Acórdão nº 2953/17.0T8BCL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelALDA MARTINS
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães: 1.

Relatório J. C.

intentou acção especial emergente de acidente de trabalho, no Juízo do Trabalho de Barcelos, contra X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

, invocando, em síntese, que no âmbito de um contrato de emprego-inserção o A. foi admitido como trabalhador do Município ... em 16 de Maio de 2016, com a categoria profissional de assistente operacional, mediante a retribuição mensal de 575,80 €, e no dia 3 de Março de 2017 foi vítima de um acidente enquanto fazia a recolha de lixo, do qual resultaram ferimentos graves na sua pessoa.

A R. seguradora apresentou contestação, arguindo a incompetência do tribunal em razão da matéria na medida em que o A. não tinha contrato de trabalho e como tal não sofreu um acidente de trabalho, sendo certo que o que a contestante celebrou com o Município ... foi um contrato de seguro do ramo de Acidentes Pessoais Grupo, titulado pela apólice n.º ......01, o qual se rege pelas Condições Gerais 102, conforme resulta dos documentos que junta. Mais impugna a factualidade alegada.

O A. apresentou resposta à matéria da excepção, pugnando pela sua improcedência, e requereu a intervenção principal provocada do Município ..., o que foi deferido por despacho de 10/07/2019.

O MUNICÍPIO ...

veio contestar, pugnando pela sua absolvição do pedido, em virtude de a sua responsabilidade por acidentes sofridos pelo A. estar transferida para a R. seguradora.

Em 18/09/2019, foi proferido despacho saneador onde se julgou o Juízo do Trabalho incompetente em razão da matéria para conhecer da acção e se absolveram da instância os RR. X – Companhia de Seguros, S.A. e Município ....

Na sequência de recurso de apelação interposto pelo A., esta Relação proferiu Acórdão em 19/03/2020, a confirmar a decisão recorrida, mas o A. interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual proferiu Acórdão em 19/05/2021, que terminou com o seguinte dispositivo: «Face ao exposto, acorda-se em conceder procedência ao recurso de revista, revogar o acórdão recorrido, fixando o Tribunal do Trabalho com competência para julgamento dos presentes autos.» Volvidos os autos ao Juízo do Trabalho de Barcelos, foi proferido despacho saneador em 22/09/2021, onde, além do mais, se decidiu o seguinte: «Como foi referido em tempo pelo Mmo Juiz a quo o autor invoca como fonte da legitimidade da ré seguradora o contrato acima identificado, pelo que se se concluir que tal contrato não transferiu para a ré a obrigação do Município decorrente da reparação de acidentes de trabalho (assente que está por força da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que é de um acidente dessa natureza que aqui estamos a tratar), então carecerá a ré seguradora de legitimidade passiva.

Ora, cumprido o contraditório na sequência do despacho de fls. 363, vieram as partes pronunciarem-se nos termos que ali constam, tendo o Município ... vindo, na sua pronúncia, subsidiariamente (para a hipótese de ser julgada procedente a excepção da ilegitimidade da ré seguradora) requerer a intervenção principal provocada da Seguradora X –COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., para efeitos de efetivação do direito de regresso que impede sobre o Réu e/ou responsabilização, nos termos dos artigos 316.º e 317.º do Código de Processo Civil ou, se assim não se entender, requerer que seja admitida a intervenção acessória da Seguradora X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., para os mesmos efeitos.

Acerca de tal requerimento pronunciou-se a Ré seguradora opondo-se, pugnando pelo indeferimento liminar dos incidentes de intervenção principal provocada e de intervenção acessória provocada por os reputar não só absolutamente extemporâneos como infundados.

Cumpre apreciar e decidir.

A primeira questão que aqui se coloca prende-se com a natureza do próprio contrato de seguro que se encontra junto aos autos, a fls. 25 e 26 e ss..

No contrato subscrito pelo “Município ...” com a entidade seguradora aqui Interveniente “X – Companhia de Seguros, S.A.”, verifica-se que faz parte dos riscos segurados «os decorrentes da actividade desempenhada nas entidades promotoras (risco exclusivamente profissional), durante o percurso directo entre o domicílio e o local de exercício da actividade e o seu regresso, assim como, as deslocações ao IEFP ou à Segurança Social por motivo de convocação e ainda as deslocações para efectuar quaisquer diligências de procura de emprego» (cfr. fls. 25 in Declarações e Cláusulas Particulares aplicáveis à apólice).

Sendo que nas próprias condições gerais desse contrato se prevê que poderiam as partes outorgantes optar entre a aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil e aquela do Direito do Trabalho (artigo 2.º, n.º 3, “Invalidez Permanente por Acidente – O que está seguro”), tendo as partes expressamente optado pela aplicação ao contrato de seguro aqui em apreço da Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.

Nesta conformidade, somos levados a concluir, considerando o decidido doutamente pelo Acórdão do STJ proferido nos presentes autos na parte onde é referido que “a situação dos autos é enquadrável, no âmbito dos referidos arts. 3.º e 8.º da LAT, como um acidente de trabalho, com a consequente aplicação da Lei dos Acidentes de Trabalho – Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro” (cfr. respectiva pág. 16) que o Município ... (entidade empregadora) nunca foi detentora de seguro válido e eficaz para cobertura de acidentes de trabalho do ora sinistrado, pois que o contrato de seguro celebrado entre a ré seguradora e o Município é um contrato de seguro de acidentes pessoais e não um contrato de seguro de acidentes de trabalho.

Daí que seja forçosa a conclusão de que, face ao contrato de seguro invocado pelo autor para justificar a intervenção da ré seguradora, após a fixação da competência realizada pelo STJ neste Tribunal de Trabalho para julgamento nos presentes autos, que esta seguradora demandada não tem legitimidade passiva para intervir, porquanto o Município ... com tal contrato (e apenas ao seu teor literal poderemos ater-nos para a sua interpretação) não transferiu para a ré a obrigação do Município decorrente da reparação de acidentes de trabalho, pelo que carecerá a ré seguradora de legitimidade passiva.

Pelo que, sem mais delongas, e na falta de contrato de seguro válido, de imediato declaro a Ré X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., como parte ilegítima na presente acção.

Sendo a ilegitimidade uma das excepções dilatórias por excelência, mais não resta do que absolvê-la da presente instância – arts. 576º, nºs 1 e 2 e 577º, al. e), ambos do Código de Processo Civil.

Notifique.

*Da requerida intervenção provocada principal ou acessória da Ré seguradora: A questão a apreciar é a da admissibilidade do chamamento neste processo especial como parte principal ou acessória de entidade, como vimos supra, alheia à relação jurídica laboral para apuramento da sua responsabilidade civil.

Como é sabido, a fixação judicial das indemnizações e pensões eventualmente devidas por aqueles que a LAT considera responsáveis pela reparação do sinistro laboral deve fazer-se na acção especial emergente de acidente de trabalho prevista no CPT, para o que têm competência os Tribunais do Trabalho de acordo com o que dispõe o art. 126º, n.º 1, al. c), da LOSJ (Lei 62/2013, de 26 de Agosto).

Este preceito defere competência aos Tribunais do Trabalho para conhecer: “c) Das questões emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais.” Não faz esta norma legal delimitadora de competência qualquer extensão de competência, ao contrário do que sucede, vg., com as questões entre os sujeitos de uma relação jurídica de trabalho e terceiros que, se obedecerem a certos requisitos, são equiparadas às questões entre sujeitos de uma relação jurídica laboral – cfr. a al. n) da mesma norma, nos termos da qual é atribuída aos Tribunais do Trabalho competência para conhecer: «Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente».

Assim, a competência dos Tribunais do Trabalho nas acções especiais emergentes de acidente de trabalho restringe-se ao reconhecimento dos pressupostos dos direitos estabelecidos na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho que o autor invoca na petição inicial e à determinação e subsequente condenação da entidade responsável pela reparação em face do modo como aquela lei especial perspectiva aquela obrigação reparadora.

Resulta da prescrição legal que não devem resolver-se no processo especial emergente de acidente de trabalho questões que nada têm a ver com a responsabilização especialmente prevista na lei de acidentes laborais, não podendo nele sequer ser condenados terceiros no pagamento das pensões e indemnizações a arbitrar.

Tal condenação só pode ocorrer sobre a entidade patronal ou sobre a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, sem prejuízo: - dos direitos que aos responsáveis a que alude a LAT são reconhecidos a exercer nos termos da lei geral, nos tribunais comuns; - do próprio direito do sinistrado perante as entidades civilmente responsáveis, a exercer também nos tribunais comuns.

Mais uma vez com clareza a LAT, que rege a matéria dos acidentes de trabalho, se dirige de modo autónomo e próprio à responsabilização da entidade patronal...

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