Acórdão nº 42/18.0GTVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA COIMBRA
Data da Resolução07 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães; I.

No processo comum com intervenção singular que, com o nº42/18.0GTVCT, corre termos pelo juízo de competência genérica de Caminha foi decidido, além do mais, condenar a arguida M. L. como autora material de um crime de condução em estado de embriaguez, p.p. artigo 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5€ e, bem assim, na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses.

*Inconformada com a condenação, recorreu a arguida para este tribunal concluindo o seu recurso do seguinte modo (transcrição): 1 – Não pode a Recorrente conformar-se, com a, aliás douta decisão do Tribunal “a quo”.

2 – A Recorrente foi interveniente em acidente de viação, do qual resultou uma vítima mortal.

3 – A Recorrente foi submetida ao teste de álcool no sangue, através de recolha de amostra sanguínea, sem ter sido submetida ao teste de ar expirado.

4 – O exame de sangue é a via excecional para a recolha da prova obtida na lei para tal efeito, apenas admissível em casos expressamente tipificados, nomeadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível, como se consagra nos artigos 153º, n.º 8 e 156º, n.º 2 do Código da Estrada.

5 - Resulta do art. 156º do Código da Estrada que em caso de acidente de viação, como é o caso dos autos, a pesquisa deve fazer-se, em primeiro lugar, mediante exame de pesquisa de álcool no ar expirado.

6 - Pelo que, os condutores ou peões intervenientes em acidente de viação só deverão ser submetidos a colheita de sangue se o seu estado de saúde não lhes permitir ser submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado.

7 - Ao contrário do que possa julgar-se, não basta que o condutor já esteja na maca dos bombeiros ou que tenha de ser conduzido ao estabelecimento de saúde ou que já se encontre no estabelecimento de saúde para que se torne legítima e válida a colheita de sangue.

8 - Pelo que, tem de apurar-se se o estado de saúde da condutora lhe permitia ou não ser submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado.

9 – Certo é que, do depoimento prestado pelos senhores militares nos presentes autos, resultou claro que, o referido teste por recolha de amostra sanguínea foi efetuado, por entenderem ser este o procedimento normal, dado que existia uma vítima mortal.

10 – A convicção do tribunal teve por base na apreciação crítica quanto a estes factos os referidos depoimentos dos senhores militares, os quais ao afirmarem que a realização do referido teste por recolha de amostra sanguínea era o procedimento adequado.

11 – De acrescentar que, os senhores militares não apontaram razões relacionadas com o estado de saúde da Recorrente para a não realização do teste de ar expirado.

12 - Uma vez que, a determinação da taxa de álcool nos presentes autos não foi obtida de acordo com o circunstancialismo do n.º 2 do art. 156º do Código da Estrada, não pode o mesmo ser valorado.

13 – Nesse sentido, Ac. Rel. Coimbra, de 19-10-2010, Proc. N.º 178/09.8GCAGD-C1, rel. Pilar Oliveira, “estamos no domínio da legalidade da prova e a falta de cumprimento dos trâmites legais não é susceptível de sanação, o que significa que a falta de documentação da legalidade não pode corresponder à legalidade do meio de prova, sendo sempre necessário que o processo documente essa legalidade”.

14 - Violou, assim, o Tribunal “a quo” normas legais relativas à validade dos meios de prova para a deteção do estado de influência do álcool, ao fundamentar a decisão de facto no resultado da perícia do teor de álcool realizada com base em amostra de sangue, sem que se encontrem verificadas as excecionalidades que podiam determinar a realização de tal perícia.

15 – Inválida que se mostra a perícia efetuada à amostra de sangue recolhida à Recorrente, não podia com base nela fundamentar-se e, consequentemente, dar-se como provada a TAS que a mesma apresentava nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos.

16 - Em caso de acidente de viação sempre que o estado de saúde o permita deve ser realizada a prova de pesquisa de álcool no sangue, por ar expirado e só na sua impossibilidade é que se realiza de imediato a colheita sanguínea.

17 – No caso dos autos, ficou determinantemente provado que a recolha sanguínea não foi efetuada como regime exceção, mas sim, como sendo um procedimento normal em acidente de viação do qual resultou a morte de um dos ocupantes.

18 - Pelo que, sendo a prova inválida, não podia a Recorrente ser condenada pelo crime de condução sob o efeito do álcool, mas sim absolvida.

19. Violou-se, destarte, o circunstancialismo previsto no art. 156º do CEstrada e do art. 158º também ele do CEstrada.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento V/Excias, requer-se seja revogada a, aliás douta, decisão em apreço, e substituída por outra que absolva a arguida/recorrrente, com a qual se fará a sempre sã, JUSTIÇA!*Recebido o recurso, a ele não respondeu o Ministério Público em primeira instância.

*Remetidos os autos a este tribunal, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que deverá o recurso ser julgado improcedente.

*Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP (doravante CPP).

*Após os vistos, foram os autos à conferência.

II.

Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que é pelas conclusões que se define e delimita o âmbito da apreciação a fazer - sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - e que, analisando a síntese conclusiva, se constata que a única questão a apreciar é a de saber se a circunstância de a recorrente ter sido submetida a teste de deteção de álcool por análise sanguínea, sem ter sido previamente submetida a teste por ar expirado, impede a valoração do resultado obtido por ter de ser considerada inválida a prova que determinou a condenação da arguida.

É a seguinte a matéria de facto fixada na sentença recorrida e respetiva fundamentação (transcrição): 1 - No dia - de Julho de 2018, cerca das 17.00 horas, a arguida circulava na variante de acesso A281EN 13, na freguesia de ..., concelho de Caminha, pela via de trânsito da direita, no sentido Caminha - Vila Nova de Cerveira, ao volante do veículo ligeiro de passageiros de matrícula BA, imprimindo-lhe uma velocidade não concretamente apurada mas superior a 80 Km/h e sendo portadora de uma TAS de 1,98 grl.; 2 - No mesmo veículo seguia A. F. no lugar do passageiro e A. L. no banco traseiro, do lado direito; 3 - Ao Km 3,000, em ..., ao descrever a curva ligeira à direita com vários metros e sentido ascendente, a arguida, fruto da velocidade a que seguia e da TAS de que era portadora, entrou em despiste para a berma (direita) e de seguida guinou para a esquerda, invadindo a via de trânsito da esquerda (atento o seu sentido de marcha), derrapou numa extensão de 45,70 metros e foi colidir com a lateral esquerda posterior nas barras de cimento do lado esquerdo, percorrendo uma extensão de 6 metros; 4 - De seguida, o veículo continuou a derrapar pela berma esquerda, na diagonal, percorrendo uma extensão de 12 metros, e entrou em capotamento transversal, numa extensão de 40 metros, acabando por ficar imobilizado na diagonal, com a frente direccionada para sul, sensivelmente a 98 metros de distância do ponto onde se iniciou o despiste; 5 - Durante o capotamento transversal do veículo, A. F. foi projectado para o exterior, ficando prostrado no pavimento, a cerca de 27 metros do início do capotamento; 6 - Em consequência do embate, A. F. sofreu as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas melhor descritas no relatório de autópsia e que foram causa directa e necessária da sua morte; 7 - No local do despiste, a via configura uma ligeira curva à direita, com uma inclinação ascendente, constituída por três faixas de rodagem, uma à direita (atento o sentido de marcha da arguida) e duas à esquerda (para o sentido de trânsito oposto), que se acham delimitadas por um ilhéu separador existente no eixo da faixa de rodagem; 8 - A largura da faixa de rodagem da direita é de 2,13 metros, o piso é pavimentado a macadame betuminoso e encontra-se em bom estado de conservação; 9 - Na ocasião aludida em 1, as condições atmosféricas eram boas, o piso encontrava-se seco e o trânsito não era intenso; 10 - A velocidade máxima permitida no local é de 80 KmIh, limitação assinalada através do sinal “C13”; 11 - A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que antes de iniciar a condução ingerira quantidade não determinada de bebidas alcoólicas que, como ela sabia, lhe podiam determinar, como determinaram, uma T.AS. igual ou superior a 1,20 g/l, sabendo igualmente que a condução do veículo nas referidas circunstâncias era proibida e punida por lei penal; 12 - A arguida não procedeu com o cuidado devido e que lhe era exigível, pois circulava a uma velocidade superior a 80 Km/h., sendo portadora de uma TAS de 1,98 g/l, distraída e sem prestar atenção à via por onde transitava e à sinalização existente, pelo que deixou de ter o controlo sobre o veículo que, assim, perdeu a trajectória anterior e entrou em despiste da forma descrita, sem que a arguida tenha logrado imobilizar a viatura atempadamente, por forma a evitar o seu capotamento; 13 - O sinistro apenas ocorreram em virtude da arguida não colocar na condução a atenção e as faculdades necessárias, como devia e podia, nomeadamente por não se ter abstido de exceder desproporcionadamente a ingestão de bebidas alcoólicas e bem assim de conduzir a velocidade que ultrapassava largamente o limite máximo admissível no local; 14 - Ao proceder de tal modo, sabendo que a ingestão de álcool e a velocidade imprimida durante a descrição de uma curva com declive ascendente que bem conhecia poderiam tornar iminente um acidente e, pese embora tal representação, incrementou o perigo para além do que lhe era permitido; 15 - Ao agir da forma descrita, a...

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