Acórdão nº 1312/20.2GBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo de inquérito que, com o n.º 1312/20.2GBABF, correu termos pela 1.ª Secção de Albufeira do Departamento de Investigação e Ação Penal dos Serviços do Ministério Público de Faro, o Ministério Público acusou FN… [[1]] pela prática, na forma consumada e em concurso efetivo, (i) de um crime de condução perigosa, previsto e punível pelos artigos 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, (ii) de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punível pelo artigo 347.º, n.º 2, do Código Penal, e (iii) de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 292.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, alínea a) e 101.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 2, alínea c), todos do Código Penal O Arguido requereu a abertura da instrução, com vista à prolação de decisão de suspensão provisória do processo.

E distribuído que foi o processo – ao Juízo de Instrução Criminal de Portimão [Juiz 1] da Comarca de Faro –, por decisão judicial datada de 22 de novembro de 2021, foi rejeitado o requerimento para abertura de instrução.

Inconformado com esta decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «i. Tem o presente recurso por objeto a decisão do Tribunal a quo de 22 de novembro de 2021, mediante a qual foi rejeitado o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo Arguido, com fundamento em inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

ii. Tal inadmissibilidade legal fundou-se, no entender do Tribunal a quo, na circunstância de, tendo o Arguido sido acusado, em 26 de abril de 2021, em concurso efetivo, pela prática dos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, na modalidade prevista e punida pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; de resistência e coação sobre funcionário, na modalidade prevista e punida pelo artigo 347.º, n.º 2, do Código Penal e de condução de veículo em estado de embriaguez, na modalidade prevista e punida pelos artigos 292.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 101.º, n.º 2, alínea c), todos do Código Penal, a pena de tais infrações, em concurso, ultrapassaria o limite máximo da pena aplicável, configurado como condição para a suspensão provisória do processo pelo disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código Penal.

iii. No requerimento de abertura da instrução apresentado pelo Arguido em 20 de outubro de 2021, este requereu apenas a suspensão provisória do processo, nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

iv. A circunstância de o Arguido se encontrar acusado, em concurso efetivo, por crimes em que para nenhum deles se encontra prevista uma pena de prisão superior a 5 (cinco) anos, não obsta a que possa ter lugar a suspensão provisória do processo, nos termos do disposto no artigo 281.º, do Código de Processo Penal.

  1. O argumento literal que o Tribunal a quo pretende extrair do disposto no artigo 281.º, n.º 1, proémio, do Código de Processo Penal, no sentido de limitar a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo às situações em que apenas um crime com uma pena (necessariamente única) até cinco anos de prisão é objeto do despacho de acusação, salvo o devido respeito, não colhe.

    vi. E não colhe por três razões fundamentais: (i) o instituto em questão encontra-se destinado às situações de pequena e média criminalidade, encontrando-se todas as infrações pelas quais o Arguido foi acusado dentro dessa bitola – isto independentemente ter o Ministério Público ter lançado mão do disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, questão que analisaremos no capítulo seguinte - ; (ii) a letra do artigo 281.º, n.º 1, proémio não restringe a aplicação do regime legal da suspensão provisória do processo em caso de concurso de infrações.

    vii. No caso em apreço nenhum dos crimes imputados ao Arguido é sancionado com pena abstratamente aplicável superior a cinco anos de prisão.

    viii. A tese do Tribunal a quo implicaria que a suspensão provisória do processo estivesse centrada, exclusivamente, nas situações em que (i) ou houvesse apenas indiciação por um crime, com pena punível até cinco anos de prisão; (ii) ou pluralidade de crimes, com pena abstrata conjunta até cinco anos.

    ix. Um tal entendimento centraria, exclusivamente, a possibilidade de suspensão provisória do processo na medida das penas singulares e não nos requisitos previstos nas várias alíneas do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

  2. O caso em apreço é um caso de pequena criminalidade, onde até pode aventar-se a consumpção entre as infrações de condução perigosa e a de condição em estado de embriaguez, pelo que, olhando para o Despacho de Acusação e à análise, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que aí é feita, e que converge para a verificação das condições de suspensão provisória do processo, incluindo no que tange à medida da pena, facilmente se intui que o julgamento nestes autos é um ato absolutamente desnecessário, até do ponto de vista da finalidade das penas.

    xi. É, por isso, inaceitável a forma restritiva como o Tribunal a quo analisou o requisito da medida máxima da pena abstratamente aplicável enquanto condição para a suspensão provisória do processo, já que não existe suporte literal ou teleológico na interpretação do disposto no artigo 281.º, n.º 1, proémio, do Código de Processo Penal que autorize interpretação tão restritiva do âmbito de aplicação do instituto em questão.

    xii. Em sede de Despacho de Acusação, o Ministério Público lançou mão do disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, justificando tal opção processual com elementos atinentes à gravidade dos factos, à culpa do Arguido, à ausência de antecedentes criminais, à moldura concreta das penas aplicáveis a cada um dos crimes (todas inferiores a 5 anos de prisão) e à preferência a dar à pena não privativa de liberdade.

    xiii. Tal opção processual diz bem da pouca gravidade do presente caso, onde a pena máxima abstratamente aplicável não poderá nunca, mesmo atendendo ao concurso de infrações, ultrapassar os 5 anos de prisão.

    xiv. Lançando o Ministério Público mão, no despacho de acusação, do disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, assiste-se a uma convolação da medida abstrata da pena aplicável – note-se, aliás que o disposto no artigo 16.º, n.º 4, do mesmo Código é claro ao determinar que o recurso a tal faculdade, por parte do Ministério Público, impede o Tribunal de aplicar pena superior a cinco anos.

    xv. Se já se sabe, neste momento, que ao Arguido nunca será aplicada pena superior a 5 anos de prisão, já que, por força da atribuição de competência para julgá-lo ao Tribunal singular, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não pode entender-se que a suspensão provisória do processo, na fase de instrução requerida após a dedução de Despacho de Acusação, se encontra inviabilizada, por força do limite máximo da moldura penal abstrata das três infrações em concurso.

    xvi. Tal obstáculo inexiste desde a prolação do Despacho de Acusação.

    xvii. Nesta conformidade, deve a decisão recorrida ser revogada, determinando-se que se encontra verificado o requisito do limite da pena máxima abstratamente aplicável previsto no artigo 281.º, n.º 1, proémio, do Código de Processo Penal, em virtude do exercício, da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal por parte do Ministério Público em sede de Despacho de Acusação.

    xviii. A interpretação do disposto nos artigos 281.º, n.º 1, proémio, na parte em que fixa como condição para a suspensão provisória do processo o limite máximo de 5 anos de pena abstratamente aplicável, no sentido segundo o qual tal limite, em caso de ter sido proferido Despacho de Acusação por crimes em concurso que, em abstrato, ultrapassem tal medida de pena, mas em que o Ministério Público exerce a faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, no sentido segundo o qual, em tal situação, não é admissível a suspensão provisória do processo e é de rejeitar, com fundamento em inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 3, do mesmo Código, sempre redundará em norma materialmente inconstitucional, em razão da violação do princípio do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias e das garantias de defesa em processo penal, previstos, respetivamente, nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2 e 32.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que, para todos os efeitos legais, se deixa expressamente invocada.

    Termos em que: Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida.

    » O recurso foi admitido.

    Na resposta que, sem conclusões, foi apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido, concluiu-se pela improcedência do recurso.

    Não foi feito uso da faculdade consagrada no n.º 4 do artigo 414.º do Código de Processo Penal.

    û Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu o parecer que se transcreve: «Recurso interposto pelo arguido do despacho do juiz de instrução que lhe rejeitou o pedido de abertura de instrução.

    O arguido requeria a abertura de instrução pretendendo que lhe fosse aplicado o instituto da suspensão provisória do processo, face à acusação pública do Ministério Público em tribunal singular pela prática de crimes cuja soma material das penas excede os cinco anos de prisão, mas em que entende que, no caso concreto, não lhe deverá ser aplicada uma pena superior a cinco anos.

    O Juiz de instrução entendeu ser de rejeitar a instrução por falta de um pressuposto legal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT