Acórdão nº 182/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução17 de Março de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 182/2022

Processo n.º 1245/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são recorrentes A., Lda. e B. e recorridos o Ministério Público, Município de Vila Nova de Gaia e C. Lda., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»): (i) do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 2 de julho de 2021, que negou provimento ao recurso interposto do despacho proferido em primeira instância, que considerou extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça formulado pelas recorrentes; (ii) do Acórdão prolatado pela Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, em 9 de setembro de 2021, que não admitiu a revista excecional interposta pelas recorrentes; e (iii) do acórdão proferido pela mesma formação, em 21 de outubro de 2021, que desatendeu a nulidade imputada pelas recorrentes ao acórdão precedentemente proferido.

2. Através da Decisão Sumária n.º 53/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«3. Conforme relatado supra, o recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos incide sobre: (i) o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 2 de julho de 2021, que negou provimento ao recurso interposto da decisão de primeira instância, datada de 12 de abril de 2021, que, entre o mais, considerou extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça formulado pelas recorrentes; (ii) o acórdão prolatado pela Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, em 9 de setembro de 2021, que não admitiu a revista excecional interposta pelas recorrentes; (iii) o acórdão proferido pela mesma formação, em 21 de outubro de 2021, que indeferiu a nulidade imputada pelas recorrentes ao acórdão anterior.

Segundo resulta do requerimento de interposição do recurso, as recorrentes pretendem ver apreciada a conformidade constitucional: (i) «do artigo 6, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação em vigor, interpretado no sentido de que, independentemente das circunstâncias e ocorrências processuais do caso concreto, o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas sob pena de preclusão desse direito», assim aplicado nos primeiro e segundo acórdãos recorridos; (ii) «dos artigos 528.º, n.º 1 e 530.º, n.º 1 e 4, ambos do Código de Processo Civil, na redação vigente, interpretados no sentido de são devidas taxas de justiça pelo autor e pelo interveniente principal, em separado e por inteiro, quando a intervenção principal provocada deste visou apenas garantir o litisconsórcio necessário ativo e o mesmo, em articulado próprio, aderiu à petição inicial (suprindo a ilegitimidade ativa), daí em diante deixando de ter qualquer atuação autónoma, em todas as instâncias, não tendo deduzido qualquer pedido ou impulsionado isoladamente qualquer específica atividade judicial», assim aplicados no primeiro acórdão recorrido; e (iii) «do artigo 150.º, n.º 1 e 6 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação em vigor, quando interpretado no sentido de que a pronúncia e fundamentação sumária da decisão colegial da formação relativa à admissão de revista excecional se basta com a mera invocação abstrata do adjetivo "plausível" reportada à tese do acórdão recorrido», assim aplicado nos segundo e terceiro acórdãos recorridos.

4. O recurso interposto nos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Conforme reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional (cf. Acórdãos n.º 466/2016 e 469/2016).

Relativamente às interpretações indicadas em (ii) e (ii), o objeto do recurso não reveste carácter normativo.

Para além de exprimirem as incidências do litígio sub judice em termos incompatíveis com as características de generalidade e abstração próprias dos enunciados normativos, ambas as interpretações impugnadas relevam exclusivamente da crítica de que as recorrentes consideram merecedores os juízos formulados pelas instâncias, no primeiro caso por se ter decidido serem devidas taxas de justiça autónomas e na totalidade pelo autor e pelo interveniente principal nas particulares circunstâncias do caso concreto — isto é, «quando a intervenção principal provocada deste visou apenas garantir o litisconsórcio necessário ativo e o mesmo, em articulado próprio, aderiu à petição inicial (suprindo a ilegitimidade ativa), daí em diante deixando de ter qualquer atuação autónoma, em todas as instâncias, não tendo deduzido qualquer pedido ou impulsionado isoladamente qualquer específica atividade judicial» — e, no segundo, pela circunstância de a fundamentação utilizada para caracterizar a tese seguida no acórdão objeto da revista excecional se ter quedado pela «invocação abstrata do adjetivo “plausível”».

Por força do carácter estritamente normativo do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, a correção e o acerto das soluções de direito infraconstitucional alcançadas pelas instâncias não são, todavia, sindicáveis por este Tribunal, mesmo que para o efeito questionadas na perspetiva da sua conformidade a normas ou princípios constitucionais.

Quanto às interpretações referidas em (ii) e (iii), o recurso interposto nos presentes autos recai, assim, sobre objeto manifestamente inidóneo, o que obsta à respetiva admissibilidade.

5. Relativamente à interpretação reproduzida em (i).

A admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC pressupõe que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

Trata-se de um pressuposto que decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (cf. Acórdão n.º 169/1992), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente, isto é, ao modo como o comando destes extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio. Por essa razão, quando seja requerida a apreciação da constitucionalidade de uma norma segundo uma certa interpretação, esta deverá coincidir, em termos efetivos e estreitos, com o fundamento jurídico do julgado.

As recorrentes imputam ao acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, de 2 de julho de 2021, bem como o acórdão prolatado pela Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de setembro de 2021, que não admitiu a revista excecional interposta daquele aresto, a aplicação do «artigo 6, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação em vigor, interpretado no sentido de que, independentemente das circunstâncias e ocorrências processuais do caso concreto, o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas sob pena de preclusão desse direito».

Mas sem razão.

No acórdão de 2 de julho de 2021, o Tribunal Central Administrativo Norte aplicou o artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais («RCP»), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação em vigor, interpretado no sentido de que o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas sob pena de preclusão desse direito; não o aplicou no sentido em que tal consequência opera «independentemente das circunstâncias e ocorrências processuais do caso concreto».

Senão vejamos.

Na apelação, as recorrentes alegaram que: (i) o Tribunal de primeira instância, no despacho com que indeferira o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça formulado por um dos réus, considerara que o valor da causa havia sido fixado em € 431.664,01, e não em € 1.135.248, como efetivamente sucedera no despacho saneador; (ii) assim «induzidas em erro» e «não se recordando desse anterior despacho», as recorrentes «conformaram-se com a respetiva tributação», tendo sido «apenas aquando da elaboração da conta elaborada pela secretaria que compreenderam que estavam em erro», considerado «o valor da ação fixado em sede de despacho saneador» e o distinto «impacto tributário» daí decorrente (Conclusões L., M. e N.).

Ora, estas «circunstâncias e ocorrências processuais do caso concreto» foram analisadas pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que — bem ou mal, não revela aqui — não viu nelas fundamento suficiente para...

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