Acórdão nº 161/21.5GABNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Juízo Local Criminal de Benavente (J1) do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém corre termos o processo comum singular n.º 161/21.5GABNV, no qual foi o arguido JC, por sentença proferida em 17.05.2021, condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. p. art.º 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, por referência ao disposto no art.º 152.º, n.º 1 e n.º 3 e 153.º do Código da Estrada, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante global de 450,00 € (quatrocentos e cinquenta euros), tendo sido igualmente condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses e quinze dias

Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “I – O Tribunal a quo não valorou devidamente a retratação do arguido quando se dispôs a efetuar o teste de alcoolemia

II – O Tribunal a quo não valorou devidamente a confissão dos factos por parte do arguido

III - O Tribunal a quo considerou ter havido confissão agravando a pena e a pena acessória em vez de a aligeirar; IV - A fundamentação do Tribunal a quo é contraditória com a pena e a pena acessória aplicada; V - Nada fundamenta a aplicação ao arguido de uma pena e de uma pena acessória superiores aos mínimos legais

Deve, pois ser aplicada ao arguido uma pena e uma pena acessória não superior aos mínimos legais

NESTES TERMOS (…) deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta (…).” O recurso foi admitido

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo: “Veio, tão-só, o recorrente advogar que a pena principal e a pena acessória que lhe foram aplicadas se revelam “desproporcionais”, sem, contudo, adiantar qual o normativo legal que, no seu entender, foi violado pelo Tribunal a quo ao aplicar as penas que, no caso concreto, aplicou

Ainda assim, e porque se subentende que o recorrente sufraga que o Tribunal a quo terá violado o disposto no art.º 71.º/1 e n.º 2 do Código Penal, dir-se-á o seguinte: Conforme supra aduzido, o arguido JC foi condenado: (1) na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), perfazendo o montante global de 450,00 € (quatrocentos e cinquenta euros), sendo que a moldura penal correspondente ao crime que se reputa corretamente imputado ao arguido é pena de multa até 120 (cento e vinte) dias ou pena de prisão até 1 (um) ano - cfr. art.º 348.º/1 do Código Penal; e (2) na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias, sendo que a moldura penal correspondente à pena acessória em causa tem como limite mínimo 3 (três) meses e como limite máximo 3 (três) anos – cfr. art.º 69.º/1 do Código Penal

Não se olvide, ainda, de que a pena de multa atinente ao ilícito criminal em escrutínio tem como limite mínimo 10 (dez) dias e como limite máximo 120 (cento e vinte) dias - cfr. art.º 47.º/1 e 348.º/1 do Código Penal

Defende, pois, o recorrente, em suma, que: (i) não possui antecedentes criminais (cfr. art.º 33.º da motivação do recurso interposto); (ii) se retractou, “mostrando arrependimento no momento seguinte à consumação do crime de desobediência” (cfr. art.º 24.º da motivação do recurso interposto); e (iii) confessou a prática dos factos (cfr. art.º 30.º da motivação do recurso interposto)

Ora, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que, em face da prova carreada para os autos e da prova produzida em audiência de discussão em julgamento, as penas concretas aplicadas ao arguido pelo Tribunal a quo - 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), perfazendo o montante global de 450,00 € (quatrocentos e cinquenta euros) e a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias - se revelam adequadas e doutamente doseadas, não merecendo, pois, qualquer crítica

(…) Assim sendo, regressando ao caso concreto, atente-se no seguinte: Pesam a desfavor do arguido os seguintes factores: - o arguido atentou contra a autonomia funcional do Militar da Guarda Nacional Republicana que ordenou a submissão daquele ao teste de alcoolemia ao ar expirado. De facto, ao recusar, de forma ilegítima e infundamentada, a realização do sobredito teste conforme ordenado por autoridade competente para o efeito, o arguido violou, incontornavelmente, o bem jurídico protegido pela norma incriminadora (in casu, a proteção da função de autoridade pública). Pelo que, não subsistem dúvidas de que são prementes as necessidades de prevenção geral; - o arguido actuou com dolo directo, pese soubesse que sobre si impendia o dever de de submissão às provas estabelecidas para exame e detecção de álcool no sangue, conforme havia sido devidamente advertido pelo Militar autuante (cfr. previsto no art.º 152.º/1 alínea a) do Código da Estrada); - a postura adoptada pelo o arguido durante a audiência de discussão e julgamento. Com efeito, o arguido não prestou declarações no início da audiência de julgamento (cfr. consta da acta de audiência de discussão e julgamento em Ref.ª 86810297 e respectivo suporte digital). Destarte, foi ordenada a produção da demais prova, tendo sido inquiridos os dois Militares da GNR arrolados pelo Ministério Público, os quais prestaram depoimento de forma espontânea, isenta, objectiva e clara, merecendo toda a credibilidade do Tribunal a quo. A final, o arguido manifestou apetência em prestar declarações, tendo no âmago admitido a prática dos factos, adoptando, contudo, uma postura desculpabilizante, sustentando “desconhecer, porque não percebe de leis, que (…) era obrigado a soprar o balão”, pese “tivesse carta há quase 30 anos” (cfr. 01:39 min. ao 01:49 min. da gravação junta aos autos realizada no dia 17/05/2021). Todavia, a tentativa de escamotear e camuflar os factos não foi merecedora de qualquer credibilidade, ficando, indubitavelmente, arredada a possibilidade de qualificar as declarações prestadas a final pelo arguido como “confissão integral e sem reservas”; e - o modo de execução do crime em causa, realçando-se o facto de ter sido perpetrado na sequência do cometimento de uma contraordenação estradal à frente de um estabelecimento de ensino público, conforme admitido pelo próprio recorrente

Por sua vez, pesam a favor do arguido os seguintes factores: - o facto de se encontrar social e familiarmente inserido; e - a ausência de antecedentes criminais

Ora, acompanhando o doutamente decidido pelo Tribunal a quo, sopesadas as circunstâncias acima elencadas, atendendo à moldura penal abstractamente aplicável e à luz dos critérios supra enunciados, afigura-se-nos, assim, razoável, adequada e proporcional a condenação do arguido na pena não privativa da liberdade de 90 (noventa) dias de multa

Aqui chegados, alcançamos, assim, o segundo momento do processo de determinação da pena concreta, o qual se traduz na fixação do quantitativo diário correspondente a esta pena de multa

Atente-se, que todas as considerações atinentes, quer à culpa, quer às exigências de prevenção, devem exercer, unicamente, influência sobre a determinação do número de dias de multa, já não relevando para a fixação do quantitativo diário. Na determinação deste, atender-se-á à situação económico-financeira do arguido. Assim reza o artigo 47.º/2 do Código Penal

Deste modo, pretende-se assegurar a igualdade de ónus e sacrifício da aplicação de uma pena de multa face a pessoas que apresentem diferentes níveis de rendimento

Contudo, não se deverá obnubilar de que, a fixação do montante diário da pena de multa, dentro dos limites legais, “não deve ser doseada por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade”

Com efeito, não se ignora o facto de o arguido: (1) se encontrar desempregado (pelo menos desde o mês de Agosto de 2020, tendo desempenhado até à data a actividade de …); (2) ser solteiro e residir com os respectivos progenitores, na casa destes; (3) não auferir subsídio de desemprego; (4) ter o 12.º ano de escolaridade e ter frequentado o 2.º ano do curso de gestão imobiliária; (5) ser proprietário do veículo automóvel da marca “…”, modelo “…”, do ano de …

Pelo que, a quantia correspondente a cada dia de multa dever-se-á fixar nos limiares mínimos aplicáveis

Ora, de harmonia com o disposto no artigo 47.º/2 do Código Penal, a cada dia de multa corresponde uma quantia entre 5,00 € (cinco euros) e 500,00 € (quinhentos euros)

Considerando as condições económico-financeiras do arguido, afigura-se-nos adequado, proporcional e razoável fixar o montante diário da pena de multa em 5,00 € (cinco euros) – ou seja, no mínimo legal - conforme doutamente decidido pelo Tribunal a quo. Pelo que, também nesta parte a Sentença recorrida não é merecedora de qualquer reparo

Dir-se-á, ainda, que a pena aplicada não se afigura manifestamente elevada, atenta a moldura penal abstratamente aplicável, encontrando-se ainda distante dos seus limites máximos (tendo sido aplicado 90 dias de multa, correspondendo o máximo a 120 dias)

É certo que o arguido não possui antecedentes criminais, contudo, tal facto não “apaga” os demais factores que pesam a seu desfavor, conforme supra explanado

Ademais, viver em sociedade e não praticar crimes é o mínimo exigível a qualquer cidadão, pelo que, a ausência de condenações averbadas no registo criminal não significa a aplicação automática do limite mínimo da pena ao arguido. Ao invés, pressupõe a conjugação com os demais elementos que deverão ser sopesados na determinação de pena concreta, não podendo, no caso em apreço, ser valorado como um forte factor atenuante da pena, considerando o bem jurídico violando, a não confissão...

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