Acórdão nº 152/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 152/2022

Processo n.º 300/20

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo Almeida Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Tributário de Lisboa, em que são recorrentes o Ministério Público e a Autoridade Nacional de Comunicações («ANACOM») e recorrida A., S.A., os primeiros interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), da decisão proferida por aquele Tribunal, em 11 de novembro de 2019, que decidiu anular o ato de liquidação da taxa anual de prestação de serviços postais relativa ao ano de 2016, impugnado pela ora recorrida.

O Tribunal recusou aplicar as normas constantes dos n.os 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação da Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, «na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços [postais] enquadrados no “escalão 2”, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa do princípio da legalidade fiscal, na vertente da reserva de lei parlamentar e da tipicidade, previsto na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º e no n.º 2, do artigo 103.º, ambos da Constituição da República Portuguesa», e, em consequência, determinou a anulação do ato impugnado, condenando a ANACOM ao pagamento de juros indemnizatórios.

2. Na parte que releva para a apreciação do presente recurso, pode ler-se na decisão recorrida:

«(…) De tudo o que vem sendo dito decorre a conclusão de que o tributo em análise, atendendo à respetiva génese e finalidade, se parece aproximar mais de uma contribuição financeira do que de uma taxa, por ter em vista a compensação pelo serviço prestado pela ANACOM a uma certa categoria de entidades que, neste caso, serão os prestadores de serviços postais.

Com efeito, decorre da Lei Postal que, subjacente à cobrança deste tributo, estaria a cobertura dos custos incorridos pela ANACOM, enquanto entidade reguladora do setor, com a fiscalização, supervisão e regulação da atividade de serviços postais tendentes a garantir o estabelecimento de uma concorrência sã entre os vários operadores e, por conseguinte, o estabelecimento de um mercado livre e mais eficiente, benefícios esses de que os sujeitos passivos da mesma iriam presumivelmente beneficiar.

No entanto, a confirmação da qualificação do tributo em causa sempre estaria dependente de uma análise material, atendendo ao princípio da igualdade, na vertente da equivalência, no sentido de averiguar se, com base no critério de repartição utilizado, é possível, ainda, estabelecer aquele nexo de causalidade entre o montante cobrado e as contraprestações efetuadas capaz de fazer concluir pela efetiva existência de uma bilateralidade (ainda que difusa ou genérica) e, por conseguinte, de uma contribuição financeira.

E, para tal, necessário será atender aos concretos moldes em que o apuramento do referido tributo é efetuado.

(…) [C]omo resulta da análise à fórmula de cálculo constante da Portaria a que nos teremos referido (…) é inicialmente apurado um “valor da percentagem contributiva t2” (ou taxa stricto sensu) que resulta de uma proporção entre os custos alegadamente incorridos pela ANACOM com a regulação, supervisão e fiscalização da atividade de prestação de serviços postais e os rendimentos auferidos pela totalidade dos prestadores de serviços postais (os quais são comunicados pelos operadores e verificados através de auditorias levadas a cabo por empresas que prestam tais serviços à ANACOM).

Seguidamente, após ter sido apurada a referida percentagem, a mesma é aplicada ao valor dos rendimentos auferidos no ano anterior com o exercício da respetiva atividade por cada um dos sujeitos passivos em causa, tal como sucedeu com a Impugnante (…), assim se determinando o valor da “taxa” a pagar.

Ora, resulta da análise à referida fórmula de cálculo que o tributo em discussão é apurado com base no rendimento dos sujeitos passivos, ainda que apenas o rendimento relevante para os efeitos que aqui estão em causa, o qual e não obstante, sempre concretizará uma manifestação da respetiva capacidade contributiva.

Como resulta do probatório e ao contrário do que vem alegado pela ANACOM, o valor dos rendimentos não serve apenas como critério para determinação da taxa aplicável, servindo também para o apuramento da coleta, que se obtém multiplicando o montante de rendimentos do ano anterior pela taxa antes determinada, abatendo-se uma parcela com vista a assegurar um período de transição de quatro anos, nos termos previstos na Portaria n.º 296-A/2013 (…).

Estando em causa, nos presentes autos, uma taxa de regulação, cujo objetivo será o de ressarcir a entidade reguladora dos custos decorrentes da respetiva atividade, ou seja, compensá-la pelos benefícios por si gerados e aproveitados pelos destinatários da atividade de regulação, o seu regime deve aproximar-se daquele que enquadra as taxas, o qual é determinado pelo princípio da equivalência entre a quantia paga e a prestação que esta pretende compensar, devendo, por conseguinte, afastar-se do regime que norteia os impostos, nomeadamente na parte em que, para o cálculo do tributo a pagar, se baseia em critérios que fazem apelo à capacidade contributiva dos sujeitos passivos.

(…) [S]e todos os prestadores de serviços postais podem presumivelmente provocar ou aproveitar dos serviços de regulação prestados pela ANACOM, não se vislumbra como seja possível determinar a compensação pelos custos incorridos com a atividade dessa entidade reguladora através e consoante os rendimentos auferidos por tais sujeitos passivos, assim se fazendo desvanecer a bilateralidade que deve estar na base de tais tributos, em violação do princípio da igualdade, aqui concretizado no princípio da equivalência.

E a coadjuvar tal conclusão está, ainda, o facto de os operadores incluídos no “escalão 0” (cujo valor dos rendimentos relevantes diretamente conexos com a atividade de serviços postais relativa ao ano anterior àquele em que é efetuada a liquidação da taxa varia entre 0,00€ e 250.000,00€) não estarem sujeitos a qualquer tributação nesta sede e de os operadores do “escalão 1” (cujo mencionado valor varia entre € 250.000,01 e €1.500.000,00) estarem sujeitos a uma taxa fixa de €2.500,00, estando apenas os operadores incluídos no “escalão 2” (aqueles cujo referido valor se inicia em €1.500.000,01), sujeitos a uma taxa variável “t2”, nos termos antes referidos.

Na verdade, não é possível descortinar, nem a ANACOM alega ou prova, em que medida os serviços por si prestados no âmbito da sua atividade de regulação, supervisão e fiscalização são diferenciados consoante o nível de rendimentos auferido pelos diferentes operadores, não encontrando, tal forma de cálculo, a justificação necessária para se configurar como uma verdadeira contribuição financeira tendo em conta o pressuposto e a finalidade deste tipo de tributos.

Necessário seria antes estabelecer uma relação de causalidade entre o tributo cobrado e a contraprestação efetuada pela entidade pública que não se baseasse numa manifestação da respetiva capacidade contributiva.

Muito pelo contrário, no caso concreto, tal critério é duplamente utilizado, quer para determinação da taxa a aplicar, quer como base de incidência da “taxa” previamente determinada, o que se afigura inadmissível face ao princípio da igualdade, na sua vertente de equivalência.

Com efeito, a ponderação dos rendimentos dos sujeitos passivos, quer na determinação da percentagem contributiva aplicável, quer na base de incidência do tributo, tendo por base um escalonamento daqueles sujeitos atendendo aos rendimentos auferidos como se de um imposto progressivo se tratasse, deve fazer questionar da adequação de tal critério como critério legítimo de repartição dos custos da atividade desenvolvida pela ANACOM sobre os sujeitos passivos que tal atividade visa beneficiar.

Na verdade, quanto a este tipo de tributo, de natureza paracomutativa, a adequação dos critérios utilizados para o respetivo apuramento passa por verificar se, entre o critério adotado e os custos/benefícios que constituem a contrapartida do tributo, existe, ou não, e em que medida, uma relação direta. Relação essa que, no caso em apreço, e atendendo ao critério utilizado, não é possível determinar.

(…)

Assim, (…) com base no que, em especial, ficou dito a propósito da base de apuramento do tributo aqui em causa, consideramos que o n.º 2, do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17/12, com a redação dada pela Portaria n.º 296-A/2013, de 02/10, na medida em que determina, para os prestadores enquadrados no “escalão 2”, como base de cálculo do tributo, os rendimentos relevantes diretamente conexos com a atividade de serviços postais relativa ao ano anterior, viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, que constitui a base constitucional do princípio da equivalência tributária.

(…)

Em consequência do que vem sendo dito, necessário será averiguar se o tributo em causa obedece às exigências constitucionalmente previstas para a respetiva criação atendendo ao disposto nos artigo 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, dos quais resulta que os impostos têm de ser criados por lei da Assembleia da República, que determine a incidência, a taxas, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, não podendo tal tarefa ser levada a cabo pelo governo sem a sua autorização.

(…)

No que se refere ao tributo aqui em causa, o mesmo foi criado por uma Lei da Assembleia da República, a Lei n.º 17/2012, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2008/6/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008, que altera a...

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