Acórdão nº 64/20.0GACBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA COIMBRA
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães I.

Pelo Juiz de instrução criminal de Guimarães foi proferido o seguinte despacho: “Considerando o teor do requerimento apresentado e seus fundamentos, verificamos que o despacho de arquivamento em caso de dispensa de pena, com o qual foi obtida concordância judicial (cfr fls 233 e ss), não é suscetível de impugnação, razão pela qual, por inadmissibilidade legal da instrução – cfr artigo 287º, nº 3 do CPP, se rejeita o RAI.

Notifique.

(…)”*Inconformados recorreram os assistentes M. O. e J. G. para este Tribunal da Relação, concluindo o seu recurso do seguinte modo ( transcrição): 1. Nos Autos de Inquérito com o n.° 64/20.oGACBC, da Procuradoria da República da Comarca de Braga - DIAP - Secção de Cabeceiras de Basto, os ofendidos/assistentes/recorrentes M. O. e J. G., requereram a Abertura de Instrução, após terem sido notificados do teor do despacho de arquivamento, com dispensa de pena, proferido naqueles autos, relativamente, entre outros, aos factos ocorridos no dia 05 de Maio de 2020, integradores da prática do crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143°, n.° 1, do Código Penal.

  1. Sucede que, foi proferido douto despacho que rejeitou a admissão de tal requerimento por se ter entendido que, o mesmo, não é suscetível de impugnação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3, do artigo 287º, do Código de Processo Penal.

  2. Inconformados com tal douta decisão, os ofendidos/assistentes/recorrentes M. O. e J. G.

    apresentaram, nos autos, reclamação contra a prolação de tal douto despacho, uma vez que o mesmo estava ferido de nulidade por falta de fundamentação nos termos do artigo 97º, nº 5, do Código de Processo Penal.

  3. Decorridos mais de 10 dias sobre o envio de tal reclamação, através do qual os assistentes/recorrentes invocaram a irregularidade do aludido despacho que rejeitou o seu requerimento de Abertura de Instrução, verifica-se que o M.º Juiz de Instrução Criminal manteve nos termos sobreditos.

  4. Face a tal situação, os ofendidos/assistentes/arguidos M. O. e J. G.

    vêm, agora, recorrer de tal douto despacho, a fim de serem apreciados todos os argumentos, fundamentos e razões ali invocados, contra o arquivamento dos autos, por dispensa de pena, pelos factos integradores da prática do crime de ofensa à integridade física simples, praticados no dia 05 de Maio de 2020, uma vez que entendem que não estão preenchidos os requisitos necessários que permitissem a tomada de tal douta decisão.

    Questão prévia.

  5. O douto despacho recorrido, é intrinsecamente nulo, nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 97°, n.° 1, al. b) e n.° 5, 118°, n.° 1 e n.° 2 e 123°, todos do Código de Processo Penal, uma vez que o mesmo carece de fundamentação.

  6. O douto despacho está fundamentado apenas de direito - uma vez que se limitou a fazer uma simples remissão para o artigo 287°, n.° 3, do Código de Processo Penal - nada se dizendo, em tal douto despacho, sobre os motivos, as razões e os fundamentos de facto, que presidiram à referida rejeição do requerimento de abertura de instrução apresentada pelos assistentes.

  7. Nesta conformidade, como se disse, estamos perante um ato decisório, previsto no citado artigo 97°, n.° 5, do Código de Processo Penal.

  8. Contudo, a ausência de fundamentação do despacho que indeferiu o citado requerimento de abertura de instrução, nos termos do disposto no artigo 97°, n.° 5, do Código de Processo Penal, onde se estatui que: "os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito de tal decisão", constitui uma mera irregularidade que se considera apenas sanada, caso não seja arguida no prazo de três dias.

  9. Todavia, no caso em análise, como se referiu, sucede que tal irregularidade foi invocada no referido prazo de três dias, pelo que deveria a mesma ter sido reparada, através da prolação de um novo despacho devidamente fundamentado, quer de direito, quer de facto, para que os assistentes/ofendidos aqui recorrentes o pudessem sindicar, ao abrigo dos direitos constitucionais à defesa e ao recurso.

  10. Ora, tendo em conta que o M.° Juiz de Instrução, ao não ter reparado tal despacho, antes manteve, nos termos sobreditos, dentro do prazo de 10 dias, dúvidas não restam de que a referida irregularidade não foi sanada, e não tendo a mesma sido sanada, tal despacho é inválido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 118°, n.° 1 e n.° 2 e 123°, n.° 1, ambos do Código de Processo Penal, tendo ainda, mais violado o Princípio Constitucional estatuído no artigo 20° n.° 4, parte final, in casu o direito a um processo justo e equitativo: «a interpretação dos artigos 97º, n.º l e n.º 5; 118º, n.º l e n.º 2; 123º, n.º 1 e 287" n.º 1, n.° 2 e n.° 3, todos do Código de Processo Penal, segundo a qual o Juiz de Instrução Criminal pode rejeitar um requerimento de abertura de instrução, com uma simples remissão para o disposto no n.º 3, do artigo 287º, do Código de Processo Penal, não tendo de se pronunciar ou de fundamentar a sua decisão de forma prolixa, clara e percetível, sobre as questões jurídicas levantadas pelos requerentes de tal despacho, tal interpretação, viola os princípios constitucionais da igualdade, do direito à defesa e o direito a ter um julgamento justo e equitativo, nos termos do disposto nos artigos 13º, 18°, 20º, 32º, n.º 1 e n.º 7 e 205º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa».

    Fundamentação do Recurso.

  11. A inadmissibilidade legal da instrução é um conceito que abarca realidades distintas - sobre as quais se debruçou, de forma exaustiva, o douto Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.° 7/2005, de 12 de Maio de 2005, in www.dgsi.pt, o qual definiu de forma clara quais as situações que determinam a inutilidade da instrução.

  12. Em tal douto acórdão, descriminaram-se todas as situações em que da própria lei resulta, inequivocamente, que não é admissível a instrução, nomeadamente as seguintes: a) quando requerida no âmbito de processo especial - sumário ou abreviado (cfr. artigo 286.º, n.º 3, do Código de Processo Penal); b) quando é requerida por quem não tem legitimidade para o efeito – pessoas diversas do arguido ou o assistente, c) quando é requerida pelo arguido ou pelo assistente, mas fora dos casos previstos nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 287.º do Código de Processo Penal; d) quando o requerimento do assistente não configure uma verdadeira acusação; e) quando, requerida pelo arguido, se reporte a factos que não alterem substancialmente a acusação do Ministério Público, isto é, nos casos em que o assistente deduz acusação (artigo 284.º do Código de Processo Penal); f) quando, requerida pelo assistente, em caso de acusação pelo Ministério Público, se reporte a factos circunstanciais que não impliquem alteração substancial da acusação pública (artigo 284.º do Código de Processo Penal).

  13. Ora, aplicando tais doutos ensinamentos verifica-se que nenhuma delas se aplica ao caso em análise nos presentes autos.

  14. Motivo pelo qual, o M.° Juiz de Instrução criminal não podia ter rejeitado (como rejeitou) o referido Requerimento de Abertura de Instrução, com base no aludido no artigo 287°, n.° 1 e n.° 2, do Código de Processo Penal.

  15. Por outro lado, no douto despacho que rejeitou o aludido Requerimento de Abertura de Instrução, apresentado pelos aqui assistentes/recorrentes -o qual como se invocou anteriormente, não está devidamente fundamentado, motivo pelo qual não /\ os assistentes apenas se remete para o n.° 3, do artigo 287°, do Código de Processo Penal.

  16. Face ao teor do aludido despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução e à referência nele constante, mormente para o n.º 3, do artigo 287°, do citado diploma legal, é forçoso concluir que tal requerimento foi rejeitado porque o M.° Juiz de Instrução Criminal entendeu que a requerida instrução era inadmissível, embora sejam desconhecidos quais os fundamentos que presidiram a tal douta decisão.

  17. O n.° 3, do artigo 287°, do Código de Processo Penal, estatui que: "...requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução".

  18. Nesta matéria, cumpre sublinhar, desde já, e, em primeiro lugar, que o requerimento de Abertura de Instrução, apresentado pelos assistentes/recorrentes, não se enquadra em nenhuma das previsões estabelecidas no n.° 1 e no n.° 2, do artigo 287°, do Código de Processo Penal.

  19. Por outro lado, e em segundo lugar, tendo em conta que o n.° 3, daquele normativo legal, não especifica quais as situações que se enquadram na aludida inadmissibilidade legal do requerimento de abertura de instrução, automaticamente não se pode extrair a conclusão - quer por interpretação extensiva e/ou analógica - que o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos assistentes/recorrentes se enquadra em tal previsão legal.

  20. Sendo de sublinhar que, esta matéria, a opinião do Juiz de Instrução, emitida em momento anterior ao da decisão instrutória, não pode ser considerada apta a rejeitara abertura da fase processual da instrução, por não ter sido essa a opção do legislador.

  21. Não podendo o intérprete ou o julgador, distanciado de uma interpretação sistemática, criar novas causas de inadmissibilidade, para além daquelas que resultam diretamente da lei.

  22. Assim sendo, e como se disse anteriormente, não ocorrendo qualquer uma das situações de inadmissibilidade legal da instrução, supra descriminadas, não pode o requerimento destinado à abertura de instrução ser indeferido e/ou rejeitado.

  23. Pelo que, o M.° Juiz de Instrução Criminal, ao indeferir e rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos ofendidos/assistentes/arguidos, nos presentes autos, violou o disposto nos artigos 97°; 286° e 287°, n.° 1, n.° 2 e n.° 3, todos do Código de Processo Penal.

  24. ...

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