Acórdão nº 5/20.5GBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO CUNHA LOPES
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

1 – Relatório Por sentença proferida nestes autos em 19 de Março de 2 021, foi proferida a seguinte decisão, quanto ao arguido D. N.

: - foi absolvido da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos arts.º 152º/1, b), c) e n.º 2), C.P.

e das penas acessórias de proibição de contactos e de inibição do poder paternal, p(s). no art.º 152º/4 e 6), C.P.

; - foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º/1, b), C.P.

, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova, com a obrigação de o arguido se abster do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e do consumo de produtos estupefacientes e manter-se profissionalmente ativo, devendo ainda frequentar um programa de formação específica de prevenção da violência doméstica, em moldes a indicar pela D.G.R.S.P; - foi ainda atribuída a A. S.

a quantia de 500€ (quinhentos euros), a suportar pelo arguido.

Discordando da decisão proferida, da mesma interpôs recurso o arguido, para tanto tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. Com o devido respeito, que é merecido, o Arguido não se pode conformar com a douta sentença proferida merecendo a mesma censura, pelo que, o Recurso versará sobre matéria de facto e direito.

  1. Entendemos não ter sido produzida e examinada em sede de audiência de julgamento prova suficiente para dar como provada a restante factualidade.

    A - DA NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA 3. O artigo 356.º nº6 do Código de Processo Penal prevê a proibição em qualquer caso a leitura do depoimento prestado em inquérito quando a testemunha validamente se tenha recusado a depor, in casu a ofendida nos presentes autos, quando advertida recusou-se legitimamente a depor.

  2. Todavia, na fundamentação da sentença do tribunal a quo, refere-se precisamente às declarações da ofendida no âmbito da queixa apresentada, “ Na sequência da queixa apresentada pela ofendida a 2-1-2020, foi esta submetida a perícia de avaliação corporal, no dia 3-1-2020, relatando em ambos os locais os mesmos factos, indicando desde logo como testemunha a sua sobrinha L. R..” 5.

    Pelo que, com o devido respeito, a decisão recorrida é nula por violação do artigo 356.º nº6, 126, nº 1 e 2 do CPP e 122º do CPP.

  3. A testemunha M. P. é cunhado do arguido, porque conforme referiu vive em união de facto com a irmã do arguido, pelo que existe da inadmissibilidade da produção e valoração do depoimento do mesmo, cunhado do recorrente, uma vez que não foi advertido no previsto no artigo 134.º n.º1 alínea a) do Código de Processo Penal, pela Meritíssima Juiz a quo, embora exista uma equiparação face aos direitos vigentes no casamento.

    (Sessão de 18/09/2020, CD Faixa 3, inicio 10:14:46 e termo 10:42:06 passagem de 00:10 a 01:20).

  4. Assim, nas situações taxativamente previstas no citado dispositivo, a testemunha pode recusar-se a prestar depoimento, após ser advertida para tal, o que não aconteceu.

  5. Com efeito, é reconhecido à testemunha o direito estabelecido de forma abstracta e potestativa, de recusar-se a depor contra o afim até ao 2º grau, em nome de um direito próprio a evitar o conflito pessoal que resultaria para a testemunha de poder contribuir para a condenação de um familiar ao cumprir o dever legal de falar com verdade.

  6. Trata-se sem sombra de dúvida da salvaguarda das relações de confiança e solidariedade no seio da instituição familiar.

  7. Ora, entendemos que o depoimento da testemunha M. P. não pode ser valorado, nem pode ser requerido pelo MP a extracção de certidão das suas declarações.

  8. A Meritíssima Juiz não podia em primeira mão exigir aquele depoimento e em segundo lugar valorá-lo como prova, em virtude de tal consubstanciar uma nulidade.

  9. Todavia, apesar de o artigo 134º, nº 2 do CPP se referir expressamente à nulidade, tal não significa sem mais, que o mesmo se reporta ao regime das nulidades que trata o artigo 118, nº 1 e 119 a 123º, do CPP, pois constituindo o art. 134º norma relativa à produção de prova, é aplicável o regime das proibições de prova, na medida em que tal regime detém autonomia face ao regime geral das nulidades. É este o entendimento unânime da jurisprudência – Ac Tribunal Relação de Évora Proc. 1991/07 – 1.

  10. Por outro lado, as proibições de prova não carecem de ser arguidas, desde logo porque não lhe sendo directamente aplicável o regime das nulidades, não vale quanto a elas a regra do artigo 119º do CPP.

  11. Do ponto de vista formal não há, pois em regra que faça depender de arguição as proibições de prova, pelo que pode a mesma ser conhecida oficiosamente.

  12. Assim, verifica-se a proibição de produção de prova e consequente proibição de valoração da mesma, a qual implica que se declare nulo e de nenhum valor probatório o depoimento prestado pela testemunha M. P. e todos os actos subsequentes, incluindo a sentença condenatória.

  13. Tem ainda de serem considerados nulos, todos os actos subsequentes, incluindo a sentença.

  14. Pois entende o recorrente, que a Meritíssima Juiz deverá observar o disposto no artigo 134, nº 2, do CPP, na medida em que a testemunha não foi advertida do direito que detinha.

  15. Em consequência, não poderia a Meritíssima Juiz, porque a lei o proíbe, proceder a leitura de depoimento prestado no inquérito pela testemunha M. P..

  16. Trata-se com efeito de uma proibição de prova, em todo qualquer caso.

  17. Com efeito, toda a fundamentação da decisão e a respectiva valoração da prova produzida em Audiência de Julgamento subverte os princípios fundamentais e estruturantes de um Estado de Direito.

  18. A decisão recorrida viola o disposto no nº 2 do art. 134º do CPP, na medida em que, sendo a testemunha afim em 2º grau na linha colateral do arguido, não poderiam ser tomadas declarações, ou pelo menos tal devia ter sido colocado à escolha da testemunha.

  19. Nos termos do disposto no artigo 122º do CPP, a declaração de nulidade, torna inválido o acto e ordena a sua repetição.

  20. Pelo que, com o devido respeito, a decisão recorrida é nula por violação do 134º, nº 2 do CPP, 356º, nº 6 do CPP, 126, nº 1 e 2 do CPP e 122º do CPP.

  21. Mais se assim não se entender, sempre se dirá que se não se equiparar a união de facto ao casamento, não sendo a testemunha M. P. considerado cunhado do arguido, estamos perante inconstitucionalidade do n.º 1 do citado artigo 134.º, quando interpretado no sentido de que a testemunha porque vive em união de facto com a irmã do arguido não é seu cunhado, por violação do Principio da Igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP.

    B – DO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 25. A questão suscitada é a de saber se os «factos provados», mesmo mantendo-se inalterados, são suficientes para a condenação do arguido por um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152 nº 1 al. b) do Código Penal.

  22. Afigura-se-nos que não está presente na factualidade provada, aquele quid, aquele plus de desvalor que fundamenta a especificidade do crime de violência doméstica.

  23. A matéria provada nos pontos 3 a 6 da douta sentença condenatória é insuficiente para condenar o arguido pelo mencionado crime.

  24. Os pontos 3, 4 e 5 da douta sentença condenatória são vagos e indefinidos incapazes de sustentarem a decisão alcançada.

  25. Não resultou provado o dolo específico do arguido, ou que o mesmo tenha actuado com vontade de praticar a conduta que lhe é imputada e o seu resultado na integridade física da assistente.

  26. Sem prescindir do que se adiantou, não ocorreu qualquer lesão grave da integridade física da vítima, conforme refere o próprio Relatório Pericial, quando conclui que “Na ausência de lesões ou registos clínicos referentes ao evento em análise, a perita não tem elementos para se pronunciar medico-legalmente sobre as consequências da eventual ofensa à integridade física.”, datado de 03 de janeiro de 2020, ou seja, supostamente no dia imediatamente a seguir à eventual agressão.

  27. Face ao que se disse supra, condenando o arguido na prática do crime de violência doméstica incorreu o douto Tribunal a quo em ilegalidade, violando os artigos 152º do Código Penal, por erro notório na apreciação da prova, erro consagrado no nº 2 al. c) do artigo 412º CPP.

  28. Estribando-se o douto Tribunal a quo, de modo exclusivo, nos depoimentos da testemunha menor L. R. que já nem se lembrava dos factos, apenas quando confrontada com as declarações prestadas na GNR durante o inquérito acabou por relembrar alguns factos, os quais se tivessem a gravidade necessária para o tipo de ilícito não se teria a testemunha esquecido dos mesmos, até se dos mesmos resultassem sequelas permanentes.

  29. Admitindo provada a matéria de facto constante dos pontos nº 3 a 6, o douto Tribunal a quo deveria ter alterado a qualificação jurídica dos factos, para um crime de ofensas à integridade física simples, pelo qual seria eventualmente condenado o arguido, absolvendo-o do crime de violência doméstica por ausência dos seus elementos típicos.

  30. Em suma, para a realização do crime torna-se necessário que o agente reitere o comportamento ofensivo, em determinado período de tempo, admitindo-se, porém, que um singular comportamento bastará para integrar o crime quando assuma uma dimensão manifestamente ofensiva da dignidade pessoal do cônjuge, o que in casu não ocorreu.

  31. No caso em apreço, uma análise dos factos dados como provados conduz-nos inelutavelmente à conclusão de que se não demonstraram os elementos constitutivos do tipo legal de crime de violência doméstica que foi imputado ao arguido, impondo-se, consequentemente, a sua absolvição, como bem decidiu o tribunal recorrido. (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo: 1011/11.6GBBCL.G1, Relator: FERNANDO CHAVES, de 10-09-2012, disponível em www.dgsi.pt), por equiparação ao caso dos autos.

  32. Assim, não é suficiente qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para o preenchimento do tipo legal, pelo que deve ser o arguido absolvido do crime de quem acusado, e a ser condenado pelo crime de ofensa...

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