Acórdão nº 410/20.7PBEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Juízo Local Criminal de Évora (J2) do Tribunal Judicial da Comarca de Évora corre termos o processo comum singular n.º 410/20.7PBEVR, tendo no mesmo o arguido JR, nascido a …, filho de FR e de CR, natural da freguesia da …, concelho de …, residente na Rua …, em …, sido condenado nos seguintes termos (reprodução): “

  1. Condenar o arguido (…) pela prática, na pessoa de PP, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), nºs. 2, 4 e 5, do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, a monitorizar pela DGRSP

  2. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos por qualquer meio e na pena de afastamento da vítima, durante os primeiros 12 meses da suspensão da pena, contudo fiscalizado por meios de vigilância electrónica apenas pelo período de 6 meses

  3. Condenar o arguido na pena acessória de obrigação de frequência de programa especifico de prevenção da violência doméstica, a monitorizar pela DGRSP

  4. Condenar o arguido nas custas criminais que fixo em 2 UC´s

  5. Julgar o pedido cível parcialmente procedente, e condenar o arguido demandado a pagar à assistente demandante a quantia de € 850,00, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação para o PIC e até integral pagamento

  6. Condenar arguido e assistente nas custas cíveis do processo, se a elas houver lugar, fixando-se o decaimento em 60% para a assistente e 40% para o arguido.” Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “I. Nos termos e para os efeitos do art.º 410.º n.º 2 do C.P.P. enferma a douta decisão de que ora se recorre, de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova bem como de nulidade cfr. art.º 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P

    1. O Arguido explicou ao Tribunal, em depoimento isento, os factos que confessou e algumas circunstâncias dos mesmos

    2. Foram mal interpretadas pelo Tribunal “a quo”, as provas dos Autos, e não houve apreciação da demais prova produzida nos Autos

      IV.O Tribunal “a quo” porque nenhuma prova foi feita de tais factos e atendendo ao principio do in dúbio pro reo, nunca o tribunal poderia ter dado como provado a seguinte fctualidade: 1. Por não ter aceitado a justificação de PP, JR agarrou no braço direito da mesma e, exercendo força muscular, puxou-a, forçando-a a subir as escadas, enquanto dizia “onde estiveste?”, “com quem estiveste?”, “porque chegaste tarde?”

      1. Já no interior da residência, na cozinha, na sequência da discussão verbal, JR pôs as mãos no pescoço de PP e, exercendo força, empurrou-a contra uma parede

      2. De seguida, na presença da menor L, JR encostou o seu corpo ao de PP e, exercendo força muscular, empurrou-a, fazendo-a bater com o braço numa parede

      3. Entre Junho e Julho de 2019, em várias ocasiões, JR dirigiu-se ao quarto onde PP se encontrava a dormir com as filhas de ambos e acordou-a, impedindo-a de descansar

      4. No dia 15 de Março de 2020, pelas 09H30, nas imediações da …, em …, JR abordou PP, que por ali passava, e disse-lhe “és a maior puta de …”, “metes homens lá em casa”, “és uma ordinária”, “qualquer dia levas uma sova na rua”

      5. Simultaneamente, por diversas vezes, JR pôs as mãos no corpo de PP e, exercendo força muscular, empurrou-a

      6. Ainda no dia 15 de Março de 2020, mais tarde, fazendo-se transportar num veículo, JR passou por PP, que caminhava, e disse-lhe “és uma puta”, “ordinária”, “vou-te fazer a vida negra, vou descobrir onde estás a trabalhar e vou dizer às pessoas o tipo de pessoa que és”

      7. Por ter sentido receio, PP começou a caminhar apressadamente, tendo sido seguida por JR

      8. Acto contínuo, exercendo força muscular, JR desferiu um soco na face de PP, que, em consequência, caiu ao chão

      9. Em consequência directa e necessária da conduta de JR, PP sofreu de sufusão hemorrágica no maxilar inferior esquerdo, de dores físicas e de mal-estar psicológico, lesões que determinaram 14 dias de doença sem afectação da capacidade para o trabalho

      10. Ao agir da forma descrita, o arguido JR sabia que molestava a saúde física de PP, que a ofendia na sua honra e consideração, que fazia com que ela receasse pela sua vida, que abalava a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio e a sua dignidade, ou seja, sabia que lhe provocava grande sofrimento físico e psíquico, o que pretendeu e fez de forma reiterada

    3. Tal como o digníssimo Procurador do Ministério Público referiu em sede de alegações finais e que pode ser comprovado pela gravação que se encontra das 17:10:23 às 17:27:48 do dia 27-09-2021, do segundo 27 a 30, “Em termos gerais parece-me que é credível a versão dos factos que o Arguido aqui trouxe. E porquê? Porque assumiu alguns dos factos que lhe são imputados, de forma natural, parece-me que sem motivo de que se duvide daquilo que disse.” - negrito e sublinhados nossos. “As versões em confronto são a do Arguido e da Ofendida. A versão da ofendida é descredibilizada com a sua postura processual. (…) a ofendida relatou um facto neste julgamento que nunca o fez antes e tratando-se de factos desta gravidade e do crime que tem a projecção publica, que gera a discussão publica que todos sabemos, não pode interpretar-se benignamente essa omissão mesmo que seja negligente (vide gravação das alegações do senhor Procurador ao minuto 3:05). Porque essa omissão omite um facto que de algum modo retiraria gravidade daquilo que atribui ao Arguido”. - negrito e sublinhados nossos II. Tendo sido mal interpretadas, pelo douto Tribunal “a quo”, as provas carreadas para os Autos, maxime, as ora indicadas e transcritas e feita uma análise crítica de todos os depoimentos, o que permitiria identificar a ausência de preenchimento de elementos do tipo referentes ao crime de violência doméstica, andou também mal o Tribunal “a quo” quando não deu relevância ao depoimento do Arguido, não o valorando ou justificando a sua não valoração, com a sua consequente nulidade

    4. A contradição entre a fundamentação e a decisão é patente na medida em que o Tribunal “a quo” dá como provados factos não corroborados e meramente relatados pela suposta vítima

    5. Deste modo, apenas se poderá concluir que as provas supra transcritas, a terem sido apreciadas, ou pelo menos, devidamente criticadas pelo Tribunal “a quo” levariam a decisão diversa, não só quanto aos factos provados e não provados, mas também no preenchimento do tipo legal do crime, e na concretização das diversas medidas das penas aplicadas ao Arguido

    6. Tais factos, levam a que se torne imperativo, a reanálise da prova produzida, não só quanto aquela que foi usada pelo Tribunal “a quo” mas também, e essencialmente, daquela que o Tribunal “a quo” ignorou na sua decisão, não proferindo qualquer juízo crítico sobre as mesmas, como lhe era imposto, resultando em erro sobre a apreciação da prova

    7. Perante a prova produzida, o tribunal não poderia se não ter ficado em dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, o princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa

    8. O Tribunal “a quo” usa de factos que considerou como provados, redigindo-os apenas como forma de preencher o tipo legal em causa, o que não pode ser permitido

    9. A prática dos factos descritos na acusação, na parte em que coincidem com a confissão do Arguido, foram praticados sem qualquer tipo de dolo, nem o Tribunal “a quo” refere qualquer base para essa mesma conclusão do dolo, remetendo-se ao jargão jurídico de que o Arguido actuou livre, consciente e voluntariamente, não podendo, por isso ser alvo de qualquer punição

    10. A MEDIDA DA PENA, não pode exceder, a MEDIDA DA CULPA do agente, pelo facto que praticou

    11. E que a CULPA decide, a MEDIDA DA PENA

    12. Finalmente, diremos, por ser pacífico, que a PUNIBILIDADE depende da ilicitude e da culpa

    13. A forma como o Tribunal “a quo” decidiu não poderemos atingir os desideratos apontados supra

    14. Há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente - devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo - e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção - Cfr. art.º 71.º do Código Penal

    15. O Tribunal “a quo” não justifica, pena a pena, quais os motivos determinantes na fixação de cada uma, em clara violação da supra citada norma legal

    16. O Tribunal “a quo” violou, como se pretende demonstrar, o disposto no art.º 71.º do Código Penal, por incorrecta e imprecisa aplicação, desde logo porque ignorou, e não valorou, ou pelo menos tal não decorre do aresto ora posto em crise, pois ignora a prova carreada nos autos

    17. As demais circunstâncias eventualmente atenuantes referentes ao arguido são totalmente desconsideradas, nem apreciadas, criticamente, o que é manifestamente surpreendente e infundado

    18. Os fundamentos da medida da pena aplicada devem constar expressamente da sentença assim impondo os art.ºs 205.º n.º 1 da C.R.P. e ainda os art.ºs 374.º n.º 2, e 375.º n.º 1 do Código de Processo Penal e 71.º n.º 3 do C.P.

    19. E viola ainda com tal actuação, o Tribunal “a quo” relevantes princípios da actuação penal, nomeadamente o princípio da necessidade previsto art.º 18.º da C.R.P. e art.º 72.º do Código Penal

    20. Atendendo à expectativa e à necessidade de uniformidade na actuação penal parece-nos manifesto que andou mal o Tribunal “a quo” ao condenar o recorrente numa pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, a monitorizar pela DGRSP

    21. O Tribunal desconsiderou, a confissão do Arguido de alguns factos, e dos correspectivos estados de alma sem, salvo melhor opinião, existir motivo para tal, e sem fundamentar devidamente essa opção

    22. A existir condenação pelos factos...

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