Acórdão nº 235/22 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 235/2022

Processo n.º 201/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. veio apresentar reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante designada por LTC), do despacho proferido por aquele Tribunal que, em 27 de janeiro de 2022, não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

No processo a quo, o aqui reclamante interpôs, em 23 de setembro de 2021, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, ao qual foi negado provimento, nos termos do acórdão de 11 de janeiro de 2022, confirmando-se integralmente a decisão recorrida, que havia determinado a condenação do arguido numa pena de dois anos de prisão, suspensa na respetiva execução pelo período de quatro anos – condicionada ao pagamento, nesse período, da prestação tributária de € 53.201,34 (cinquenta e três mil, duzentos e um euros e trinta e quatro cêntimos)– pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, alínea c) e 104.º, n.os 1 e 2, alínea a), da Lei n.º 15/2001, de 15 de junho (Regime Geral das Infrações Tributárias, doravante RGIT).

2. Inconformado com este posicionamento, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, «nos termos do art.º 75º-A e art.º 70º, nº1, al. b), da Lei 28/82, de 15 de novembro», delimitando o respetivo objeto nos seguintes termos:

«O Recurso terá como fundamento a inconstitucionalidade material:

a) Do conteúdo normativo decorrente dos artigos 120° a 122.°, 311º, n° 2, e 283°, n° 3, todos do Código de Processo Penal, que admite a sanação da nulidade da acusação, permitindo ao Tribunal suprir a omissão de indicação, na Acusação, das normas violadas, por violação da estrutura acusatória do processo penal, constitucionalmente reconhecida no artigo 32°, n° 5 da Constituição da República Portuguesa;

b) Do conteúdo normativo da al. d) do art.71° n°2, conjugado com as normas contidas no art.º 40, bem como, do art.º 51°, n° 2, todos do Código Penal, admitindo a imposição de pagamento de uma quantia correspondente a 53.000,00€ como condição de suspensão da execução da pena de prisão, por violação do princípio da proporcionalidade, das garantias de defesa do arguido, e do direito ao recurso, fazendo uma interpretação daquelas normas, violadora dos artigos 18° n.° 2, 32°, n° 1 e 2, e 205°, todos da Constituição da República Portuguesa.»

3. Por despacho datado de 27 de janeiro de 2022, o Tribunal da Relação indeferiu o recurso para o Tribunal Constitucional, explicitando que (fls. 90 e ss.):

«2. Constata-se que o recorrente omite, nas duas questões, a devida especificação dos elementos dos critérios ou padrões normativos que entende contidos nas duas conjugações de preceitos que enuncia, como obriga o n.° 1 do artigo 75.°-A da LTC, limitando-se a remeter genericamente para um "conteúdo normativo", cujo sentido não precisa, nem problematiza no requerimento, tendo necessariamente como referência a decisão proferida por esta relação.

Essa deficiência formal do requerimento de interposição de recurso poderia fundar a mobilização do convite ao aperfeiçoamento previsto no n.° 5 do artigo 75.°-A da LTC, desde que assegurada a legitimidade do recorrente, por devidamente suscitada na motivação de recurso questão normativa de inconstitucionalidade.

Sucede, porém, que um tal convite sempre se mostraria desprovido de efeito útil, uma vez que persiste, com clareza, um outro fundamento de inadmissibilidade do recurso, esse insanável.

3. Como decorre da jurisprudência constitucional (por exemplo, cfr. Acórdão n.° 565/2021), a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade depende da sua utilidade, impondo-se verificar a presença da necessária de relação de identidade entre o objeto material conferido à impugnação jurídico-constitucional pelo recorrente e o efetivo critério ou padrão normativo de decisão em que se funda o julgado - a sua ratio decidendi sem o que fica arredada a instrumentalidade a que se encontra adstrita a fiscalização concreta da constitucionalidade: a possibilidade de conduzir à reformulação da decisão recorrida (artigo 80.°, n.° 2, da LTC).

(…)

3.1. Ora , no aresto impugnado, foi decidido que não existe qualquer omissão de indicação na acusação das normas violadas, mostrando-se inteiramente cumprido o comando do n.° 3 do artigo 282.° do CPP, como avulta do seu ponto 10, considerando logicamente prejudicada a operação seguinte, a saber, a determinação da consequência jurídica, no plano das invalidades processuais, decorrente da (pretérita) falta de indicação das normas violadas.

O que significa que o primeiro questionamento, independentemente da sua imprecisão, comporta, como elemento, o entendimento oposto ao assumido por este Tribunal, ou seja, que, contrariamente ao julgado, existe deficiência formal da acusação, por faltar a indicação das normas violadas. E, também, num exercício de ficção, que se coonestou leitura do ordenamento processual penal vigente, tendo como fonte os preceitos indicados, no sentido de que pode o juiz, ele próprio, substituindo-se ao acusador, «suprir a omissão de indicação, na Acusação, das normas violadas», quando tal manifestamente não sucedeu.

Cabe ainda recordar que, como repetidamente afirmado pela jurisprudência constitucional, a própria decisão proferida por esta Relação, na vertente da escolha, interpretação e aplicação do direito ordinário ao caso concreto, não é sindicável pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade: o contencioso...

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