Acórdão nº 1901/15.7TCLSB.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório No 1º Juízo do Tribunal Judicial de Portalegre correu termos o processo comum singular supra numerado no qual é arguida Za…, filha de (…) e de (…), nascida a xx de xxxxxx de xxxx, natural de xxxx, solteira, médica e com residência profissional em Unidade Local de Saúde … (xxx), imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo de: - um crime de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos com violação das leges artis, por omissão, previsto e punido pelo artigo 150.º, n.º 2 e com referência aos artigos 10.º, 14.º, n.º 3, 26.º, todos do Código Penal e - um crime de ofensas à integridade física, por omissão, previsto e punido pelo artigo 144.º al. a) e b), com referência aos artigos 10.º, 14.º, n.º 3, 26.º, todos do Código penal.

Lo…, em representação do seu filho, Gu…, deduziu pedido cível contra a arguida, Za…, e DDDDD – Unidade Local de Saúde (…) EPE, pedindo a condenação solidária dos demandados no pagamento do montante que se vier a apurar por conta da incapacidade resultante para o lesado, e por danos não patrimoniais sofridos pelo lesado o montante de 40.000,00 €, montantes esses acrescidos de juros legais até integral pagamento.

A DDDDD contestou, invocando a incompetência do Tribunal em razão da matéria e impugnando os factos alegados pela demandante, nos termos constantes de fls. 282-287.

***Por sentença lavrada e depositada a 9 de Julho de 2020 decidiu inicialmente o tribunal recorrido:

  1. Da parte Criminal: 1. Em face do exposto decido, julgar a acusação improcedente, por não provada e, em consequência, decido, absolver a arguida Za… dos crimes que lhe vinham imputados na acusação; 2. Declaro cessada a medida de coacção a que a arguida se encontra sujeita, nos termos do disposto no art.º 376.º, n.º 1 do CPP; 3. Custas pela assistente, nos termos do disposto no art.º 515.º, n.º 1, al. a) do CPP, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

  2. Da parte cível: a) Julgo procedente, por provado, o pedido cível deduzido por Lo…, em representação do seu filho Gu… contra Za… e, DDDDD – Unidade Local de Saúde (…) EPE em consequência, condeno, solidariamente as demandadas no pagamento da quantia de quarenta mil euros, acrescida de juros legais vencidos e vincendos desde o trânsito em julgado da presente sentença até integral pagamento; b) Custas, em partes iguais, pelas demandadas;*Por acórdão desta Relação de 23 de Fevereiro de 2021 foi decidido: a) - negar provimento ao recurso interlocutório interposto pela arguida; b) - negar parcialmente provimento ao recurso interposto pela Unidade Local de Saúde (…) quanto à invocada incompetência material para conhecer dos autos; c) - conceder provimento parcial aos recursos interpostos pela arguida Za… e Unidade Local de Saúde (…) por razões diversas das invocadas; d) - conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e em determinar: - que o tribunal recorrido deverá incluir na matéria de facto os factos negligentes que entender adequados e suficientes; - seguindo-se o cumprimento do disposto no art. 358º do Código de Processo Penal, se necessário com produção de prova eventualmente apresentada pela defesa; - lavrando-se sentença em conformidade.

    *A final e por sentença lavrada a 14 de Julho de 2021 veio a decidir o tribunal recorrido:

  3. Da parte Criminal: Em face do exposto decido, e com a convolação operada em audiência, julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, decidiu: a. Absolver a arguida Za… dos crimes que lhe vinham imputados na acusação, ou seja, da prática de um crime de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos com violação das leges artis, por omissão, previsto e punido pelo artigo 150.º, n.º 2 e com referência aos artigos 10.º, 14.º, n.º 3, 26.º, todos do Código Penal e de um crime de ofensas à integridade física, por omissão, previsto e punido pelo artigo 144.º al. a) e b), com referência aos artigos 10.º, 14.º, n.º 3, 26.º, todos do Código penal; b. Condenar a arguida Za… pela prática de um crime de ofensa à integridade física negligente, p. e p. pelo art.º 148.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal na pena de duzentos dias de multa, à taxa diária de dez euros, no montante global de dois mil euros; c. Condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

  4. Da parte cível: Julgar procedente, por provado, o pedido cível deduzido por Lo…, em representação do seu filho Gu… contra Za… e, DDDDD – Unidade Local de Saúde (…) EPE em consequência, condenar, solidariamente as demandadas no pagamento da quantia de quarenta mil euros, acrescida de juros legais vencidos e vincendos desde o trânsito em julgado da presente sentença até integral pagamento.

    Custas cíveis, em partes iguais, pelas demandadas.

    *Za…, arguida e demandada, não se conformando com a decisão, interpôs recurso formulando as seguintes (transcritas) conclusões: A. A decisão recorrida e que anima o presente Recurso, ao decidir no sentido em que o fez, enveredou por errada interpretação e aplicação do direito, mormente, no que se reporta à condenação da Recorrente em matéria criminal e no que ao pedido cível deduzido se reporta, condenando-a de modo solidário com a DDDDD, na quantia de €40.000,00, assim como em custas.

  5. A sentença sob crítica oferece o flanco à crítica pela circunstância de evidenciar uma ostensiva contradição insanável da fundamentação no que se reporta à matéria de facto, com os necessários reflexos em sede de subsunção do direito aos factos.

  6. Analisando a fundamentação oferecida, infere-se que, por um lado, o Tribunal a quo dá como assente que a atuação alegadamente negligente da Recorrente foi causa direta e necessária da perda do testículo direito do menor, D. E, não obstante, considera como não demonstrado que se a Recorrente agisse de modo consentâneo com a leges artis, ainda assim, o menor não teria perdido o testículo direito.

  7. Este particular aspeto assume capital relevância na possibilidade de imputabilidade à Recorrente do dano verificado, in casu, a perda do testículo direito do menor.

  8. Do conteúdo da factualidade considerada como provada, nada resulta no que concerne ao momento em que ocorreu a torção testicular.

  9. Sendo certo que, de igual modo, nenhuma prova foi feita no que concerne à evolução da torção em causa, de modo que se possa concluir nos termos em que resulta expresso no ponto 13) da factualidade considerada provada, in casu, que a evolução da torção tinha mais de 48 horas.

  10. A Sentença recorrida laborou num erro de apreciação da prova, inquinando, consequentemente, as conclusões de natureza jurídica que a sustentam.

    I. Do acervo probatório carreado para os Autos sem esforço se conclui que a Recorrente agiu, atenta as suas qualificações técnicas, de modo isento de crítica por atuar de modo consentâneo com as leges artis.

  11. Do teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas com a profissão de médico e ouvidas em audiência de discussão e julgamento, há a evidência de contradições, apontando em sentidos opostos, designadamente, no que respeita ao comportamento clinicamente adequado pelo qual a Recorrente deveria enveredar, perante a situação em concreto.

  12. Este circunstancialismo determinava, de modo cristalino, a aplicabilidade do princípio “in dubio pro reo”.

    L. O utente Gu…, no momento da sua observação clínica pela Recorrente não tinha sinais e sintomas típicos e exclusivos de uma torção testicular.

  13. Não obstante, esta manteve-o em observação, sob a égide da proteção do meio hospitalar, num serviço dedicado e com vigilância especializada contínua.

  14. Prescreveu os exames complementares de diagnóstico que se impunham para confirmar ou infirmar as hipóteses de diagnóstico que considerou e, bem assim, os que eram adequados para uma eventual necessidade de intervenção cirúrgica e que, por regra, se realizam antes daquela intervenção ter lugar.

  15. Considerando o tipo de ilícito criminal em que a Recorrente foi condenada, in casu, na prática de um crime de ofensa à integridade física negligente, p.e p. pelo artigo 148.º, n.ºs 1 e 3 do CP, aferindo os elementos do tipo, conclui-se pela inexistência do respetivo preenchimento dos pressupostos incriminadores, no caso concreto, a existência de uma atuação clínica protagonizada pela Recorrente, dissonante com as leges artis e, consequentemente, geradora de uma ofensa para o corpo ou para a saúde de Gu… .

  16. Não é possível imputar objetivamente o resultado à Recorrente, o que fatalmente importa a sua absolvição por falência objetiva dos pressupostos legalmente consagrados que poderiam determinar a sua condenação.

  17. De igual sorte laborou a Sentença impugnada em erro de julgamento no que respeita à condenação cível de que a Recorrente foi objeto.

  18. Atenta à natureza do vínculo de emprego público que a Recorrente detinha com a DDDDD, à data dos factos, por um lado e, por outro, à alegada mera culpa com que agiu em alegada violação das leges artis, nos termos estatuídos no artigo 7.º, n.º1 da L67/2007, é esta parte ilegítima.

  19. Em momento algum do aresto sob crítica se refere ou resultou demonstrado que a Recorrente, no âmbito da sua atuação, tenha agido com culpa grave ou negligência grosseira.

  20. Considerando a matéria probatória considerada assente, em conjugação com os factos relativos à questão sub judice considerados como inverificados e a motivação oferecida pelo Tribunal a quo no que concerne aos atos médicos praticados pela Recorrente em benefício do doente, esta não responde solidariamente em sede de responsabilidade civil extracontratual com a DDDDD, em razão do disposto no supra aludido artigo 7.º, nº1 da L67/2007.

  21. A Recorrente é, assim, como supra se advogou, parte ilegítima, nos termos estatuídos no artigo 30.º do CPC, o que gera exceção dilatória atento o disposto do artigo 577.º, al. e) do CPC, o que é de conhecimento oficioso pelo Tribunal considerando o que resulta consagrado no...

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