Acórdão nº 23/21.6GDCNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA ALEXANDRA GUIN
Data da Resolução02 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acórdão deliberado em conferência na 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra* I. Relatório *No Juízo Central Criminal de Coimbra, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de violência doméstica, agravado, p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1, alínea d), 2 al. a), 4 e 5 do Código Penal na pena de 3(três) anos de prisão; pela prática de um crime de extorsão, na forma continuada, p e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 223º, nº 1, e 30º, nº 2, do Código Penal, na pena de 1(um) ano e 6(seis) meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi decidido aplicar a pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão efetiva. Foi condenado, na pena acessória de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 3(três) anos e 9 (nove) meses de prisão, incluindo-se o afastamento da residência e do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o arguido esteja em liberdade. Mais se determinou que o arguido frequentasse programas específicos de prevenção da violência doméstica. Determinou-se, ainda, que o arguido AA, seja sujeito a tratamento à sua toxicodependência, nos termos do art.º 46 do DL Decreto-Lei n.º 15/93. Condenou-se, ainda, o arguido no pagamento à vitima de uma indemnização que se arbitra o valor de €5000.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O crime de violência doméstica consome o de extorsão, devendo o arguido ser absolvido deste último; 2. A pena fixada é excessiva, devendo ser aplicada prisão igual ou inferior a dois anos; 3. A pena de prisão deve ser suspensa, sujeita à condição de tratamento à toxicodependência, em regime de internamento em comunidade terapêutica ou similar; 4. Deve ser aplicada pena igual ou inferior a dois anos a cumprir em regime de permanência na habitação em comunidade terapêutica; 5. Não deve haver proibição de contactos com a vítima, nem quantia arbitrada superior a € 500,00.

Das normas violadas: 152º, do Código Penal, 40.º do Código Penal, 42.º do Código Penal; 43.º do Código Penal; 44.º do Código Penal; 45.º do Código Penal; 46.º do Código Penal; 47.º do Código Penal; 50.º do Código Penal; 58.º do Código Penal; 70.º do Código Penal; 71.º do Código Penal».

Notificado, respondeu o Ministério Público, pugnando pela manutenção do decidido.

Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer, acompanhando a posição assumida pelo Ministério Público na 1ª instância.

Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido exerceu o seu direito de resposta.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

* II. Fundamentação:1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso: O objeto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação (que delimitam o âmbito de intervenção do tribunal ad quem), sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (Cfr. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28-12-1995).

Assim, o tribunal ad quem tem de apreciar apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.ºs 1 e n.º 3, ambos do C.P.P. – cfr. Ac. STJ de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271.

De acordo com as conclusões da motivação do recurso interposto nestes autos, são as seguintes as questões a que cabe dar resposta: 1. Do concurso efetivo das infrações; 2. Da dosimetria da pena e seu cumprimento em efetividade; 3. Do quantum indemnizatório.

  1. Acórdão a quo (transcrito na parte relevante): «2. FUNDAMENTAÇÃO2.1Fundamentação de Facto: 2.1.1 Matéria de facto provada: 1.O arguido AA é filho da ofendida BB, nascida a .../.../1961, com quem reside na R..., ..., (…).

  2. O arguido sofria de adição a produtos estupefacientes - heroína e cocaína, desde data não apurada, e não exercia qualquer atividade profissional.

  3. Visando custear o vicio das drogas, no interior da habitação comum, o arguido decidiu custear a compra do produto estupefaciente de que necessitava, exigindo dinheiro á sua mãe, alegando que precisava consumir produto estupefaciente.

  4. Mal a ofendida chegava à residência comum, regressada do trabalho, o arguido dizia-lhe que se ela não lhe desse dinheiro, que roubava o que aquela tinha em casa e que a matava, o que aconteceu desde data não concretamente apurada mas que se situa nos meses de Novembro/Dezembro de 2020.

  5. A ofendida foi entregando ao arguido o dinheiro por ele exigido, porque tinha medo dele, só não o fazendo quando não o tinha. A ofendida entregava-lhe cerca de 10/20 euros, quase todos os dias.

  6. No dia 16 de junho de 2021, cerca das 18h, o arguido exigiu à sua mãe que lhe desse dinheiro, tendo esta entregue ao mesmo cerca de 10/20 euros, e à meia noite do dia 17 de junho de 2021, o arguido voltou a exigir-lhe mais dinheiro, sendo que a ofendida, lhe entregou mais 10 euros.

  7. Quando a ofendida dizia ao arguido que não tinha dinheiro, o arguido partia objetos existente na habitação, nomeadamente, pratos, AA portas dos quartos e até a mobília do quarto dele.

  8. O arguido desferiu empurrões na sua mãe, duas ou três vezes, colocou AA suas mãos no corpo da ofendida, e empurrou-a.

  9. Praticamente todos os dias o arguido apelidou a ofendida de “vaca”, “porca”, “puta”, e disse-lhe “não vales uma merda” e “és uma mãe de merda”.

  10. Como consequência das supra descritas condutas do arguido, a ofendida sentiu medo, inquietação, vivendo em permanente estado de desassossego, temendo pela sua integridade física e vida.

  11. O arguido quis e conseguiu ofender a integridade física e psicológica da ofendida, atingir a sua dignidade pessoal, apoderar-se do dinheiro da ofendida, estando o arguido ciente da fragilidade decorrente da idade da vitima e da enorme desproporção física existente entre ambos.

  12. Assim, o arguido pelo menos desde novembro/dezembro de 2020, até à data em que foi detido, em 24 de junho de 2021, agrediu física, verbal, psicologicamente a ofendida, provocou-lhe medo e receio, afetou a sua liberdade de determinação e apoderou-se do dinheiro da mesma.

  13. Quis o arguido empregar violência contra a ofendida, por forma a atemorizá-la e deixá-la na impossibilidade de resistir ás exigências de dinheiro que lhes fazia, obrigando-a desta forma a entregar-lhe sucessivamente quantias em dinheiro, bem sabendo o arguido que o fazia contrariando a vontade da ofendida a quem provocou prejuízo, e que AA quantias que recebeu eram indevidas, e aproveitando-se do facto de a ofendida, por medo do arguido, não o denunciar às autoridades.

  14. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que AA supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

  15. Com interesse para a e para a decisão, resulta do relatório social o seguinte: (…).

* III. O DIREITO(…).

* IV. Determinação da medida da pena(…).

* V. Da suspensão da pena privativa da liberdade(…)* VI. Das penas acessórias:(…).

* VII. Do arbitramento oficioso de indemnização à vitima:(…).

* Apreciando e Decidindo1. Do concurso efetivo das infrações; Sustenta, o recorrente, o entendimento de que o crime de violência doméstica e o crime de extorsão se encontram numa situação de concurso aparente de crimes, onde este último é absorvido, ou consumido, por aquele, em vez de um concurso real de crimes, que obrigaria a fixar uma pena para cada um dos tipos legais em causa, com a consequente determinação de uma pena única concursal.

Vejamos.

Nos termos do art.º 30.º n. 1 do Código Penal «o número de crimes determina-se pelo número de tipos de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT