Acórdão nº 7447/08.2TDLSB.L1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCID GERALDO
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 7447/08.2TDLSB.L1.S1-A Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência I. Relatório 1.AA, inconformado com o acórdão proferido em …/…/2021 pelo Supremo Tribunal de Justiça, tirado no âmbito do processo Proc. 7447/08…………., interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando verificar-se oposição de acórdãos, no domínio da mesma legislação, relativamente à mesma questão de direito, indicando como acórdão recorrido o citado acórdão proferido em 20/01/2021 pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo Proc. 7447/08…………, e como acórdão fundamento, o acórdão proferido em 24 de Setembro de 2015 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5 * 2. No recurso apresentado, extrai as seguintes conclusões: “i. Este recurso tem como objecto a seguinte questão: saber se é admissível em processo penal recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisão proferida pelo Tribunal da Relação quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi art. 4.º do CPP).

ii. O acórdão recorrido é o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de …/…/2021, tirado no âmbito do presente processo e já transitado em julgado, no qual o Tribunal a quo se pronunciou expressamente sobre aquela questão.

iii. O acórdão recorrido decidiu, em suma, que não basta constatar a inexistência, no Código de Processo Penal, de uma norma de teor idêntico ao contido no art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC para, de imediato, se concluir pela existência de uma lacuna, a preencher por recurso à norma contida no art. 4.º do CPP.

Assim concluindo que não é aplicável em recurso de matéria penal a norma contida no art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, porquanto não existe, a esse propósito, qualquer lacuna no regime de recursos previsto no CPP, a exigir a intervenção subsidiária daquela norma (pág. 93 a 98 do acórdão).

iv. O acórdão-fundamento é o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5 sendo relator o Conselheiro Dr. Francisco Caetano.

v. Tal aresto debruçou-se expressamente sobre o mesmíssimo problema versado no acórdão recorrido, tendo decidido, porém, em sentido diametralmente oposto, isto é: que nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, por força do art. 4.º do CPP, é admissível recurso para o STJ com fundamento em o acórdão da Relação ofender o caso julgado.

vi. O confronto entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento revela inequivocamente existir uma oposição de julgados que justifica e fundamenta a interposição de um recurso para fixação de jurisprudência ao abrigo do n.º 2 do art. 437.º do Código de Processo Penal, dado que – usando as palavras de SIMAS SANTOS / LEAL-HENRIQUES, cit. , p. 188 – “chegaram a soluções antagónicas sobre a mesma questão fundamental de direito”.

vii. Houve, claramente, um “julgamento contraditório explícito da mesma questão”, que é uma questão de direito por excelência e verifica-se a “inalterabilidade da legislação no período compreendido entre a prolação de ambos os acórdãos conflituantes – cf. SIMAS SANTOS / LEAL-HENRIQUES, cit., p. 190 e s.

viii. A regra de direito aplicada é, na verdade, a mesma num caso e no outro: a alínea a) do número 2 do artigo 629.º do Código Processo Civil, por força do disposto no art. 4.º do Código Processo Penal.

ix. Perante a oposição de julgados assinalada entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento, o Recorrente consigna que, na sua perspectiva, impõe-se que seja fixada a seguinte jurisprudência: deverá ser sempre admitido, em processo penal, recurso da decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi art. 4.º do CPP).

Termos em que se requer a V. Exas. se dignem admitir o presente recurso para fixação de jurisprudência, interposto ao abrigo do art. 437.º-2 do Código de Processo Penal, e tomar posição uniformizadora sobre a questão de saber se é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em matéria penal com fundamento em o acórdão da Relação ofender o caso julgado.

Mais se requer, desde já, seja fixada a seguinte jurisprudência: deverá ser sempre admitido, em processo penal, recurso da decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi art. 4.º do CPP).

Para instrução do presente recurso, requer-se seja extraída certidão, com indicação da data em que transitou em julgado, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de ….. de ……. de 2015.

” * 3. O Senhor Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal respondeu ao recurso, alegando, em suma: “2. Pressupostos formais e legitimidade A admissão de recurso extraordinário de fixação jurisprudência, tal como vem configurado nos art.ºs 437º a 445º do CPP, depende da reunião de vários pressupostos, a saber: – A legitimidade e interesse em agir do recorrente; – Os acórdãos em conflito terem sido proferidos por Tribunais Superiores, ambos do Supremo Tribunal de Justiça, ambos de Tribunal da Relação, ou um – o acórdão recorrido – de Relação, mas de que não seja admissível recurso ordinário, e o outro – o acórdão-fundamento – do STJ – art.º 437º nºs 1 e 2 do CPP.

– O trânsito em julgado dos dois acórdãos – art.ºs 437º n.º 4 e 438º n.º 1 do CPP.

– A interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido) – art.º 438º n.º 1 do CPP.

– A identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão-fundamento) – art.º 438º n.º 2 do CPP.

– A indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão-fundamento – art.º 438º n.º 2 do CPP.

– A indicação de apenas um acórdão-fundamento – artºs 437º nºs 1, 2 e 3 e 438º n.º 2 do CPP.

2.1. Legitimidade A legitimidade para interpor recurso de fixação de jurisprudência é matéria tratada no n° 5 do art.º 437°, no qual se estabelece que: «O recurso previsto nos n°s 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público». Apenas estes sujeitos processuais têm legitimidade para interpor o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

No caso vertente o recorrente teve, no processo em que foi proferido o acórdão recorrido, a qualidade de arguido, pelo que se mostra preenchido este pressuposto.

2.2. Conforme consta de fls. 19, o acórdão recorrido foi notificado ao magistrado do Ministério Público, por via electrónica, em 20-1-2021 e, na mesma data e pela mesma via, aos sujeitos processuais; presumindo-se, assim, que tal notificação foi efectuada no dia 25 de Janeiro de 2021.

Essa decisão não admitia recurso, nos termos do art.º 432.º n.º 1, alínea b) do CPP, apenas podendo ser-lhe contraposta nulidade ou dela ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional, no prazo de 10 dias (artigos 105.º n.º 1 do CPP e 75.º n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional).

No caso vertente o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, que o não admitiu por decisão sumária (fls 264). Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência do Tribunal Constitucional, tendo esta Instância, por acórdão proferido em 15-7-2021, indeferido a reclamação apresentada (fls 276 e 277). Tal decisão foi notificada ao magistrado do Ministério Público, por termo lavrado nos autos, no dia 16-7-2021, e aos sujeitos processuais, na pessoa dos seus mandatários, através de carta registada, remetidas sob registo no dia 16-07-2021 (fls 278 e 279), pelo que, o acórdão transitou em julgado no dia 10-9-2021.

Como preceitua o artigo 438.º, n.º 1, do CPP, o recurso é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão, pelo que o recurso interposto em 11-10-2021 se afigura tempestivo.

Concluímos, pois, que os pressupostos formais para admissão do recurso se encontram preenchidos, de acordo com o disposto no art.º 438º do CPP (legitimidade e tempestividade).

  1. Vejamos, agora, se se encontram preenchidos os pressupostos de natureza substancial, previstos no art.º 437º do CPP.

    3.1. É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que as expressões normativas “soluções opostas” “relativamente à mesma questão de direito”, constantes do art.º 437.º, n.º 1, exigem que essa mesma questão integre o objecto concreto e directo das duas decisões; objecto fundado em circunstancialismo fáctico essencialmente idêntico do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos.

    Com efeito, segundo a doutrina seguida por este Supremo Tribunal, a oposição de julgados verifica-se quando: i) Os dois acórdãos em conflito do Supremo Tribunal de Justiça e/ou do Tribunal da Relação se refiram à mesma questão de direito; ii) Os dois acórdãos em conflito do Supremo Tribunal de Justiça e/ou da Relação sejam proferidos no âmbito da mesma legislação; iii) Se tenha optado, em ambos os acórdãos em conflito, por “soluções opostas “; iv) A questão decidida em termos contraditórios tenha sido objecto de decisão expressa em ambos os acórdãos, não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas; v) As situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos.

    A respeito deste último requisito é uniforme a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a existência de soluções de direito antagónicas pressupõe a existência de julgados expressos, bem como de identidade das situações de facto.

    Assim, caso não exista uma identidade ou similitude substancial e essencial em ambas as situações, designadamente nos elementos relevantes que são objecto de...

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