantes dos pontos 11 a 17 da matéria de facto provada

    12. A imputação de suspeitas de corrupção, ainda que lesivas da honra e da consideração do visado, devem considerar-se justificadas, nos termos do artigo 31º, nº 1, e nº 2, al. b), do Código Penal

    Assim sendo, contando com o douto suprimento desse venerando Tribunal, deve ser alterada a douta decisão recorrida e substituída por outra, que absolva o arguido da prática de um crime de Difamação Agravada previso e punido pelos artigos 180º, nº 1, e 184º, do Código Penal

    * A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo tal resposta nos seguintes (transcritos) termos: “

  3. A fundamentação efetuada pelo Tribunal a quo é perfeitamente consentânea

  4. A sentença recorrida procede a uma avaliação perfeitamente adequada da realidade, atenta a prova produzida e as regras de experiência comum, contendo uma consistente e completa motivação da matéria de facto

    Termos em que deverá ser negado o provimento ao recurso interposto e ser mantida a douta sentença recorrida”

    * Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando os argumentos constantes da resposta do Ministério Público na primeira instância, e concluindo também no sentido da improcedência do recurso

    Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta

    Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência

    II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso

    Tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente (e acima transcritas), as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, são duas, em muito breve síntese, as questões que vêm suscitadas no presente recurso: 1ª - A impugnação alargada da matéria de facto

    1. - A qualificação jurídica dos factos

    2 - A decisão recorrida

    A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos - provados e não provados - e quanto à motivação da decisão fáctica): “

    1. DOS FACTOS PROVADOS Da discussão da causa, e com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos: DA ACUSAÇÃO PÚBLICA 1. J é Militar da Guarda Nacional Republicana, com o nº …, com o posto de Guarda de Infantaria

      1. No exercício das suas funções, J elaborou e assinou o relatório de ocorrência com o nº …, que foi junto ao processo com o nº…, e que se reporta a factos ocorridos pelas 18:40 horas do dia 24.09.2017, no…

      2. Refere-se nesse auto de ocorrência que “pelas 18:40 quando me encontrava de patrulha às ocorrências no horário 16:00/24:00 acompanhado da Guarda nº … A (…) chegado ao local encontrava-se o Sr. AR (…) o mesmo informou esta patrulha que o Sr. D (…) lhe teriam ligado a dizer que o seu vizinho do lado os tinha ameaçado e teria partido a vedação que separa as duas residências. O suspeito de tais factos foi identificado como sendo o Sr. F (…). Falando com o Sr. D e com a Sra. C os mesmos informaram esta patrulha que o Sr. F estava a comer amendoins do seu lado da vedação e a atirar cascas para o lado que já não lhe pertencia. Os mesmos quando viram isso chamaram a atenção do Sr. F e foi nesse momento que terão existido as ameaças por parte do Sr. F e que o mesmo lhe disse que o mesmo podia estar a fazer aquilo porque era tudo dele e que terá pontapeado a vedação que separa os quintais das duas residências e a terá danificado. Falando com o Sr. F o mesmo informa que a vedação lhe pertence, que não ameaçou ninguém e que simplesmente agarrou na vedação e a abanou. (…) enquanto esta patrulha esteve no local não houve qualquer tipo de ameaça ou discussão entre os intervenientes”

      3. Este relatório corresponde a uma descrição fiel do que o ofendido presenciou após a sua chegada àquele local, e nele fez constar tudo o que evidenciou quando ali se deslocou

      4. Contudo, o arguido AR escreveu e remeteu para a caixa de correio do Posto Territorial da GNR de …, no dia 16.07.2019, uma mensagem de correio eletrónico com os seguintes dizeres: “informo ainda que em 2017 militares da GNR testemunharam o referido cidadão em flagrante delito, de acordo com declarações de outras testemunhas, impediram-no fisicamente de continuar a destruir a vedação da minha propriedade e nada referiram no relatório de ocorrência, presumindo-se que se deixaram subornar pelo referido cidadão, pois os militares da GNR presentes nos atos ilícitos ficaram a sós com o mesmo e eu recebi indicação para abandonar o local e ir para o Posto da GNR apresentar queixa ao militar da GNR que estava de serviço no Posto”

      5. O arguido escreveu e remeteu uma mensagem de correio eletrónico para a caixa de correio do Posto Territorial da GNR de …, no dia 04.03.2019 com os seguintes dizeres: “chego à lamentável conclusão que para além de procurar justiça para um ilícito praticado contra a minha pessoa e património, tenho de me defrontar com a inaceitável incompetência, a inadmissível intencionalidade e parcialidade de alguns militares da GNR. Pelo que já foi anteriormente exposto - omissão intencional no relatório de ocorrência …(…) os militares que prestam serviço atualmente no Posto de … deixaram de merecer a minha confiança”

      6. Contudo, os Guardas J e A não presenciaram, nem impediram, na...

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