Acórdão nº 2201/19.9GBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAUR
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em conferência os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Albufeira, Juiz 1, no âmbito dos autos com o NUIPC nº2201/19.9GBABF foi, em 3 de novembro de 2021, proferida a seguinte decisão (transcrição): “Saneamento do processo: O tribunal é absolutamente competente, o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal quanto ao crime de ofensa à integridade física e o assistente de aderir à acusação do Ministério Publico.

* 1. Questões prévias: 1.1. Da falta de legitimidade do assistente para deduzir acusação particular relativamente ao crime de difamação: O assistente LA veio deduzir acusação particular contra LE pela pratica de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º, n.º 1 do CP.

A factualidade descrita na acusação particular imputada ao arguido resume-se em sumula a que no dia 11/9/2019, cerca das 15h30, junto à piscina do condomínio do edifício (…), em (…), o arguido LE dirigiu-se à esposa do assistente, na presença de ambos, apodando-a de “puta”.

Dispõe o artigo 180º, n.º 1 do C.P.: “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”.

Difamar é desacreditar alguém, é diminuir a sua reputação, é rebaixar as suas qualidades pessoais, é fazer alterar negativamente o conceito público em que alguém é tido (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/04/2005, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ com o nº 0416341).

A difamação consiste assim na imputação a alguém, levada ao conhecimento de terceiros e na ausência do visado, de factos ou condutas que encerrem em si mesmos uma reprovação ético-social, sendo ofensivos da honra e consideração do visado, bem jurídico que implica o reconhecimento a todos da pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e da pretensão ao reconhecimento da dignidade moral da pessoa por parte dos outros.

O bem jurídico assim delineado apresenta um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa por parte dos outros. Tal bem jurídico tem consagração constitucional, como direito fundamental, nos termos da norma contida no n º 1, do artigo 26 º da Constituição da República Portuguesa.

Elementos objetivos: o facto típico: Os elementos do tipo objetivo da difamação são os seguintes: percebido como a valoração de um dado ou ideia); crime de difamação. Se tais factos ou juízos são imputados diretamente ao visado, está-se perante um crime de injúria; não estando o visado presente quando da sua prolação, estar-se-á perante um crime de difamação.

Ora, da factualidade imputada resulta evidente que a expressão foi efetuada diretamente à esposa do assistente, na presença da mesma, bem como do próprio assistente. Assim, a ter ocorrido qualquer ilícito criminal, o mesmo seria subsumível ao crime de injuria, previsto no art. 181.º do CP e nunca do crime imputado pelo assistente ao arguido dada a presença física quer deste, quer da sua esposa quando o arguido proferiu as alegadas expressões, faltando assim elementos objetivos do ilícito criminal de difamação.

Acresce que os alegados insultos se dirigiram apenas e tão só à esposa de LA, pelo que só esta tinha legitimidade para exercer o direito de queixa (o que, no caso em apreço, não ocorreu no prazo estipulado para tal – art. 115.º do CP), não podendo o assistente, na qualidade de marido da ofendida, apresentar queixa em nome daquela ou mesmo sentir-se visado com o insulto dirigido à sua esposa.

Cumpre, pois, declarar o assistente parte ilegítima para promover o julgamento do arguido pelo crime supra referidos.

Pelo exposto, julgo o assistente parte ilegítima para promover o processo penal relativamente ao crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º do CP.

*** 2. Acusação manifestamente infundada: O Ministério Publico e o assistente vieram deduzir acusação contra o arguido, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.

Dispõe o artigo 283º, n.º 3, al. b), do Cód. de Processo Penal que «a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de coação.

Por sua vez, o artigo 311º, n.º 2, al. a), do Cód. de Processo Penal, o juiz deve rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada. A acusação é manifestamente infundada quando não contenha a narração dos factos (alínea b), do n.º 3 do artigo 311º) e se os factos não constituírem crime (alínea d) do mesmo preceito).

Assim, acusação manifestamente infundada é aquela que em face dos seus próprios termos não tem a potencialidade de vir a ser julgada procedente, nomeadamente é aquela que, seja por ausência de factos que a suportem, resultaria inevitavelmente em absolvição.

Na acusação publica a fls. 241 e particular constante a fls. 261 a 262, são descritos factos objetivos e subjetivos que eventualmente seriam subsumíveis ao tipo criminal indicado que, no entanto, da sua leitura atenta verifica-se que se está de facto perante uma conduta atípica.

Efetivamente, descreve a acusação que o arguido LE ao ver LA deitado numa espreguiçadeira a apanhar sol junto ao chuveiro, dirigiu-se ao chuveiro, acionou-o e começou a atirar água contra o corpo de LA, tendo persistido nessa conduta mesmo apos aquele ter demonstrado que estava a ser molhado.

É a seguinte a redação do art. 143.º do Código Penal, na parte que interessa: «Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.» O bem jurídico protegido com a incriminação legal é a integridade física e a saúde das pessoas, não podendo ser insignificantes, para que atinjam dignidade penal e sejam subsumíveis à previsão deste artigo. De acordo com a construção doutrinária quanto ao tipo legal em questão (vide Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, 1999, anotação de Paula Ribeiro Faria ao artigo 143.º, Tomo I, pag. 204) estamos perante um crime material e de dano, visto abranger um determinado resultado que é a lesão do corpo ou da saúde de outrem, fazendo-se a imputação objetiva deste resultado à conduta ou à omissão do agente. Trata-se, por isso, de um ilícito de realização instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito (a gravidade dos efeitos ou a sua duração serão apenas valorados no âmbito da determinação da medida da pena). Atento o preceito legal em causa, pode-se discernir ao nível do tipo objetivo do ilícito, duas modalidades de realização do tipo, ou ofensas no corpo, ou ofensas na saúde, podendo muitas vezes haver coincidência entre estas duas, mas não necessariamente. Contudo, não é condição de relevância típica a provocação de dor ou de mal-estar corporal, incapacidade da vítima para o trabalho ou marca. Quanto ao elemento subjetivo do tipo, o crime em apreço é um crime doloso, que se pode manifestar em qualquer das suas modalidades (art. 14.º do Código Penal), sendo que o dolo se refere às ofensas no corpo ou na saúde do ofendido. A motivação do agente é irrelevante sob este ponto de vista, embora possa ser tida em consideração para efeitos de determinação da medida da pena.

É suficiente para o preenchimento do elemento objetivo do tipo previsto no artigo 143º do Código Penal que a integridade física seja atingida em resultado da conduta do arguido, sem que a lei penal faça depender a verificação do resultado típico de formas determinadas da lesão, pelo que se entende que o tipo legal pode preencher-se...

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