Acórdão nº 30/22.1YRPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 30/22.1YRPRT.S1 Mandado de Detenção Europeu Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

Por acórdão do Tribunal da Relação ..., de 02.03.2022, no processo de execução de mandado de detenção europeu contra AA, nascido a .../.../1984, natural ..., e com autorização de residência ...

[1], foi decidido deferir[2] e, consequentemente, executar Mandado de Execução Europeu (MDE) emitidos pelas autoridades francesas, não tendo o interessado renunciado ao princípio da especialidade. 2.

Nos termos do art. 18.º, da Lei n.º 65/2003, de 25.08 (alterada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de maio, adiante designada LMDE), foi o interessado ouvido, a 19.01.2022, foi validada a detenção e decidido que o arguido devia aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a termo de identidade e residência (que já havia prestado) e apresentação periódica no posto da autoridade policial da sua residência todas as quartas-feiras e sábados. Foi ainda concedido um prazo de 10 dias para que fosse deduzida a oposição e apresentação dos meios de prova, nos termos do art. 21.º, n.º 4, da LMDE.

  1. O arguido interpôs recurso, nos termos do art. 24.º, da LMDE, para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões: «A. Com o presente recurso, a versar sobre matéria de Direito e a contender com a execução do mandado de detenção europeu, não pretende o recorrente colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária”, traduzido no direito de recorrer, consagrado na alínea i) do n.º 1 do art. 61º CPP e no n.º 1 do art. 32º CRP; B. Da visão de conjunto dos autos ressalta a desproporcionalidade e não conformidade legal da execução de tal mandado de detenção, assentando o douto acórdão em equívocos e contradições, potenciados pelo teor do próprio mandado de detenção, não se percebendo a convocação da data de 22 de Novembro de 2016 que consta do ponto 1º julgado provado pois nenhuma decisão terá sido proferida contra o recorrente em tal data (mesmo a decisão de primeira instância teve lugar em 2019!), pelo que, a ter-se tratado de qualquer lapso ou erro sempre se imporá a sua correcção, com a expurgação de tal vício decisório; C. Decorre dos princípios da boa-fé e seus três sub-princípios [I) da protecção da confiança; II) da materialidade e III) da transparência decisória] que todo e qualquer arguido perante a notícia de uma condenação na ausência/à revelia não deixa de representar a violação plena dos seus direitos e garantias de defesa bem como a não exequibilidade imediata da decisão, pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, a presente pendência processual se mostra violadora dos princípios venire contra factum proprium bem como deslealdade processual e preterição dos princípios da protecção da confiança e segurança jurídicas por parte do Estado de emissão e das autoridades francesas! D. Nunca e em momento algum o requerido se furtou a quaisquer contactos com as autoridades francesas, inexistindo qualquer não comparência injustificada e não se estando perante nenhuma ausência injustificada e alicerçada em qualquer revelia deliberada por parte do recorrente, devendo tal pormenor ser devidamente tido por um pormaior relevante, não podendo considerar-se “pessoa procurada” nos termos e para efeitos do art. 1º n.º 1 da Lei 65/2003 pois as autoridades francesas sabiam bem onde se encontrava, não estando preenchidos os pressupostos subjacentes a tal legislação e mecanismo de cooperação europeia; E. O mandado de detenção europeu é desproporcional e mostra-se a finalidade pretendida facilmente alcançável em termos satisfatórios mediante a notificação em território nacional, devendo ser ponderado tal juízo de necessidade, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, sendo intenção do arguido defender-se em tais autos, exercendo contraditório e não ser condenado à revelia, salvaguardando os seus mais elementares direitos processuais e evitando as deslocações morosas com colocação e partilha de celas com pessoas que não falam a mesma língua, impossibilitando visitas bem como interacção com a sua família e constituindo retrocesso na ressocialização em curso; F. A metódica de concordância prática dos diversos interesses em jogo mostrar-se-á satisfeita com a notificação em Portugal, aguardando cá que haja decisão final e exequível, dispensando a presença física e transtornos e dispêndios causados, nos termos e para efeitos do art. 5º nºs 1 e 2 da Convenção relativa ao auxílio judicial mútuo em matéria penal entre os Estados membros da União Europeia, podendo a participação em qualquer diligência de recurso ter ocorrido mediante videoconferência nos termos do art. 10º n.º 9 de tal Convenção, assim se evitando as delongas inerentes ao transporte e sujeição a detenção em país estrangeiro, com as contingências relativas à língua, hábitos alimentares diversos e demais constrangimentos notórios (art. 412º CPC); G. Algo não pode ser simultaneamente aquilo que é e também o seu contrário pelo que in casu não pode o mandado ter por objecto o cumprimento de pena de prisão quando a mesma ainda se não mostra consolidada nem transitada em julgado, estando-se apenas perante mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal, ainda não concluído e não já para efeitos de cumprimento de pena, o que seria sempre extemporâneo atenta ausência de trânsito em julgado da condenação, e daí o pedido de garantias pois estará primacialmente em causa o estatuto coactivo do arguido em solo francês até ao trânsito em julgado, atenta a possibilidade de interposição de recurso face a tal condenação em solo gaulês (como ressalta do facto julgado provado sob o número 4º, a fls. 5 infra!), e a ser o mesmo exercido, nada se sabe sobre qual seja o estatuto coactivo do arguido que é detido para cumprir uma pena que ainda não existe definitivamente [ficará em prisão preventiva, ficará em liberdade em país estrangeiro (no qual não em família nem domina a língua!), será devolvido a Portugal até ao trânsito em julgado, etc.]?! H. Não pode o recorrente reconhecer aquilo que ainda não existe pois inexiste qualquer decisão condenatória com trânsito em julgado e emitida por qualquer Tribunal do Estado--emissor do mandado, não se reconhecendo, salvo o devido respeito, acerto à douta decisão recorrida quando refere que se está perante mandado de detenção europeu e “entrega do requerido para efeitos de cumprimento de pena privativa da liberdade com a duração de 2 (dois) anos de prisão”, pois a condição de exequibilidade da pena não se verifica e colide com o ponto de facto julgado provado 4º, a atestar a ausência de trânsito em julgado, e com o teor expresso a fls. 15 supra e 17 (antepenúltimo parágrafo); I. A douta decisão recorrida padece do vício de contradicão insanável, sendo aos olhos do recorrente contraditório afirmar-se que o mandado de detenção europeu em causa é para cumprimento de pena de prisão (e não para procedimento criminal!), quando inexiste trânsito em julgado da condenação e se admite mesmo que em função de recurso do arguido possa culminar na revogação da decisão inicial, como sucede no ponto julgado provado 4º, combatendo-se a desproporcionalidade quando em causa está primeira e necessariamente apenas proceder a uma notificação processual, a qual poderá facilmente ser efectuada em Portugal (tal qual foram efectuadas no passado), ainda que presencialmente no Tribunal da Relação, em qualquer órgão de polícia criminal ou por qualquer agente de execução ou funcionário judicial, sem necessidade de ser efectivamente enviado para França para cumprir tal formalidade processual; J. Não sendo o trânsito em julgado imediato e logo após tal notificação importará aferir das garantias que o Estado-emissor do mandado presta sobre a situação do arguido durante tal lapso temporal, pugnando-se para que aguarde em território nacional o trânsito em julgado por não vislumbrar nem necessidade nem proporcionalidade da execução condicional de um mandado para cumprimento de uma notificação (formalidade processual) quando tem morada em Portugal, conhecida das autoridades francesas e na qual foi localizado, estando sujeito à medida de coacção tida por adequada e proporcional, que vem cumprindo, sendo a imediata execução do mandado violadora dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, adequação e a proibição do excesso, havendo assim possibilidade de diferimento da sua execução sem comprometer as finalidades da justiça e a cooperação internacional; K. Quando transitar em julgado e tiver de ter lugar o cumprimento da pena, o arguido expressamente requer que o seja em território nacional português dado que em solo gaulês não disporá de qualquer apoio, não dominará a língua, não se consegue adaptar á alimentação e da última vez viu agravados os problemas de saúde, maxime ao nível da pele e zona da cabeça conforme atestado e exibido aquando a audição, importando aferir, qual será o seu estatuto coactivo em solo francês enquanto a decisão não transitar em julgado ou se será de novo enviado para Portugal, dado que não se julga legitimo ser o mandado de detenção europeu executado para cumprimento de algo ainda não existente por a pena ainda não ter transitado em julgado, padecendo tal mandado de contradição intrínseca, pois que aparenta ter sido emitido para cumprimento de pena! L. Não pode ser tida por igual uma situação que o não é pois, não havendo definitividade condenatória, não pode ser executado mandado de detenção para cumprimento de pena de prisão dado que apenas com força executiva em tal condenação ocorrerá o timing certo para manifestar o desejo de cumprimento da pena em Portugal, o qual todavia desde já e antecipadamente se formula expressamente como se deixou já antes formulado, requerendo uma concordância prática de todos os direitos, deveres e interesses em jogo pois é possível compatibilizar...

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