Acórdão nº 311/22 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução28 de Abril de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 311/2022

Processo n.º 1276/2021

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 24 de novembro de 2021, que manteve a decisão sumária proferida pela Juíza Desembargadora Relatora em 27 de outubro do mesmo ano.

2. Através da Decisão Sumária n.º 96/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Apesar de o recorrente não explicitar qual o «alcance e interpretação do artigo 69 do Código Penal», cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, não se justifica formular um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC, em ordem a possibilitar o suprimento de tal omissão. E isto porque, conforme dos autos resulta, não foi previamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de constitucionalidade normativa, única suscetível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.

5. Por força do disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do respetivo artigo 70.º que a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso haja sido suscitada «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».

Ao impor ao recorrente a antecipação perante o Tribunal recorrido da questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso, o n.º 2 do artigo 72.º da LTC responde a uma exigência decorrente da própria natureza da intervenção do Tribunal Constitucional no âmbito da fiscalização da constitucionalidade: dirigindo-se o recurso de constitucionalidade à reavaliação do pronunciamento contido numa anterior decisão — e não à apreciação ex novo do vício pretendido controverter no âmbito da fiscalização concreta —, a exigência de que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida visa garantir a obtenção de uma decisão suscetível de ser impugnada perante o Tribunal Constitucional, assegurando que este somente seja chamado a reapreciar as questões de constitucionalidade ponderadas (ou suscetíveis de o terem sido) pelo tribunal a quo (neste sentido, vide Acórdão n.º 130/2014).

É justamente para assegurar essa convergência que, para além da antecipação da questão de constitucionalidade perante a instância recorrida, o pressuposto de admissibilidade fixado no n.º 2 do artigo 72.º da LTC impõe ainda ao recorrente o ónus de delimitação e especificação perante o tribunal a quo do objeto do recurso, através da identificação do preceito ou preceitosarco legal ou bloco normativo — que suportam a norma impugnada e do conteúdo normativo que lhe corresponde (v. o Acórdão n.º 50/2021).

6. Compulsados os autos, verifica-se que, no âmbito das conclusões que acompanharam o recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa — que, nos termos do artigo 412.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, definem e delimitam o seu objeto —, o recorrente não enunciou qualquer critério normativo que pudesse reconduzir-se à interpretação do artigo 69.º do Código Penal, efetuada pelo Tribunal de primeira instância.

Com efeito, ao invés de suscitar a inconstitucionalidade de uma norma ou interpretação normativa e de a sediar no preceito legal que entendesse apto a suportá-la, o recorrente, discordando da concreta pena acessória em que fora condenado, limitou-se a alegar que, ponderadas as circunstâncias por si invocadas, se deveria ter por «adequada e proporcionada a condenação do arguido na pena de 50 dias de multa» (7.ª conclusão) «e de uma inibição por 4 meses a cumprir aos fins de semana e férias, sob pena de ser inconstitucional» (12.ª conclusão).

É certo que, na conclusão imediatamente seguinte, o recorrente referiu que, «[d]e facto, o artigo 69 do Código Penal é inconstitucional por violação do direito ao Trabalho (artigo 58 nº 1 da CRP e artigos 30, nº 4 e 5 da CRP (Limites das penas e das medidas de segurança)». Tal alegação é insuscetível, no entanto, de demonstrar a observância do ónus imposto pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC. Por duas razões fundamentais.

Em primeiro lugar, o artigo 69.º do Código Penal acomoda uma multiplicidade de normas disciplinadoras da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, sendo certo que o recorrente não especificou qual delas seria a incompatível com a Constituição.

Em segundo lugar, resulta da globalidade da alegação — isto é, tanto das razões invocadas no recurso interposto para o Tribunal da Relação, como do próprio requerimento de interposição do presente recurso —, que o recorrente pretende «cumprir» a pena acessória que considera adequada e proporcional (três meses de «inibição») desde que o faça «aos fins de semana e férias» e, somente se tal não ocorrer, é que sobrevirá, de acordo ainda com próprio, a violação da Constituição.

Vale isto por dizer que, perante o Tribunal da Relação de Lisboa, o recorrente não identificou qualquer critério normativo suscetível de constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade, o que não permite ter por observado o ónus imposto pelos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC.

Justifica-se, por isso, a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho que admite o recurso não é vinculativo para este Tribunal (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC).»

3. Inconformado com tal decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:

«Os fundamentos para a referida decisão, são (i) a ausência de identificação de norma considerada Inconstitucional, (ii) a não indicação do Principio/Norma da Constituição da República Portuguesa, considera violada, e bem assim (iii) a falta de fundamentação da inconstitucionalidade arguida.

Atento ao exposto cabe Reclamação, com os seguintes fundamentos:

O ora Reclamante, identifica desde logo a norma que considera Inconstitucional.

De facto, o Reclamante, no segundo parágrafo do ora Recurso indica o seguinte e que se passa desde já a transcrever:

“(…)

De facto, o artigo 69 do Código Penal é inconstitucional por...

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