Acórdão nº 57/21.0GAMCD-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução07 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães (Secção Penal) I. RELATÓRIO No processo de inquérito nº 57/21.0GAMCD, da Procuradoria do Juízo de Competência Genérica de Macedo Cavaleiros, da comarca de Bragança, em que se investigam factos suscetíveis de integrarem a prática, por pessoa(s) ainda não determinada(s), de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, o Exmo. Senhor Juiz de Instrução não autorizou a obtenção dos dados de tráfego/localização celular requeridos pelo Ministério Público, por despacho datado de 21 de janeiro de 2022 (ref.ª citius 23964475), com o seguinte teor: «Nos presentes autos de inquérito, em que se investiga, por um ainda indeterminado número de pessoas, a prática de factos suscetíveis de integrar a prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, alegadamente ocorridos entre os dias 05 e 06/04/2021, no Lugar ..., ..., em ..., veio o Ministério Público requerer a obtenção, junto das operadoras de telecomunicações, da faturação detalhada “online” referente às comunicações “recebidas e efetuadas” (registo trace-back), e localizações celulares relativas às comunicações estabelecidas a partir dos locais (eventos de rede) que, no período indicado, utilizaram as antenas telefónicas elencadas nos autos e assim obter dados que levem à identificação do(s) autor(es) do ilícito.

Cumprindo apreciar e decidir, sempre salvo o devido respeito, desde já se anuncia que não poderemos autorizar a obtenção de tais dados.

Com efeito, dispõe o artigo 187.º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Penal, que a interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público quanto a crimes puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.

Por outro lado, decorre do n.º 4, alínea a) da mesma norma legal que a interceção e a gravação previstas nos números anteriores podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra suspeito ou arguido (ou seja, pode o telemóvel não pertencer ao visado).

E estatui o n.º2 do artigo 189.º do Código de Processo Penal que “a obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo.” Em termos similares, também prescreve o artigo 3.º, n.º2 da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, que: “A transmissão dos dados às autoridades competentes só pode ser ordenada ou autorizada por despacho fundamentado do juiz, nos termos do artigo 9.º”.

Logo prevendo o artigo 9.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo diploma que: “A transmissão dos dados referentes às categorias previstas no artigo 4.º só pode ser autorizada, por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, deteção e repressão de crimes graves” relativamente a “suspeito ou arguido”.

No caso, é preciso notar que não se pretende a obtenção de dados de tráfego em tempo real, mas sim de dados referentes a comunicações ou ativações ocorridas no passado, mais concretamente entre os dias 05 e 06/04/2021.

Assim, o regime a aplicar é o da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, que é mais restritivo quanto aos crimes de catálogo do que o Código de Processo Penal (artigo 187.º, n.º1)1, sendo necessário averiguar se o crime de furto qualificado é um “crime grave”, conforme exige o citado artigo 9.º, n.º1 daquela Lei.

Crimes graves, segundo o artigo 2.º, n.º1 alínea g) da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, são “crimes de terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade altamente organizada, sequestro, rapto e tomada de reféns, crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, contra a...

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