Acórdão nº 54/20.3BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelVITAL LOPES
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO A….– C…, LDA., vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar a decisão arbitral proferida no processo n.º 733/2019–T, pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD).

A Impugnante termina as alegações da impugnação formulando as seguintes e doutas Conclusões: « 1.ª A presente impugnação vem deduzida na sequência da decisão arbitral proferida no processo n.º 733/2019-T, notificada à ora Impugnante em 11.06.2020, a qual julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido contra contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR do ano de 2014 e, bem assim, quanto ao aludido ato tributário, melhor identificado no aludido pedido; 2.ª O Tribunal arbitral alicerçou a improcedência do pedido essencialmente no facto de existirem registos contabilísticos que evidenciam a saída de rendimento da sociedade e de não ter sido dado como provado que esses registos correspondiam a mútuos celebrados com os sócios da Impugnante, nem rendimentos de trabalho ou de exercício de cargos sociais, verificam-se os requisitos da presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS; 3.ª A Impugnante impugna a aludida decisão arbitral com fundamento i) na pronúncia indevida [cf. 1.ª parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT], ii) na omissão de pronúncia [cf. alínea 2.ª parte da c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT], e iii) na violação do princípio do contraditório [cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT] os quais determinam a sua anulação com as demais consequências legais; 4.ª O Tribunal arbitral incorreu em pronúncia indevida uma vez que se pronunciou para além do suscitado pelas partes no âmbito do presente litígio, em concreto, trouxe à colação novas questões, que não se afiguravam de conhecimento oficioso: a de qualificar a distribuição de rendimentos aos sócios da Impugnante como apropriação ilícita e de avaliar a legalidade da tributação efetuada pela administração tributária nesses termos; 5.ª Sublinhe-se que o que estava a ser discutido nos presentes autos, por acordo e fundamentação de ambas as partes era o registo contabilístico de saídas de rendimento para a esfera dos sócios e o enquadramento dessas alegadas distribuições de rendimento como adiantamento por conta de lucros nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS e não uma eventual apropriação ilícita e o seu cabimento no âmbito do artigo 1.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, do Código do IRS (cf. p. 35 da decisão arbitral); 6.ª Tendo reconfigurado as questões a decidir no presente litígio, é notório que o Tribunal arbitral se pronunciou para além do suscitado pelas partes, incorrendo em violação do princípio do dispositivo e em pronúncia indevida, devendo por isso a presente decisão arbitral ser anulada com fundamento na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT; 7.ª Sem prejuízo do exposto, da leitura da decisão arbitral facilmente se depreende que aquela não apreciou todas as questões suscitadas pela ora Impugnante no respetivo pedido de constituição de tribunal arbitral, incorrendo, assim, igualmente, em omissão de pronúncia; 8.ª No que respeita à arbitragem tributária, a questão da omissão de pronúncia encontra-se obviamente intimamente ligada com os poderes de cognição do Tribunal arbitral, sendo de destacar que, em suma, “Quanto a questões, o tribunal está por força do princípio do dispositivo, limitado às questões alegadas pelas partes estando obrigado ao conhecimento de todas as questões que estas lhes suscitem e podendo conhecer apenas das questões suscitadas e daquelas que sejam de conhecimento oficioso. O conhecimento pelo tribunal de questões que não podia conhecer constitui fundamento de impugnação da decisão arbitral por pronuncia indevida; a falta de conhecimento pelo tribunal de questão suscitada pelas partes constituiu fundamento de impugnação por omissão de pronuncia, ambos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT” (cf. CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2016, p. 431); 9.ª No pedido de constituição de tribunal arbitral a Impugnante, então Requerente, suscitou várias questões, imputando diversos vícios geradores de anulabilidade dos atos em crise, sendo que as seguintes não foram apreciados, nem sequer o seu conhecimento dado por prejudicado, na decisão proferida: a) violação do princípio constitucional da tributação pelo lucro real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, em função da interpretação perfilhada pela administração tributária de que os meros lançamentos contabilísticos são considerados bastantes para prova da existência de rendimento, não obstante estar evidenciada a falta de reconciliação bancária e o artigo 75.º da LGT ter sido colocado em crise, b) erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, conjugado com o artigo 7.º do Código do IRS, em concreto, quanto à delimitação temporal da colocação à disposição dos alegados rendimentos, e, c) erro sobre os pressupostos de facto e de direito na aplicação do artigo 100.º do CPPT; 10.ª Sendo manifesto que o Tribunal arbitral (sem qualquer justificação) se absteve de apreciar questões pertinentes e que constituíam premissas indispensáveis para a solução daquela suscitadas pela Requerente no pedido de constituição de tribunal arbitral e sobre as quais se impunha a sua pronúncia, conclui-se que a presente decisão deverá ser anulada com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos da 2.ª parte da alínea c) do nº. 1 do artigo 28.º do RJAT, com as demais consequências legais; 11.ª Por último, e sem prejuízo de todo o exposto, o Tribunal arbitral dispensou a reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, e decidiu, de forma surpreendente que perante a hipotética dúvida gerada quanto a determinados factos, foram aqueles dados como não provados em virtude da exigência legal de que tal ausência de elementos de prova deverem ser valorados processualmente contra a Requerente; 12.ª Tal não é admissível, porquanto na eventualidade de existirem dúvidas quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, sempre se impunha ao Tribunal arbitral a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, em obediência ao princípio do inquisitório, expressamente previsto na alínea a) do artigo 16.º do RJAT, e bem assim, no artigo 45.º do CPPT, 60.º da LGT e n.º 5 do artigo 267.º da CRP; 13.ª Não o tendo feito e tendo decidido contrariamente à Impugnante sem lhe conferir oportunidade de evidenciar tais factos, é evidente que o Tribunal arbitral incorreu em violação do princípio do contraditório, impondo-se a anulação da presente decisão arbitral, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, com as demais consequências legais.

Por todo o exposto e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve a presente impugnação ser julgada procedente, por provada, com a consequente anulação da decisão arbitral impugnada, com as demais consequências legais, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!».

Respondeu a entidade impugnada concluindo as contra-alegações assim: « «Imagem no original» ».

Com dispensa de vistos por simplicidade das questões a dirimir e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – FUNDAMENTAÇÃO De facto 1. Por razões de celeridade e economia processual, remete-se para a matéria de facto vertida no ac. arbitral, nos termos do disposto no art.º 663/6 do Cód. Processo Civil, reproduzindo-se, por extracto, a matéria de direito dele constante e tida por relevante: « 3. Matéria de direito No ano de 2014, foram efectuados lançamentos em contas dos sócios da Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não se provou que lançamentos no valor global de € 840.500,00 resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais, pelo que presumiu que tais lançamentos foram efectuados a título de lucros ou adiantamento de lucros, invocando a presunção que estabelece o n.° 4 do artigo 6.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

Na sequência desse entendimento, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu liquidação por falta de retenção na fonte e liquidações de juros compensatórios.

A Requerente imputa os seguintes vícios à correção e liquidação impugnada: - erro sobre os pressupostos de facto por inexistência do facto tributário; - erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do artigo 6.°, n.° 4, do CIRS; - inexistência de dever acessório de substituição tributária; - erro sobre os pressupostos de facto: a indevida consideração do montante de € 500.000,00 (cujo reembolso ocorreu no decurso de 2015) como alegado rendimento tributável; - ilegalidade da liquidação de juros compensatórios; 3.1. Questões da inexistência de facto tributário e da aplicação da presunção prevista no n.° 4 do artigo 6.° do CIRS Por força do disposto na alínea h) do n.° 2 do artigo 5.º do CIRS, estão sujeitos a tributação em sede de IRS «os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros».

O n.° 4 do artigo 6.° do mesmo Código estabelece que «os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros».

A Requerente defende que a sua contabilidade da Requerente não espelha a sua situação fáctica e não existe reconciliação bancária e que a divergência é explicada por...

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