Acórdão nº 898/19.9T8PTL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e seu filho menor BB, representado por sua Mãe, instauraram uma acção contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. pedindo que a ré fosse condenada no pagamento do “capital seguro contratado, de 50 000,00 €” com CC, falecido num acidente de viação. Para o efeito, e em síntese, alegaram ser beneficiários do contrato de seguro e dever ser excluída do contrato a cláusula invocada pela ré para não proceder ao pagamento requerido – exclusão da cobertura de “qualquer acção ou omissão em que – coincidentemente – o segurado acuse taxa de alcoolemia superior a 0,5 g/litro” –, seja por não ter sido comunicada ao segurado, seja por se tratar de uma cláusula abusiva.

A ré contestou, sustentando, por entre o mais, que o acidente “ficou a dever-se ao facto de o infeliz CC conduzir sob o efeito do álcool”, ter a autópsia revelado uma taxa de 0,78 g por litro de sangue, ter sido comunicada e explicada a cláusula de exclusão e constar do boletim de adesão, assinado pelo segurado, a comunicação e a prestação de todos os esclarecimentos devidos, nomeadamente as cláusulas de exclusão da “garantia da apólice”.

A acção foi julgada improcedente pela sentença de fls. 66: “In casu, está em causa a comunicação para efeitos de eficácia ou validade do comportamento contratual; não está em causa a comunicação para efeitos de boa-fé ou licitude do mesmo comportamento.

No caso dos autos sabemos que a cláusula de exclusão existia, e apurou-se que foi comunicada, tanto mais que inclusive o segurado ainda quis incluir nas cláusulas do contrato a situação de condução de veículo em 2 rodas.

A tal acresce, a nosso ver, a circunstância de tal cláusula de exclusão aplicável a todas as coberturas (cláusula 5.1 b) não ser de afastar por a lei não admitir contratos de seguro que garantam responsabilidade contraordenacional, ou seja, incorre em responsabilidade contraordenacional a condução na via pública de veículo a motor, acusando uma TAS pelo menos superior a 0,5 g/l. (artigo 81º, do Código da Estrada).

Face a tudo isto, concluímos que não cabe à ré seguradora satisfazer a indemnização solicitada nos autos, porquanto falecem os pedidos formulados pelos AA na PI.”.

A sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação ... de fls. 102, que negou as alterações da decisão sobre a matéria de facto pretendidas pelos recorrentes e, quanto à solução de direito, entendeu que “No presente caso, relativamente à existência de nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia que apresentava o sinistrado (de 0,78g/l) e o desencadear do evento, nenhuma das partes, e em especial a ré, provou materialidade fáctica relevante para expressamente se poder reconhecer a existência de tal nexo. Ou seja, não se provaram factos que permitissem estabelecer que a morte foi causada pelo álcool encontrado na autópsia (por ter sido causa do acidente do qual sobreveio a morte).

Deste modo, conclui-se que a Ré não beneficia das exclusões por si invocadas relativamente ao risco morte, consignadas na apólice de seguro accionada pelos autores em causa nesta acção”.

  1. A ré interpôs recurso de revista. Nas alegações que apresentou, formulou as conclusões seguintes: «1º. – porque está provado que o falecimento de CC ocorreu na sequência de acidente de viação, que tinha ingerido ao jantar, bebidas alcoólicas, e apresentou, uma taxa de 0,78g/l (0,78 gramas por litro de sangue), com margem de erro correspondente a 0,10 gramas de álcool por litro de sangue, ou seja, uma taxa de álcool no sangue compreendida entre o intervalo de 0,68 g/l e 0,88g/l (gramas de álcool por litro de sangue) e ainda que no seu estômago existiam restos de comida de cor escura e cheiro intenso a vinho, 2º. – porque também está provado que o ora falecido efectuava manobra de ultrapassagem pela faixa esquerda, e quando retornava à faixa direita, perdeu o controlo do veículo, entrou em despiste pelo lado direito, embateu no talude, capotando até ficar imobilizado por cima das chapas de protecção lateral.

    1. - o facto de conduzir sob o efeito do álcool é causal do acidente por perder o controlo do veículo que o sinistrado e se despistar.

    2. – sendo a referida matéria dada como provada suficiente para estabelecer o nexo causal pois o facto de conduzir sob o efeito do álcool é causal do acidente por o sinistrado perder o controlo do veículo que conduzia e se despistar.

    3. - porque consta das condições gerais do seguro de vida em causa, e como exclusões aplicáveis a todas as coberturas, na cláusula 5.1 b) “acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acusa consumo de produtos tóxicos estupefacientes ou outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro”.

    4. – A redacção dessa cláusula, prevendo a exclusão da cobertura do seguro mediante “acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consumo de produtos tóxicos, estupefacientes ou outras drogas fora da prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas por litro” demonstra que a intenção das partes foi, através de acções ou omissões, definir o âmbito da exclusão da cobertura contratual por referência ao volume de alcoolemia legalmente consentido na lei portuguesa a quem conduzir veículos automóveis, independentemente da prova do nexo causal entre essa TAS e o acidente.

      1. – está assim afastada, no plano da liberdade contratual, a exigência do ónus de prova da necessidade da verificação de um nexo de causalidade entre a alcoolemia e a ação ou omissão que determinou a morte da pessoa segura 8ª. - Está, essencialmente, em causa a liberdade contratual das partes e, por esse motivo, poderão no mesmo fazer incluir as cláusulas que lhes aprouver, nomeadamente da limitação do risco assumido pela seguradora.

      2. - E a cláusula de exclusão não exige a prova do nexo de causalidade entre o acidente mortal e o consumo de álcool, bastando que estes dois factos estejam associados em termos de coincidência temporal, o que se demonstrou, e não que o acidente tenha a sua causa naturalística, ou em termos de adequação ou de probabilidade, para o efeito do art. 563.º do CC, no consumo de álcool, o que também vem demonstrado.

      3. – sendo, aliás, também essa a situação que na revisão do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel instituído pelo DL 291/07, se consagrou.» Os autores contra-alegaram, sustentando a manutenção da decisão recorrida. Concluíram desta forma a alegação: I.

      A recorrente funda a sua revista em dois motivos: (i) entende que a Relação ... interpretou erradamente a matéria provada e aplicou deficientemente o direito e que (ii) não é aceitável o entendimento sufragado no aresto recorrido pelo qual cabe à seguradora a prova de que o sinistro resultou do consumo excessivo de álcool a fim de justificar a aplicação da cláusula excludente da cobertura.

      II.

      No modesto entender dos respondentes, ambos os fundamentos deverão improceder, já que, quanto ao primeiro, a questão da (ausência de) prova do nexo de causalidade entre o...

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