Acórdão nº 359/20.3YHLSB.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelTIBÉRIO NUNES DA SILVA
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: - A - Tendo sido proferido, por ora relator, despacho, no qual se decidiu não conhecer do objecto da revista, por inadmissibilidade desta, veio EXELTIS HEALTHCARE, S. L., Ré e Recorrente nos autos, reclamar para a Conferência, requerendo que, sobre a matéria, recaia um acórdão que admita o recurso de revista, porquanto, em síntese, a questão da competência por conexão é, ainda assim, uma questão de competência material e, como tal, sujeita à regra de recorribilidade prevista no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, e, mesmo que se considere que a atribuição de competência ao juiz da acção é feita por conexão, o que ela consubstancia é a atribuição a este e em exclusivo da competência material para apreciar e decidir o procedimento cautelar instaurado na pendência da mesma.

RICHTER GEDEON VEGYESZETI RT, Autora e Recorrida, veio responder à reclamação, pugnando pela manutenção do que foi decidido em singular.

Importará recordar o teor do despacho reclamado: «I RICHTER GEDEON VEGYESZETI GYAR RT, com os sinais dos autos, veio, ao abrigo do disposto no artigo 345.º do Código da Propriedade Industrial, requerer, perante o Tribunal da Propriedade Intelectual, procedimento cautelar comum contra EXELTIS HEALTHCARE, S.L.

, também com os sinais dos autos, alegando, em resumo, que: A Autora faz parte de um grupo multinacional farmacêutico, sendo, entre os maiores de pílulas anticoncepcionais, o fabricante farmacêutico líder de mercado na ... e tendo também uma posição de relevo no mercado nacional.

É titular da Patente Europeia nº 1448207 (EP 207), com a epígrafe “Composição farmacêutica e regime de dosagem para a contracepção de emergência”.

A EP 207 situa-se no domínio da contracepção de emergência e reivindica o uso de uma composição com dose única, contendo 1,5 ± 0,2mg de levonorgestrel como ingrediente ativo na contraceção de emergência, seguindo um esquema de administração que consiste em administrar a dose única de 1,5 mg nas 72 horas após o coito ou relação sexual não protegidos.

A invenção em apreço visa prevenir uma gravidez não desejada e que deve ser evitada por todos os meios.

No legítimo exercício do seu direito de propriedade industrial, a Autora não conferiu qualquer autorização à Ré, nem esta última a solicitou, para explorar o direito da Autora advindo da titularidade da EP 207.

Em 18-10-2019, a Ré Exeltis Healthcare, S.L. solicitou uma Autorização de Introdução no Mercado (AIM) para um medicamento genérico com a substância activa levonorgestrel, comprimido na dosagem de 1,5 mg, tendo por medicamento de referência o Postinor®.

Após consulta ao site do INFARMED, constatou a Autora que o mencionado pedido foi autorizado em 06.04.2020, sendo que o medicamente genérico da Ré, designado Navela, já se encontra actualmente em comercialização do genérico levonorgestrel Navela, comprimido com dosagem de 1,5 mg, representando, assim, uma violação actual e em curso do direito de propriedade industrial da Autora, traduzindo-se num aproveitamento ilegítimo da sua invenção.

Não tendo a Ré obtido nenhuma autorização, por parte da Autora, para proceder à exploração, por qualquer forma, da invenção patenteada, tem a Autora, nos termos do art. 102.º do CPI, não só o direito exclusivo de explorar a patente em qualquer parte do território português, como também o direito de impedir o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no mercado, utilização ou a importação para quaisquer um destes fins do genérico levonorgestrel Navela.

Pediu que fossem decretadas as seguintes medidas cautelares: «1) Intimação da Requerida para suspender imediatamente a oferta e/ou fornecimento do medicamento genérico levonorgestrel Navela a toda e qualquer entidade, pública ou privada, com competência para o comercializar e/ou fornecer, designadamente hospitais, clínicas médicas, farmácias, entre outros, bem como assim qualquer outra conduta nos termos do art. 101.º n.º 2 do CPI esteja a ser praticada junto dessas entidades; 2) Intimação da Requerida para retirar imediatamente do mercado português, a suas expensas, os medicamentos genéricos levonorgestrel Navela que já tenham sido fornecidos; 3) Intimação da Requerida para informar qualquer das entidades supra referidas a quem tenham sido oferecidos e/ou fornecidos os medicamentos genéricos levonorgestrel Navela, de que a oferta, o fornecimento e/ou a comercialização do mesmo são ilícitos; 4) Intimação da Requerida para se abster de oferecer, fornecer, importar, fabricar, armazenar, comercializar ou usar o medicamento genérico levonorgestrel Navela ou, sob qualquer outro nome comercial, qualquer outro medicamento que contenha o mesmo princípio activo e dosagem enquanto os direitos de propriedade industrial decorrentes da Patente Europeia nº 1448207 se encontrarem em vigor; 5) Intimação da Requerida para prestar a informação solicitada no artigo 79.º do presente articulado.

Mais se requer, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, que seja prestada uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 80.000,00 (oitenta mil euros) a ser paga por cada dia de atraso no cumprimento das intimações que lhe vierem a ser feitas nos termos do acima requerido.» A Requerida deduziu oposição, pugnando pelo indeferimento do procedimento cautelar e suscitando a seguinte questão prévia: «Art. 14º A presente providência cautelar, apesar de requerida pela Requerente como processo autónomo, não é preliminar à ação que tem por fundamento o direito que visa acautelar.

Art. 15º Com efeito, a 10 de março de 2020, deu entrada neste mesmo Tribunal da Propriedade Intelectual, uma ação proposta pela ora Requerente, ali Autora, contra a ora Requerida, ali Ré, que se encontra pendente no ... Juízo, e corre os seus termos sob o n.º 87/20.....

Art. 16º Na referida ação, proposta ao abrigo do disposto na Lei 62/2011, de 12 de dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, a ali Autora requereu que a Ré seja condenada “a abster-se de, em território português ou visando a comercialização em Portugal, de importar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer o medicamento genérico contendo levonorgestrel 1,5mg, nomeadamente o identificado no pedido de AIM publicado pelo Infarmed em 11.03.2020 para o medicamento levonorgestrel 1,5 mg, sob qualquer designação ou marca, durante a vigência da EP 1448207”, Art. 17º Alegando, para tanto, ser titular da patente europeia n.º 1448207 e referindo que a ali Ré solicitou uma autorização de introdução no mercado (“AIM”) para um medicamento genérico com a substância ativa Levonorgestrel, comprimido na dosagem de 1,5 mg, tendo por medicamento de referência o Postinor@, da sua titularidade, o que significará “que a Ré irá lançar o seu medicamento genérico no mercado, assim que o processo administrativo de autorização junto do Infarmed estiver concluído, ou seja, antes da caducidade do referido direito”.

Art. 18º A referida ação foi proposta fora do prazo de caducidade de 30 dias previsto na Lei 62/2011, como alegado na contestação ali apresentada pela Requerida, Art. 19º Porém, tal não justifica que os presentes autos cautelares não corram por apenso à referida ação, independentemente da admissibilidade da mesma.

Art. 20º Com efeitos, nos termos do artigo 364º do CPC, com a epígrafe “Relação entre o procedimento cautelar e a ação principal”, nestes autos aplicável por força do artigo 358º do CPI, resulta que “o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva” – (cfr. N.º 1), Art. 21º E que, quando “requerido no decurso da ação, deve o procedimento ser instaurado no tribunal onde esta corre e processado por apenso, a não ser que a ação esteja pendente de recurso (…)” – cfr. N.º 3.

Art. 22º “Quando ele seja proposto na pendência da ação, o tribunal é competente para o procedimento cautelar (competência por conexão, desde o início do procedimento). O procedimento corre por apenso, exceto enquanto o processo da ação se encontrar em tribunal superior, por via de recurso interposto.” LEBRE DE FREITAS, J. e ALEXANDRE, I., Código de Processo Civil Anotado, 3.ª Edição, Almedina, 2017, p. 22.

Art. 23º Assim, deverá o presente processo ser apenso ao processo n.º 87/20...., que corre termos no ... Juízo deste Tribunal.» A Requerente veio exercer o contraditório, alegando, entre o mais, que o processo n.º 87/20...., ainda que tenha na sua génese a EP 207, é um processo de tipo e natureza distinta, tratando-se de uma acção de acertamento de direitos, o que confere ao titular da patente farmacêutica uma importante e essencial tutela preventiva do seu direito de propriedade industrial, sendo interposto ao abrigo da Lei n.º 62/2011, 12-12, antes de se verificar a violação do direito em causa. E, contrariamente, uma vez que a Requerida já se encontra em violação actual do direito de propriedade industrial da Requerente, a acção, a interpor, da qual o presente procedimento cautelar é preliminar, terá por fundamento essa violação do direito que se pretende ver acautelado, bastante distinto do fundamento que deu origem ao processo judicial indicado pela Requerida.

Em 02-03-2021, foi proferido despacho, no qual se expendeu, para além de outra argumentação, que «a conduta da Requerida descrita no requerimento inicial, meramente configuradora de uma ameaça de violação do direito, corresponde na íntegra ao direito visado proteger na acção de cariz preventivo proposta no ... Juízo do TPI sob o nº 87/20, ao contrário do sustentado na pronúncia oferecida pela Requerente a fls 329v e seg.».

Considerou-se que «tendo o presente procedimento cautelar sido proposto no decurso da acção, deveria o mesmo ter sido interposto no tribunal onde a acção principal corre e processado por apenso, o mesmo será dizer, à acção nº 87/20 a correr termos no TPI J..., ex vi do princípio da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT