Acórdão nº 534/20.0PALGS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Fevereiro de 2022

Data08 Fevereiro 2022

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora: I No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 534/20.0 PALGS, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Lagos, Juiz 2, mediante acusação pública, foi submetido a julgamento o arguido BC, (devidamente identificado nos autos), e por sentença proferida e depositada em 02.02.2021, foi decidido: “(…) 1. Condenar o arguido BC, pela prática, pela prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo Art.º 86, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de sete meses de prisão

  1. Condenar o arguido BC, pela prática da contra-ordenação de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo Art.º 97, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na coima de quatrocentos euros

    (…).”

    Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: “I - O Recorrente não recebeu a notificação da acusação nem a que designa data para a audiência de discussão e julgamento

    II - O recorrente foi julgado na ausência, por se considerar notificado, e em consequência foi proferida decisão condenatória – prisão efectiva

    III - A notificação com a data da audiência não foi entregue ao destinatário, no entanto foi devolvida ao remetente a prova por depósito com a informação de " depositada no receptáculo postal domiciliário da morada acima descrita a notificação a ela referente, dia 04/12/2021", mas a verdade é que inexistiu, em absoluto, a notificação na pessoa do arguido para que o mesmo pudesse comparecer, pelo menos no dia do julgamento

    IV - O arguido reside em habitação social cedida pela câmara há cerca de 20 anos e em Janeiro do ano transacto deu conta à Técnica gestora da urbanização, de que lhe haviam destruído a caixa de correio, conforme declaração emitida por esta, que com o devido respeito se junta bem como foto anexa (Doc 1 e 2 juntos)

    V - Não sendo possível mandar repará-la a custas suas por imposição camarária, até à presente data ainda não houve lugar à sua reparação/substituição

    VI - O arguido queixou-se já do extravio de correspondência a até mesmo de encomendas, tendo para o efeito apresentado uma reclamação, justificando não o ter feito antes por pensar que a reparação fosse efectuada com brevidade

    VII - Existe assim uma nulidade absoluta insanável, a prevista no artº 119º, al. c) Código de Processo Penal, decorrente de uma notificação efetuada incorretamente, por razões que não se podem imputar ao ora Recorrente

    VIII - O exercício do contraditório por parte do arguido não foi cumprido da forma que exige a estrutura acusatória do processo penal, pelo que o despacho sob recurso incorreu na violação do artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5, da C.R.P

    IX - Assim, tem o Recorrente direito a que se efetue uma notificação da acusação e que corram depois, normalmente, os demais trâmites

    X - De acordo com artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso e, nos termos do nº 5 do mesmo artigo da C.R.P., o processo criminal tem estrutura acusatória, estando assim subordinados ao princípio do contraditório a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar

    XI- Finalmente, de acordo com nº 6 do artigo 32.º da C.R.P., a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento, mas que, porém, nunca se poderia aplicar ao presente caso

    XII - Por outro lado, compulsado o texto da decisão decorrida, no tocante ao CRC do arguido, verifica-se que o arguido sofreu no acórdão que lhe antecede – Processo nº 654/13.8PALGS, do Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 3 , uma condenação pelo crime de homicídio. Tal não é verdade, já que vide o referido acórdão, o arguido foi condenado na forma tentada no crime de homicídio, o que lhe valeu uma pena suspensa, situação para a qual se requer desde já correcção. Sabemos tratar-se de um erro, mesmo que tal referência resulte da circunstancia do processo ter sido erradamente comunicado aos serviços do boletim do registo criminal

    XIII - Impõe-se pois, alterar o teor do ponto 10 da matéria de facto dada como provada, o que desde já se requer, atentos os poderes desse Venerando Tribunal da Relação de acordo com o disposto no art. 431 a) do CPP

    XIV - Em violação do disposto no artigo 70º do CP, o Tribunal a quo optou por uma pena privativa da liberdade, quando uma pena de multa (não privativa da liberdade), ou mesmo uma pena de prisão suspensa na sua execução, realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição

    XV- O arguido tem actualmente 44 anos, vive com a companheira e com o filho de ambos 12 anos de idade; o arguido é … de profissão, mas face à actual situação encontra-se desempregado; a companheira trabalha como …. num …, aufere o salário mínimo nacional (actualmente em layoff); o filho frequenta o 6º ano, na escola …, pelo que submeter o arguido, neste momento, a uma pena privativa de liberdade, não parece ser proporcional à gravidade do facto e à perigosidade do agente, muito menos contribuirá para a reintegração do agente na sociedade

    XVI - Disposições violadas: Artigos 40º, 70º e 71 do Código Penal, artº 119º b), 2ª parte e c) CPP, 32.º, n.º 1 e n.º 5, da C.R.P

    NESTES TERMOS e nos mais que Vªs. Exªs. suprirão deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência deverá a douta Sentença recorrida ser anulada e determinado o reenvio do Processo, nos termos do nº 1 do artigo 426º-A do C.P.P.”

    Admitido o recurso interposto pelo arguido e notificados os devidos sujeitos processuais, o Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao mesmo, alegando, em síntese, o seguinte: “1. Não se verifica qualquer falta de notificação da acusação e da data do julgamento, o que desde logo, implica que inexiste qualquer nulidade

  2. Deverá ser alterada, a nosso ver, o ponto 10 da matéria de facto dada como provada, de acordo com prova a fazer ou existente nos autos

  3. Inexistência de violação do disposto no artigo 70.º do Código Penal e, nessa medida, a pena aplicada in casu é ajustada, adequada e proporcional, tendo a sua determinação sido correcta e de acordo com os critérios legais plasmados nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal

    Face ao exposto, não nos merece qualquer crítica a douta decisão ora recorrida, a não ser a alteração do ponto 10 matéria de facto, conforme prova nos autos

    Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, e salvo melhor opinião, o recurso deverá ser parcialmente procedente.”

    Remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando o teor do articulado de resposta oferecido na primeira instância e concluindo pela improcedência do recurso

    Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido feito uso do direito de resposta

    Foi efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais

    Foi realizada a Conferência

    Cumpre apreciar e decidir

    II Como é sabido o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº...

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