Acórdão nº 01098/16.5BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Notificada do Acórdão de 09/12/2021, vem a Representante da Fazenda Pública, nos termos do disposto no artigo 616.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), requerer a reforma quanto a custas, com os seguintes fundamentos: I. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: 1.º No dia 18.02.2016, o Recorrido intentou a presente ação de Impugnação Judicial contra o indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º 2547/2015, apresentado contra a autoliquidação de IRC n.º 2011 2510273297, referente ao exercício de 2010, com os fundamentos constantes da petição inicial.

  1. No dia 03.04.2021, foi proferida Sentença pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em cujo âmbito foi a presente ação impugnatória considerada parcialmente procedente, e tendo ainda sido decidido que «Com as custas arcam ambas partes, em proporção que fixamos em metade para cada uma delas, nas quais as condenamos, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 527º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, dispensando-as contudo do pagamento da taxa remanescente, por não se justificar, em função da simplicidade da causa e da linearidade da sua atuação, art. 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.

    ».

  2. Por ter ficado dispensada de pagamento prévio da taxa de justiça nos termos do artigo 15.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), a Recorrente procedeu ao pagamento de taxa de justiça no valor de € 1.468,80, em 20.04.2021, tendo, para o efeito, juntado o respetivo comprovativo de pagamento aos autos.

  3. Por discordar da referida Sentença, a Recorrente interpôs Recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo.

  4. Por Acórdão de 09.12.2021, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo decidiu «(…) negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente.».

  5. Perante o que antecede, a Recorrente discorda da condenação em custas tal como proferida no citado Acórdão, razão pela qual entende - conforme de seguida melhor demonstrará - que deve ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça em ambas as instâncias recursivas.

    1. SOBRE A CONDENAÇÃO DA RECORRENTE EM CUSTAS E SOBRE O SENTIDO NORMATIVO IMPLICITAMENTE CONFERIDO PELO ACÓRDÃO REFORMANDO AO N.º 7 DO ARTIGO 6.º DO RCP 7.º Estabelece o n.º 7 do artigo 6.º do RCP que «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000 [como sucede no presente caso], o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

  6. Neste contexto, porém, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo limitou-se a condenar a Recorrente em custas, não apreciando a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tal como conferida pelo transcrito n.º 7 do artigo 6.º do RCP.

  7. A condenação da Recorrente em custas - as quais incluirão, assim, na falta da sua dispensa, as correspondentes ao remanescente da taxa de justiça - encontra-se implicitamente sustentada na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que vem considerando que «[n]ão se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se o montante da taxa de justiça devida não se afigura desproporcionado em face do concreto serviço prestado, por a questão decidenda no recurso não se afigurar de complexidade inferior à comum e a conduta processual das partes se limitar ao que lhes é exigível e legalmente devido» (cfr. Acórdão de 05.02.2015, proc. n.º 0415/12).

  8. De resto, o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo também se pronunciou acerca do alcance do transcrito n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, sufragando, em síntese, que o referido mecanismo de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente não é aplicável nos casos em que a respetiva questão decidenda «não se afigurar de complexidade inferior à comum e a conduta processual das partes se limitar ao que lhes é exigível e legalmente devido» (cfr. Acórdão de 10.12.2014, proc. n.º 01374/13).

  9. Resulta dos referidos arestos, assim, que os Tribunais Superiores consideram a dispensa prevista no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais aplicável, somente, aos casos em que a questão decidenda assuma uma complexidade inferior à comum e, bem assim, em que a conduta das partes tenha ficado limitada ao que lhes seria legalmente devido e exigível.

  10. Por outras palavras, o sentido normativo perfilhado pelos Tribunais Superiores (e que foi implicitamente sufragado pelo Acórdão reformando ao não apreciar a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça no caso concreto da Recorrente) tem por efeito restringir o âmbito de aplicação do n.º 7 do artigo 6.º do RCP aos casos de manifesta simplicidade técnica (complexidade inferior à comum) e processual (tramitação limitada ao devido ou exigível).

  11. Quer isto dizer, em suma, que os processos comuns (no sentido em que apresentem uma complexidade e uma tramitação consentâneas com o padrão da normalidade) encontrar-se-ão sempre sujeitos ao pagamento de uma taxa de justiça apurada exclusivamente com base no valor da ação, sem possibilidade de dispensa do eventual remanescente na parte em que o valor da ação exceda o montante de € 275.000,00.

  12. Contudo, considera a Recorrente que um tal sentido normativo é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva consagrados nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, e 20.º da Constituição da República Portuguesa, conforme demonstrará de seguida.

    1. SOBRE A VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA 15.º Contextualizando sumariamente este ponto da análise, refira-se que, por ocasião da reforma do anterior Código das Custas judiciais, observou-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, que «(...) esta reforma, mais do que aperfeiçoar o sistema vigente, pretende instituir todo um novo sistema de conceção e funcionamento das custas processuais. Neste âmbito, elimina-se a atual distinção entre custas de processo e custas de interveniente processual, cuja utilidade era indecifrável, passando a haver apenas um conceito de taxa de justiça. A taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço. De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respetivos utilizadores. De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da ação. Constatou-se que o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.» (destacado da Recorrente).

  13. O legislador considerou, por outras palavras, que a quantificação proporcional e sem qualquer limite máximo do montante devido a título de custas judiciais (o qual variaria somente em função do valor da respetiva ação) era suscetível de prejudicar a correspetividade entre a taxa de justiça devida e o serviço prestado em contrapartida do seu pagamento (afetando, por esse motivo, a relação de proporcionalidade que deve necessariamente caraterizar o tipo tributário da taxa).

  14. Um tal entendimento resultou, por seu turno, da jurisprudência assente do Tribunal Constitucional neste domínio, no termos da qual se «julg[ou] inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta[va] dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º , n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor excede 49.879,79 €, é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa...

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