Acórdão nº 38/19.4GANLS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução20 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nos autos de processo comum (tribunal singular) supra referenciados, que correram termos pelo Juízo de Competência Genérica de Nelas, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferida sentença em que se decidiu absolver o arguido AA, com os demais sinais dos autos, da autoria do crime de maus tratos a animais de companhia, p.p. pelo art. 387º, nºs 1 e 2 do Código Penal.

Inconformado, recorre o Ministério Publico, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: A. A sentença aqui em crise fundamenta a absolvição do arguido na circunstância de a matéria de facto não permitir concluir que a cadela que foi morta por acção do arguido era um animal votado ao seu entretenimento e companhia.

  1. Não podemos estar mais em desacordo.

  2. O n.º 1 do artigo 387.º, n.º 1, do Código Penal, punia (na redacção em vigor à data dos factos) “quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”, consagrando-se no n.º 2 do mesmo um crime agravado pelo resultado, sempre que dos maus-tratos previstos no n.º 1 resultasse a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afectação grave e permanente da sua capacidade de locomoção.

  3. Encontrando-se no o n.º 1 do artigo 389.º, do Código Penal o conceito de “animal de companhia”.

  4. Esta norma distinguia animais “detidos” de animais “destinados a ser detidos” pelo ser humano.

  5. Os animais de companhia “destinados a ser detidos” pelo ser humano serão, fundamentalmente, aqueles que são os animais de companhia “por natureza” (animais cujo destino normal é virem a desempenhar a função de proporcionarem companhia e entretenimento ao Homem), conceito onde se inclui, pelo menos, seguramente, cães e gatos, ainda que vadios ou errantes (portanto, não detidos por ninguém), atendendo ao factor histórico-cultural que nos demonstra que estes são os animais, companheiros do Homem, por excelência, há já vários milénios.

  6. Conforme se refere no Parecer do Conselho Superior do Ministério Público sobre os Projectos de Lei n.ºs 164/XIII (PS) 171/XIII e 173/XIII (PAN), os cães e gatos são os únicos animais susceptíveis de abrangência total da protecção penal, desde logo porque, ao contrário da generalidade das outras espécies, não terão como destino possível a alimentação humana.

  7. Pelo que, salvo melhor opinião, a mais correcta interpretação da referida norma passa por considerar que, mesmo quando os cães e gatos não estão afectos em concreto ao “entretenimento” e “companhia” do ser humano, encontram-se abrangidos pela protecção da norma, uma vez que poderão sempre ser considerados como destinados a esses fins, ainda que não o sejam.

    I. Por outro lado, considera-se que no conceito de animal de companhia “detido” pelo ser humano cabe, para além dos já referidos animais de companhia “por natureza”, os animais que, em concreto, se encontrem sob a alçada do Homem, “designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia”, sendo certo que este último segmento da norma se encontra fundamentalmente dirigido, atendendo aos argumentos supra referidos, para os animais que socio-culturalmente não são entendidos como animais de companhia, mas que o Homem decidiu deter com o objectivo de lhe proporcionar entretenimento e companhia.

  8. Dúvidas não existem que o animal dos presentes autos era uma animal de companhia, nos termos estabelecidos no artigo 387.º, por referência ao artigo 389.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

  9. De facto, tratava-se de um animal canídeo, ou seja, um animal de companhia “por natureza”, pelo que mesmo que não se tivesse provado que estava aos cuidados do arguido – o que não aconteceu -, ao se ter provado o acto do arguido sobre o animal, sempre estaríamos perante a prática do crime em apreço.

    L. Sucede que, resultou da prova produzida, que o animal era detido pelo arguido, encontrando-se aos seus cuidados, por lhe ter sido dado pelo casal BB e CC, testemunhas nestes autos.

  10. Portanto, tratando-se de um cão – animal de companhia “por natureza” -, detido pelo arguido, teria o arguido que ser condenado pelo crime de que vinha acusado.

  11. Não sendo, para esse efeito, necessário, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, que resulte da factualidade provada que o animal se destinava à companhia e entretenimento do arguido.

  12. Uma vez que estamos perante um cão – animal cuja função social é fazer companhia ao Homem – e não um outro animal que à priori não é de “companhia”, mas que o Homem decide detê-lo como tal… P. Ao absolver o arguido, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 387.º, n.º 1 e 2 e 389.º, n.º 1 do Código Penal.

  13. Pelo que deve a sentença proferida ser substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de Maus Tratos a Animais de Companhia, p. e p. pelo artigo 387.º, n.º 1 e 2, por referência ao artigo 389.º, n.º 1, ambos do Código Penal, com a redação vigente à data dos factos (por a lei nova não se mostrar mais favorável ao arguido – artigo 2.º, n.º 1 e 4.º, 1.ª parte Código de Processo Penal).

    Nestes termos, (…) deverá a douta decisão ser revogada e substituída por uma outra que condene o arguido nos termos aduzidos, com todas as legais consequências (…).

    O arguido não respondeu.

    Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pronunciando-se pela procedência do recurso.

    Foram colhidos os vistos legais.

    O âmbito do recurso, segundo jurisprudência constante, afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido, donde se segue que no caso vertente importa apenas averiguar se o animal que o arguido deliberadamente matou era um animal de companhia; e em caso afirmativo, verificando-se a tipicidade do crime imputado ao arguido, haverá que proferir decisão condenatória em conformidade.

    II – FUNDAMENTAÇÃO: O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1. Em data não concretamente apurada, mas posterior a fevereiro de 2019 e anterior a 10 de abril do mesmo ano, o arguido AA, amarrou uma corda que tinha uma pedra numa das pontas ao pescoço da cadela de nome “Princesa”, registada com o chip (….), de que era possuidor.

    2. Seguidamente...

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