Acórdão nº 284/20.8GBMMN.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO 1. No 1.º Juízo (1) Central Cível e Criminal de Évora do Tribunal Judicial da comarca de Évora procedeu-se a julgamento em processo comum perante tribunal coletivo de RB, nascido a …, solteiro, …, residente no …, em …, com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a prática, como autor, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto nos artigos 131.º, 132.º, § 1.º e 2.º, alínea b) do Código Penal (CP), com referência aos artigos 22.º, 23.º e 73.º do mesmo código

Foi apresentado um pedido cível por banda do Hospital de Évora, pelo qual se requereu a condenação do arguido a pagar as despesas decorrentes do tratamento de AC, e juros moratórios, em consequência da conduta imputada àquele

O arguido apresentou contestação oferecendo o merecimento dos autos e arrolou testemunhas

No início da audiência de julgamento o arguido foi ouvido para se pronunciar, querendo, sobre o arbitramento de quantia para reparação dos prejuízos sofridos por e AC, nos termos do disposto no artigo 67.º-A, § 1.º, al. b) e § 3.º do Código de Processo Penal (CPP), em conjugação com o disposto no artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/15, de 4/09, nada tendo requerido. Por seu turno, ouvida a referida AC, declarou não se opor ao arbitramento de indemnização

A final o tribunal coletivo proferiu acórdão, na qual condenou o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto nos artigos 131.º, 132.º, § 1.º e 2.º, alínea b) CP, com referência aos artigos 22.º, 23.º e 73.º do mesmo código, na pena de 6 anos de prisão; e arbitrou a AC a quantia de 3 500€, nos termos dos artigos 483º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.ºs 1, e 3, do Código Civil, artigos 1.º, alíneas b), e j) e 82.º-A, do CPP e artigo 16.º, n.ºs 1, e 2, da Lei n.º 130/2015, de 4/09

  1. Inconformado, veio o arguido interpor recurso, rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões (transcrição): «I) Do facto provado n.º 10 – artigos 3.º a 17.º da motivação a) O Tribunal a quo julgou como provado que: “Na sequência dessa discussão, RB, fazendo uso de uma faca de cozinha que tinha na sua mão direita, com uma lâmina de serrilha com 11,3cm de comprimento, com cabo de madeira com 9,5 cm de comprimento, desferiu um golpe na zona lateral esquerda do tórax de AC”

  2. Da acusação e pronúncia resultava/constava indiciado do n.º 11) que: “Acto contínuo, RB, pegou numa faca de cozinha que ali se encontrava, com uma lâmina de serrilha com 11,3cm de comprimento, com cabo de madeira com 9,5 cm de comprimento, e desferiu um golpe na zona lateral esquerda do tórax de AC”; c) Tendo surgido no processo novos factos durante o julgamento, não foi dado cumprimento ao disposto nos artigos 358.º e 359.º do CPP

  3. O Tribunal a quo, ao considerar provado o facto n.º 10 do Acórdão - “fazendo uso de uma faca de cozinha que tinha na sua mão direita” (sublinhado nosso) -, ao invés do que constava na acusação e pronúncia, e corroborado pelo arguido e pela própria ofendida - “pegou numa faca de cozinha que ali se encontrava” (n.º 11 da acusação – sublinhado nosso) – agiu em manifesto erro, excesso e contradição, violando os artigos 358.º e 359.º do CPP

  4. O Acórdão recorrido cria uma factualidade diferente daquela que constava da acusação/pronuncia, já que, uma coisa é “tinha na mão”, outra bem diferente é “pegou numa faca que ali se encontrava”, não tendo sido concedida ao arguido a possibilidade do contraditório violando-se o principio fundamental da vinculação temática

  5. A Factualidade desta forma dada como provada, modifica por completo e na sua essência qualquer interpretação efectuada e prejudica manifestamente os direitos de defesa do Recorrente

  6. Pelo que, consideramos, para efeitos do disposto nos artigos 410.º n.º 2 al.s b) e c), 412.º n.º 3 al. a), 358.º e 359.º do CPP, que o mesmo foi incorrectamente julgado e dado como provado da forma como o foi, porquanto existe contradição insanável entre o mesmo e o consignado na al. C) dos factos não provados; h)Devendo-se, isso sim, dar-se apenas e tão só, como provado o facto constante da al. C) dos factos não provados, mantendo-se a acusação/pronúncia nesta parte, com as demais consequências legais

    II) Da não concretização/insuficiência da matéria final constante no n.º 17 dos factos provados. – artigos 18.º a 28.º da motivação

  7. O Tribunal a quo não estabeleceu o nexo de causalidade entre os pontos n.ºs 16 e 17 do acórdão em crise

  8. Não consta dos citados números o “porquê” de a ofendida haver recebido atempadamente a assistência médica considerada adequada

  9. Omitido a “conditio sine qua non”, essencial e indispensável, para que a ofendida tivesse recebido tal assistência, não estabelecendo a relação factual (fundamental) entre o comportamento/conduta espontâneo/arrependimento activo do Recorrente e o resultado

  10. Foi a actuação arrependida, esforçada, espontânea e proactiva do Recorrente que, ao ter estancado o ferimento, ao ter realizado as várias chamadas para a linha de emergência e ao ter acompanhado a ofendida até à chegada do socorro, determinaram o “salvamento” da ofendida e a chegada tempestiva da assistência médica, pelo que deve ser aditado à parte final do ponto n.º 17 dos factos provados, o seguinte: -“ … que só não se verificou em primeiro lugar pela conduta do arguido referida no descrito em 16., que determinou, atempadamente, a assistência médica adequada.” (sublinhado nosso)

  11. Pelo que, nos termos e para os efeitos dos artigos 410.º n.º 2 al.s b) e c) e 412.º n.º 3 al. a) do CPP, o número 17 foi incorrectamente julgado e erradamente dado como provado, da forma como o foi, devendo o seu teor ser alterado em conformidade com o requerido, passando a dele constar -“ … que só não se verificou em primeiro lugar pela conduta do arguido referida no descrito em 16., que determinou, atempadamente, a assistência médica adequada.” (sublinhado nosso)

    QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO III) Da ausência de circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade – art.º 132.º, n.ºs 1 e 2 do C.P. – artigos 29.º a 67.º da motivação

  12. A qualificação da condenação do Recorrente pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada assentou na circunstância de se encontrar preenchida a al. b), do n.º 2 do citado artigo – “Praticar o facto contra … com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro …”

  13. A especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente fundamenta-se na existência de um maior grau de culpa, baseada esta no preenchimento de pelo menos uma, das circunstâncias elencadas no art.º 132.º, n.º 2 do CP

  14. O Recorrente e a Ofendida namoravam há cerca de dois anos, sendo que ambos viviam em casa dos respectivos progenitores, não partilhavam cama, mesa e habitação, circunstâncias intrínsecas à conjugalidade

  15. Embora tenha sido considerado e dado como provado a relação amorosa não é indiferente o grau de intensidade da relação, que dão menor ou maior força, e que preenchem os critérios de censurabilidade para que seja considerado “namoro”

  16. Dos factos provados, na factualidade global dos mesmos, não se encontra a particular forma de culpa que justifica a qualificação prevista no n.º 1 do art.º 132.º do CP, t) Resulta dos autos que existiu uma discussão entre o Recorrente e a Ofendida e que nessa sequência o Recorrente mandou o telemóvel da A para o chão e a Ofendida reagiu “agarrando o Arguido pelo braço e dizendo “Se sabes atirar para o chão, também o sabes apanhar, por isso, apanha o telemóvel.” (facto provado n.º 9 do Acórdão)

  17. Foi no âmbito de uma situação específica de conflito consubstanciada na discussão travada com a Ofendida que o Recorrente acabou por lhe desferir o golpe com uma faca (um só golpe), para, de imediato e após perceber o que tinha feito, socorrer a Ofendida, denotando um claro arrependimento do ato perpetrado já que tal como consta da al. D) dos factos dados como não provados não se logrou provar que o “arguido agiu com o propósito alcançado de atentar contra a vida de AC.” v) É inequívoco que o Recorrente agiu na sequência de um impulso emocional súbito e não num seguimento de um plano criminoso

  18. Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o quadro factual de circunstâncias, não permite o preenchimento da qualificação da especial perversidade ou censurabilidade

  19. Ao qualificar o crime em causa nos termos dos n.ºs 1 e 2 al. b) do art.º 132.º do C.P. o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do direito

    a

  20. Incorrendo no vício de interpretação/aplicação de lei a que se reporta o art.º 412.º n.º 2 do C.P.P., ilegalidade que se invoca e deixa expressamente arguida para todos os devidos e legais efeitos, devendo o ilícito em causa ser penalmente desqualificado

    IV) Da violação dos pressupostos dos art.ºs 22.º, n.º 1 e 2, al. b), 23.º e 24.º do C.P. – artigos 68.º a 102.º da motivação

    ab) Consta dos factos provados, n.º 16 do citado Acórdão o seguinte: “Após esta situação, RB tentou estancar o sangue do ferimento que provocara em AC, tendo telefonado várias vezes para a linha de emergência do 112 e tendo acompanhado a mesma até à chegada do socorro;”

    ac) O Tribunal a quo, não avaliou o quadro factual na sua globalidade, nem ponderou pelo preenchimento do disposto no art.º 24.º do C.P., incorrendo em erro de julgamento

    ad) Resulta provado, em face das declarações do Arguido, da Ofendida, bem como do Bombeiro que prestou socorro e do perito, que o Arguido nunca abandonou a Ofendida. (2) ae) Isto é, o Arguido, ao tomar consciência da sua conduta, efectuou atempadamente tudo o que estava ao seu alcance para proteger e salvaguardar a integridade física da Ofendida, o que logrou conseguir

    af) O arguido ligou, várias e repetidas vezes, para o INEM, estancou a ferida até à chegada do socorro, acompanhou sempre a Ofendida e forneceu tudo o que lhe era pedido/solicitado, sendo que a sua actuação foi fundamental para...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT