Acórdão nº 4/21.0PTCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução17 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

A SENTENÇA RECORRIDA No processo abreviado n.º 4/21.0PTCBR do Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 3 -, por sentença ditada para a acta de 8 de Novembo de 2021, foi decidido: · Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de CONDUÇÃO DE VEÍCULO SOB INFLUÊNCIA DE ESTUPEFACIENTES, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade em instituição a designar pela DGRSP, em moldes e termos a definir pela mesma, acrescendo ainda a sua condenação na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 7 meses [nos termos do artigo 69º, n.º 1, alínea a) do CP].

2.

O RECURSO Inconformado, o arguido AA recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): I.

Emerge o presente recurso da sentença, douta aliás, que condenou o arguido pela prática de um crime de condução sob influência de estupefacientes, p . e p. pelo artigo 292.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade em instituição a designar pela Direção Geral de Reinserção Social, em moldes e termos a definir pela mesma e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 7 (sete) meses, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

II.

Entende o arguido que a mesma peca por errada apreciação dos elementos dos autos e, consequentemente, errada interpretação e aplicação do princípio da legalidade previsto nos artigos 8.º, n.º 4 e 29.º, n. º3, ambos da CRP, do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, n.º 1 da CRP e do artigo 292.º, n.º 2 do Código Penal.

III.

A Meritíssima Juiz a quo assentou a sua decisão na seguinte factualidade dada como provada (a mesma que a constante do libelo acusatório): «No dia 2 de Outubro de 2020, pelas 09h50, na A...

(…), (…), em (…), o arguido conduzia o motociclo de marca ..., com matrícula (…), após ter consumido canábis e sob a influência do referido estupefaciente, tendo sido interveniente em acidente de viação que consistiu em despiste.

Na sequência do acidente de viação, o arguido foi transportado ao Centro Hospitalar e ..., onde lhe foi recolhida amostra de sangue para análise laboratorial.

Do exame laboratorial referido resultou que o arguido apresentava no sangue a presença de 3,4+/-1,2 ng/ml de 11-nor-9-carboxi-delta-9-tetrahidrocanabinol (THC-COOH) e de 1,7+/-0,6 ng/ml de delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), confirmando-se a existência de canabinóides no sangue por LC/MC e ainda a presença de 60+/-18 ng/ml de morfina, acusando positivo para opiáceos.

A presença de morfina e positividade de opiáceos poderá dever-se a administração de substâncias durante a assistência pré-hospitalar e hospitalar.

O arguido, antes de conduzir, havia consumido canábis que lhe provocou a alteração da visão e percepção e diminuição da coordenação motora e reflexos, tendo, mesmo assim, decidido conduzir o aludido veículo e sofrido acidente de viação.

O arguido tinha conhecimento dos princípios activos, das características químicas, natureza e efeitos das substâncias que consumiu e que o respetivo consumo colocava em causa a segurança no exercício da condução e, não obstante, decidiu conduzir.

O arguido actuou de forma livre e voluntária, bem sabendo que se encontrava sob a influência de produtos estupefacientes e que, nessas condições, lhe estava vedada a condução de veículo a motor na via pública, não se coibindo de o fazer, o que representou.

Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei».

IV.

Com o devido respeito, resulta evidente que o libelo acusatório é omisso quanto ao facto de o arguido estar ou não em condições de conduzir o veículo em segurança.

V.

Por conseguinte, o mesmo sucede quanto à factualidade dada como provada na douta sentença recorrida.

VI.

A doutasentençarecorrida éomissa quantoà “clausula geral penal” de oarguido “não estar em condições de conduzir o veículo com segurança”.

VII.

Não obstante, resultar provado o consumo de estupefacientes, não se demonstra o nexo de causalidade entre o consumo da substância estupefaciente e o acidente de viação ocorrido que consistiu num despiste.

VIII.

Dispõe o artigo 292.º do Código Penal (sob a epigrafe “Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”) que: “1 – Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 – Na mesma pena incorre quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica.” IX.

São elementos integradores do crime imputado ao arguido: a) a condução de veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada; b) que o condutor se encontre sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica; c) que devido à influência de tais estupefacientes, substâncias ou produtos, o condutor não esteja em condições de fazer com segurança tal condução; e d) que o agente tenha atuado pelo menos com negligência.

X.

Uma análise crítica da factualidade apurada, dada como provada, permite concluir que não resultou demonstrado que devido à influência de tais estupefacientes, substâncias ou produtos, o arguido não estivesse em condições de fazer com segurança tal condução.

XI.

Pelo que, não estão verificados todos os requisitos objetivos do tipo legal de crime imputado ao arguido, impondo-se a sua absolvição.

XII.

Cite-se a este respeito, o Tribunal da Relação de Coimbra, que no âmbito do processo n.º 1017/08.2TAAVR.C2, em 6 de abril de 2011, decidiu o seguinte: “(…) Que o arguido não estava “em condições de o fazer em segurança”, o exercício da condução, tem de ser facto apurado e, por conseguinte, constar da matéria de facto da acusação.

Assim, também entendemos que a presença de produto psicotrópico no corpo do condutor, a mesma tem de ser “perturbadora da aptidão física, mental ou psicológica” para a condução. Não se apurando tal facto, apenas fica demonstrado que o arguido se encontra sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, o que não preenche o tipo de crime do artigo 292 n.º 2 do CP, mas preenche os elementos da contraordenação prevista no artigo 81 do C.

Estrada, porque, para tal, basta conduzir sob a influência de produtos psicotrópicos, “É proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas”.

(…) O art.

292 n.º 2 do CP não prevê o típico crime de perigo comum.

Não basta a presença de substância psicotrópica no corpo, é necessário que a mesma influencie e torne ocondutor incapaz de conduzircom segurança (aqui independente do resultado danoso que possa haver).

Diferente é a previsão do n.º 1, em que basta a taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, independentemente da influência que essa taxa de álcool exerça no condutor, ou mesmo que não afecte as condições de condução com segurança”.

XIII.

Face ao quadro probatório supra exposto, pugnao arguido pelasua absolvição, por considerar que a sua conduta não preenche objetivamente o tipo legal de condução sob influência de estupefacientes, p.

e p.

pelo artigo 292.º, n.º 2 do Código Penal.

Nestes termos e nos mais de direito que V.

Exªs doutamente suprirão, deverá proceder o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida».

  1. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o recurso não merece provimento, defendendo o sentenciado em 1ª instância.

  2. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se neles, de forma assaz desenvolvida, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.

  3. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113].

    Assim, é seguro que este tribunal está balizado pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso.

    Também o é que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar - se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo...

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