Acórdão nº 6234/19.7T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2022
Magistrado Responsável | MANUEL CAPELO |
Data da Resolução | 20 de Janeiro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA e BB, intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “Federação Académica ...... e “SPDE – Segurança Privada e Vigilância de Eventos, Lda pedindo a condenação solidária das rés no pagamento: a) da quantia de € 100 000,00, para compensação dos danos não patrimoniais resultantes da lesão do direito à vida do CC e das dores e sofrimentos pelo mesmo CC sentidos antes do falecimento; b) da quantia de € 120 000,00 para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelos próprios autores em resultado do falecimento do seu filho CC; c) de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso.
Alegaram que são pais de CC, falecido a … de Maio de 2013; que todos os anos, e também em 2013, no mês de Maio as faculdades da Universidade ... reúnem-se para celebrar o final do ano académico, organizando um conjunto de eventos sob a denominação de “Queima das Fitas”, alguns dos quais têm lugar no espaço designado de “Q…”, que se situa numa larga fatia do Parque ....
Em 2013, a “Queima das Fitas” decorreu entre 04 e 12 de Maio, tendo sido organizada pela ré “Federação Académica ......”; nesse âmbito, a ré “Federação Académica ......”, recorreu à contratação de cerca de 20 estudantes para desempenharem, designadamente, entre 29 de Abril e ... de Maio, a função de venda de bilhetes de acesso ao Q…, junto dos diversos polos da Universidade ...; no desempenho de tais funções, esses estudantes, incluindo o falecido CC, diariamente reuniam, ao final do dia, avultadas quantias dinheiro, que transportavam para o recinto do Q…, local onde a ré “Federação Académica ......” instalou a sua tesouraria, ao fundo da entrada principal, em 12 contentores de metal organizados em forma de “U”.
O transporte do dinheiro era feito em viatura própria, de acordo com instruções e procedimentos transmitidos pela ré “Federação Académica ......” e no dia ... de Maio de 2013, o falecido CC, após ter procedido à venda de bilhetes no local para onde foi destacado, regressou ao Q… pelas 19h00, para entregar mais uma tranche do dinheiro obtido e encontrando-se o falecido CC, juntamente com outros estudantes vendedores, na parte interior do “U”, foram surpreendidos por 3 pessoas encapuçadas e empunhando armas de fogo, provindas do exterior do recinto, a dirigirem-se na sua direção pelo que na confusão que se seguiu, o falecido CC acabou por ser atingido por 2 projéteis de arma de fogo. Até hoje é desconhecida a identidade dos 3 assaltantes.
A ré “Federação Académica ......” e o falecido CC celebraram contrato pelo qual este se vinculou a proceder à pré-venda de bilhetes de acesso ao “Q…” na semana da Queima das Fitas, segundo instruções, procedimentos e horários definidos pela ré “Federação Académica ......”, obrigando-se esta a pagar uma retribuição, a fornecer os meios necessários à execução daquela tarefa, e a garantir a segurança e integridade física do CC.
O serviço cuja prestação foi assumida pelo CC envolvia muito elevado risco para a sua segurança e integridade física, na medida em que diariamente recebia elevadas quantias de dinheiro, que tinha de entregar na tesouraria da ré “Federação Académica ......”, e o recinto do Q… mostrava-se vedado apenas por rede assente em murete de betão, tendo 2 entradas.
Para garantir a segurança dos estudantes vendedores dos bilhetes, a ré “Federação Académica ......” contratou a ré “SPDE – Segurança Privada e Vigilância de Eventos, Ldª”, que se dedica à prestação de serviços de segurança privada, embora, por imposição legal, aos seus funcionários no desempenho das funções não seja permitido o uso de arma de fogo, o que, defendem, torna a segurança por si realizada mais ineficaz e menos dissuasora que a feita pela PSP ou GNR.
Porque no Q… eram diariamente depositadas elevadas quantias em dinheiro, e porque o Q... possuía considerável extensão e uma fraca vedação, impunha-se que a segurança do local fosse realizada por elementos das forças de segurança pública sendo previsível acontecimentos como o que ocorreu na madrugada de 04 de Maio de 2013, sendo inadequada a concreta segurança contratada.
A segurança privada implementada pela ré “SPDE – Segurança Privada e Vigilância de Eventos, Ldª”, nessa noite foi executada de forma descuidada, sem que a ré “Federação Académica ......”, disso conhecedora, algo fizesse para forçar a primeira ao cumprimento das suas obrigações contratuais, designadamente porque no Q... se encontravam apenas 2 elementos de segurança.
Consideram, por isso, que o falecimento do CC foi consequência adequada do cumprimento defeituoso e violação de normas legais por parte da ré “Federação Académica ......”, sendo responsabilidade desta indemnizar os prejuízos causados, ainda que sem culpa. E à ré “SPDE – Segurança Privada e Vigilância de Eventos, Lda”, incumbia, por força do contrato que celebrou, garantir a segurança dos estudantes vendedores de bilhetes, quer nas suas deslocações para a realização de tal tarefa, quer no interior do Q..., controlar as entradas no recinto onde se encontrava a tesouraria e fazer a vigilância no interior de tal recinto. Assim, ao colocar apenas 2 funcionários no recinto da tesouraria, desarmados e longe das portas de entrada do recinto e do posto de controlo do sistema de videovigilância do recinto, de onde se tinham ausentado, permitiram que os assaltantes facilmente penetrassem no Q... e se dirigissem à zona da tesouraria, de forma inesperada surpreendendo o CC, já que não foi dado qualquer alerta de assalto.
Citadas, as rés apresentaram contestação e foi pedida a intervenção principal da sociedade “Victoria Seguros, SA”, Foi admitida a intervenção acessória passiva da sociedade “Victoria Seguros, SA”. que citada apresentou articulado, no qual, reconhece ter celebrado com a ré “Federação Académica ......” contrato de seguro de responsabilidade civil, com os termos por aquela ré indicados na sua contestação mas o sinistro, tal como configurado pelos autores, mostra-se excluído do âmbito de cobertura do contrato de seguro, seja porque o óbito resultou de um assalto perpetrado por pessoas alheias à ré “Federação Académica ......”, seja porque esse tipo de risco integra uma das exclusões expressamente contratadas, seja ainda porque o facto em causa teve lugar fora do período temporal de vigência da apólice.
Instruídos os autos veio a ser proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolvo na íntegra as rés “Federação Académica ......” e “SPDE Segurança Privada e Vigilância de Eventos, Lda”, do pedido contra ambas formulado pelos autores AA e BB.
Os autores recorreram desta decisão e a apelação que procedeu à alteração da matéria de facto veio a ser julgada parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré Federação Académica ...... a pagar aos autores AA e mulher BB a quantia de € 150.000,00 (€ 80.000,00 + € 70.000,00) e absolveu quanto ao mais pedido absolvendo ainda a ré SPDE, Segurança Privada e Vigilância de Eventos, LDA, do pedido.
Inconformados com esta decisão dela interpôs recurso a ré Federação Académica ...... concluindo que: “
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Incorreta aplicação do art.º 640.º do Código Processo Civil pelo Tribunal da Relação.
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O Tribunal a quo decidiu conhecer a impugnação da matéria de facto suscitada pelos Autores no Recurso de apelação, incorretamente.
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O Tribunal a quo decidiu proceder a alteração da matéria de julgada como provada pela 1.ª Instância, introduzindo como facto provado o seguinte: “Obrigação de garantir a segurança e integridade física do CC a cargo da 1.ª Ré” 3. Sucede que, os Autores, ao invés do decido pelo Tribunal da Relação, não cumpriram os pressupostos que permitem conhecer da alteração da matéria de facto.
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As alegações de Recurso dos Autores, na impugnação deduzida descreve em termos genéricos a sua versão dos acontecimentos, mas sem concretizar suficientemente os factos que entendem ter sido apurados, nem indicando a matéria factual, que perante a reapreciação da prova produzida, deveria merecer uma outra resposta por parte do Tribunal.
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Os Autores centram a sua questão recursiva no argumento: “A Recorrida FAP se obrigou a garantir a segurança e integridade física do CC designadamente no desenvolvimento da atividade de pré-venda dos bilhetes de acesso ao «Q...», e nas instalações deste.” 6. Ora, esta formulação não constitui um facto que contenha a possibilidade de formulação de um juízo de prova.
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Nos termos do disposto no art.º 640 n.º 1 do CPC, cabe ao Autores o ónus de especificar, sob pena de rejeição - os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
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Os Autores invocam alguns depoimentos, mas sem indicar, com o mínimo de precisão, os factos que entende terem resultado provados, o que torna impercetível os termos em que os Autores pretendem ver alterada a matéria de facto.
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Com efeito, não basta alegar que determinados factos não podem ser dados como provados, é necessário perceber em que medida é que, dos depoimentos invocados pela Autores, decorre a prova de outros factos, sendo para isso essencial, desde logo, saber quais são em concreto os factos que, no entender dos Autores, devem ser dados como provados, pelo que é manifestamente insuficiente a alegação de uma outra versão dos acontecimentos, sem a indicação, em concreto, dos factos que devam ser considerados provados.
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Face ao exposto, porque os Autores não indicaram em que termos alguns factos provados devem ser alterados, não cumpriu o ónus imposto pelo art.º 640 n.º 1, c) do CPC, ou seja, o de concretizar em que medida a prova produzida impunha uma decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto...
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