Acórdão nº 298/22.3YRCBR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO LIMA
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.

O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal da Relação apresentou, nos termos do art. 16.º, n.º 1, da Lei 65/2003, de 23/08 (Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu – LMDE), requerimento para execução de Mandado de Detenção Europeu (MDE), emitido por Autoridade Judiciária romena e relativo ao cidadão AA, filho de BB e de CC, nascido a .../.../1995, natural de ..., ..., país da sua nacionalidade, titular do passaporte... ..., emitido em .../.../2019, com residência naquele país em ..., nº 27, em Portugal residente na Rua ..., ..., ..., ..., mas que foi a 05/12/2022 detido na cidade ... e se encontra actualmente sob detenção no Estabelecimento Prisional .... 2.

O referido mandado foi emitido a .../.../2022, pela juíza presidente do tribunal de ..., ..., para efeitos de cumprimento da pena de quatro anos, dois meses e quinze dias de prisão, que como coautor de um total de doze crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art. 228.º e 229.º do Código Penal ..., e cometidos na cidade ... no período entre 18-19/12/2014 e 02/02/2018, lhe foi imposta por sentença proferida a 22/02/2022, no processo 4067/32... (ref. n.º 321), daquele tribunal de ..., ..., e entretanto tornada definitiva a 14/10/2022, por decisão do tribunal de recurso de Constança com a ref. 729/P/14.10.2022. 3. Na sequência de detenção a 03/12/2022, no âmbito do inquérito 1661/22...., que entretanto corre os respectivos termos na ... secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) ..., o requerido foi ali libertado no dia 05/12/2022 mas nesse mesmo dia e pelas 11.20 horas novamente detido, agora para cumprimento do MDE aqui em causa, e no âmbito deste procedimento subsequentemente apresentado a este Tribunal da Relação, procedeu-se a 06/12/2022 à respectiva audição, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º, da LMDE, acto no qual, após ser esclarecido da existência e teor do MDE, do direito de se opor à execução dele, dos termos em que pode fazê-lo e das consequências de um eventual consentimento, bem como da faculdade de renunciar ao princípio da especialidade, declarou nem consentir na sua entrega às autoridades romenas e nem renunciar aos benefícios daquele princípio, no mais solicitando prazo para apresentar por escrito a sua oposição, que lhe foi concedido.

4.

Na sequência daquela audição, foi por despacho imediatamente proferido validada e mantida a detenção do requerido, nos termos do art. 18.º, n.º 3, da LMDE, e no prazo concedido o mesmo, reiterando a recusa de consentimento nela (e a não renúncia ao princípio da especialidade), ofereceu oposição à execução do MDE, para isso alegando, em síntese:

  1. Desde logo, o processo em cujo âmbito entre nós começou por ser detido encontra-se ainda em fase de inquérito, não podendo aqui e sob pena de lesão do princípio da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – CR), tomar-se em consideração a suposta prática de crime que motivou essa detenção. b) Não esteve presente no julgamento em cuja sequência foi proferida a sentença condenatória de que com o MDE se visa a execução, como aliás resulta do próprio teor respectivo, de sorte que cumpriria indagar se lhe foram garantidos todos os mecanismos necessários a um efectivo e integral direito de defesa, e por outro lado pretendendo exercer o direito que lhe assiste a requerer um novo julgamento ou interpor recurso para que seja reapreciado o mérito da causa em que foi proferida a decisão que fundamenta aquele MDE, com a inerente erosão da força executiva dela, deve ser suspensa ou interrompida a execução, aguardando assim esses ulteriores termos daquela causa em território português. Daqui extrai que nos termos do art. 12.º-A, n.º 1, al. d), da LMDE, deve ser recusada a execução.

  2. E, caso assim se não entenda, então considerando que: i.

    Veio para Portugal há cerca de dez anos, onde tem estado intermitentemente até há cerca de dois anos, quando aqui se estabeleceu definitivamente; ii.

    Desde então mantém aqui a sua vivência pessoal, familiar, económica, social e profissional, com agregado familiar, uma vez que, para constituí-lo, a sua companheira, igualmente de nacionalidade ..., há cerca de ano e meio aqui se lhe juntou, aqui igualmente residindo outros familiares seus, designadamente um irmão com quem mantém forte ligação afectiva e uma prima; iii.

    Ele e essa companheira aqui se dedicam profissionalmente e por conta própria à actividade de limpezas, essencialmente de vidros, sendo os contactos com clientes centrados em si; iv.

    Aquela companheira se encontra grávida de gémeos, esperando para breve o nascimento dos filhos comuns, que adquirirão a nacionalidade portuguesa e que ambos projectam aqui criar e educar, a execução do MDE, com a sua entrega às autoridades romenas, levará a uma quebra dos respectivos laços familiares, com companheira e filhos. Daqui extrai que nos termos do art. 12.º, n.º 1, al. g), da LMDE, deve ser recusada essa execução, cumprindo ele a pena em Portugal, o que melhor assegurará a sua inserção, em especial permitindo-lhe manter quanto possível aqueles laços, e aliás com isso adequadamente se cumprindo o programa constitucional de tutela da família (art. 67.º da CR).

    5.

    O MP respondeu a essa oposição, pugnando pela improcedência respectiva e para isso argumentando, também em síntese, que:

  3. Nos termos do art. 21.º, n.º 2, da LMDE, a oposição à execução do MDE só pode fundar-se em erro na identidade do detido ou existência de causa de recusa de execução, sendo estas as previstas no art. 11.º do mesmo diploma, no caso nem havendo dúvidas sobre a identidade do requerido e nem a oposição respeitando àqueles fundamentos previstos no dito art. 11.º; b) Quanto à eventualidade de recusa facultativa de execução, nos termos do art. 12.º, n.º 1, al. g), da LMDE, começa por não se afigurar sequer viável dar por assente uma efectiva e consolidada residência do requerido no nosso país, tendo em conta o pouco tempo que levará a sua estada entre nós e a sua insuficiência para o estabelecimento de laços significativos, sublinhando ainda que ele foi detido (em flagrante delito) pela prática de crime de furto, de sorte que sem prejuízo da presunção de inocência até decisão final que eventualmente o condene, pode daí e indiciariamente extrair-se que mesmo temporariamente aqui residindo ele vem entre nós continuando na senda da prática de crimes idênticos àqueles por que foi condenado no país de origem – a isso acrescendo, em todo o caso, que necessário seria ainda, além dessa efectiva residência entre nós, que o Estado português se comprometesse a executar a pena de prisão em causa, mas a sentença condenatória não foi revista em Portugal, não podendo meramente substituir-se essa revisão pelo teor do MDE, de tudo concluindo que deve improceder a oposição à execução.

    6.

    Procedeu-se a inquérito social sobre as condições do requerido em Portugal, cuja determinação se fizera à DGRSP, que entretanto juntou o pertinente relatório, e, não se revelando necessária e nem sendo requerida a produção de mais provas, após os vistos foi a causa apreciada em conferência.

    II – Fundamentação 7. Factualidade relevante

  4. O MDE cuja execução vem pretendida foi emitido a .../.../2022 por autoridade judiciária ..., em concreto pela juiz presidente do Tribunal ..., ..., tendo por fundamento sentença nesse tribunal proferida no processo 4067/32..., com o n.º 321, em 22/02/2022, que condenou o requerido na pena de quatro anos, dois meses e quinze dias de prisão, por coautoria em doze crimes de furto qualificado, nos termos dos art. 228.º e 229.º do Código Penal da ..., e tornada definitiva a 14/10/2022 por decisão do tribunal de recurso de Constança, com a ref. 729/P/14.10.2022.

  5. Esse MDE foi emitido, como dele consta, para efeitos de cumprimento pelo requerido da referida pena de quatro anos, dois meses e quinze dias de prisão, e nele se contêm, entre o mais, as seguintes menções: i.

    A identidade e nacionalidade do requerido, como acima referidas; ii.

    Os elementos relativos à decisão com força executiva em que se baseia a ordem de detenção, como acima referidos; iii.

    Os elementos identificativos da entidade emissora (Tribunal ..., representado pela Sr.ª juiz presidente respectiva, DD), seu endereço (..., .... ..., nr. 15, ..., CP 820127), contacto telefónico (...40) e endereço de correio electrónico (...); iv.

    A descrição das circunstâncias em que as infrações foram cometidas, nos termos que seguem: 1.

    Na noite de 18-19/12/2014, junto com B.I., arrombaram e entraram (subindo uma janela) no atelier de pintura pertencente ao Bispado de ..., de onde subtraíram cinco ícones pintados; 2.

    Na noite de 07-08/03/2015, junto com B.I., arrombaram e entraram (forçando a porta de acesso) na sede profissional de S..., SRL, de ..., de onde subtraíram uma unidade central de computador marca ...; 3.

    Na noite de 15-16/03/2015, junto com B.I., forçaram a janela da sede profissional de L... de ..., de onde B.I. subtraiu um portátil da marca ..., enquanto fora da sociedade N.... assegurava a guarda do local; 4.

    No período de 03 a 05/04/2015...

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