Acórdão nº 124/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 124/2022

Processo n.º 1224/2019

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo Almeida Ribeiro

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Cível de Lisboa, em que é recorrente A., S.A. e recorridos o Ministério Público e B., Lda., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (adiante designada «LTC»), do despacho proferido por aquele Tribunal, em 6 de novembro de 2019, que indeferiu o requerimento apresentado pela ora recorrente, através do qual esta, invocando a inconstitucionalidade do n.º 6 do artigo 530.º do Código de Processo Civil e do n.º 3 do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais (adiante designado «RCP»), e da respetiva Tabela I, Coluna C, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, pretendia que lhe fosse restituído o valor pago a título de agravamento da taxa de justiça.

2. Indeferido o pedido, a recorrente interpôs o presente recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:

«A., S.A., Autora nos autos da ação com processo especial acima identificada, notificada do douto despacho de 6.11.2019, que indeferiu o requerimento da Autora de 9.4.2019, no qual pedia que o Tribunal declarasse inconstitucionais e, consequentemente, desaplicasse as normas que lhe impõem o pagamento de uma taxa de justiça agravada e de outros custos também agravados e que, por conseguinte, fossem restituídos à Autora os montantes pagos em excesso pelo agravamento da taxa de justiça, mas não se conformando com o referido despacho, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

O recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com alterações), por o Tribunal recorrido ter aplicado normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.

As normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada são as normas dos artigos 13.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais (e respetiva Tabela I, coluna C), e do artigo 530.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

As normas em causa são inconstitucionais por violarem o disposto nos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa (dado que põem em causa o direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva), o princípio constitucional da proporcionalidade que vigora em matéria de limitação de direitos fundamentais, mormente nas suas dimensões da proporcionalidade em sentido estrito, da necessidade e da adequação, o princípio constitucional da igualdade e ainda, se o agravamento da taxa de justiça for configurado como um imposto, os princípios constitucionais da igualdade tributária, da generalidade e abstração e da capacidade contributiva, que regem em matéria de impostos.

A questão da inconstitucionalidade das normas acima identificadas, nos termos e com o alcance que se pretende sindicar, foi suscitada pela Autora no seu requerimento de 9 de Abril de 2019 (…).»

3. Admitido o recurso, a recorrente foi notificada para apresentar alegações, concluindo nos termos seguintes:

«Conclusões

A. O presente recurso vem interposto do despacho com data de 06/11/2019, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 9, no decurso do processo n.º 21046/19.0YIPRT, indeferindo a pretensão suscitada pela ora Recorrente para que fossem declaradas inconstitucionais e, consequentemente desaplicadas naquele caso concreto, as normas que lhe impõem o pagamento de uma taxa de justiça agravada.

B. Em concreto, as normas do n.º 6 do artigo 530.º do Código de Processo Civil (CPC) e o n.º 3 do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

C. No contexto dos autos acima indicados, a Recorrente, após ter efetuado o pagamento da taxa agravada a que estava adstrita na qualidade de grande litigante, requereu nos autos, mediante requerimento apresentado em 9 de Abril de 2019, a restituição do valor de taxa de justiça pago em excesso.

D. Alegou para o efeito que as normas do n.º 6 do artigo 530.º do CPC e do n.º 3 do artigo 13.º do RCP, nos termos que ditaram a liquidação da taxa agravada, eram inconstitucionais, pelo que deveriam ser desaplicadas in casu.

E. Em resposta ao solicitado o requerimento foi indeferido, concluindo-se ali que «…por se entender que a norma em causa não está ferida de qualquer inconstitucionalidade, indefere-se a restituição da taxa de justiça peticionada».

F. Por ter suscitado oportunamente a questão nos autos, a ora Recorrente interpôs recurso para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, concretamente por o Tribunal a quo ter aplicado normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.

G. Entende a Recorrente que as normas invocadas naquele despacho são manifestamente inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 13.º, 17.º, 18.º, 20.º, 80.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), as normas do n.º 6 do artigo 530.º do CPC, do n.º 3 do artigo 13.º do RCP e da Tabela II-B, com o sentido com que foram aplicadas no despacho recorrido.

H. Ainda que se reconheça que a taxa de justiça, per se, é um tributo bilateral (taxa pela prestação de um serviço público), já o mesmo não se pode admitir quanto à sobretaxa que advém do agravamento que recai sobre os grandes litigantes, a qual, não sendo uma taxa extrafiscal, é um imposto anómalo.

I. O desiderato de moderação do acesso aos serviços de justiça que se perspetivava com o agravamento da taxa de justiça sobre os grandes litigantes não se coaduna minimamente com a realidade a moldar e, logo, não é atingido.

J. A base de incidência não delimita aqueles que efetivamente recorrem de forma abusiva aos serviços de justiça, recaindo essencialmente sobre quem, no legítimo exercício dos seus direitos, pelo simples facto de a natureza da sua atividade exigir a contratação em massa, pretender obter justiça nos tribunais.

K. A exigência de recurso à via judicial resulta sobremaneira de imposição direta do legislador, mormente quanto às exigências resultantes do tratamento contabilístico e fiscal a dar aos denominados créditos incobráveis ou à necessidade de assegurar os seus créditos, não restando aos litigantes qualquer alternativa efetiva para atingir esses fins; tal exigência resulta também da inexistência efetiva de vias alternativas que permitam a estes credores em concreto fazerem valer os seus créditos, agravada pela irredutibilidade dos prazos de prescrição exíguos.

L. A A. é um reputado operador no serviço de comunicações electrónicas, que, nos termos da lei (concretamente da alínea d) do n.º 1 da Lei n.º 23/96, de 23 de julho), é qualificado como um serviço público essencial, o que importa, desde logo, que o direito ao recebimento do preço pelos serviços que presta (nessa qualidade de prestador de serviços públicos essenciais) prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação, sendo este o prazo para a propositura da ação ou da injunção pelo prestador, contado da prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos (artigo 10.° da Lei n.°23/96).

M. Não subjaz qualquer critério objetivo na determinação do limite de duzentas ações por ano para definir um grande litigante, o que, em rigor, subverte o princípio de utilizador-pagador que alegadamente suporta o gravame.

N. A taxa de justiça agravada para os grandes litigantes é, na prática, uma taxa sancionatória excecional aplicada de forma sistemática e reiterada (e que, assim, se comuta em ordinária) tendo por base uma efetiva presunção inilidível (reconhecidamente proibidas em matéria tributária, como é o caso) de que todas as sociedades comerciais que no ano anterior acionaram os serviços de justiça 200 ou mais vezes, o fizeram de forma abusiva e, por isso, merecedora da cominação punitiva.

O. Nesta medida, a aplicação deste regime de custas agravadas comporta uma inelutável violação do princípio de igualdade ínsito no artigo 13.º da CRP.

P. Não servindo o cumprimento dos propósitos extrafiscais em que alegadamente se suporta – para os quais, em todo o caso, sempre seria de considerar desadequado e excessivo, como adiante se invoca –, o agravamento da taxa de justiça consubstancia uma restrição prática ao direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva dos grandes litigantes, ditando a violação dos artigos 20.º e 268.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).

Q. Parte substancial das solicitações aos tribunais resultam de exigência do próprio legislador que, por vezes com base em discutíveis razões substanciais, o impõe aos contribuintes ou sujeitos passivos em sede do IRC e do IVA para poderem deduzir certos gastos e perdas económicos e contabilísticos no apuramento do montante desses impostos.

R. Por conseguinte, o agravamento da taxa de justiça tem o inequívoco sentido de um inadmissível venire contra factum proprium do legislador.

S. A apontada falta de um mínimo de correspondência entre o agravamento da taxa de justiça e a evitação ou atenuação do recurso abusivo aos tribunais tem ainda uma outra expressão muito significativa, qual seja a de esse agravamento ser um pagamento definitivo para os grandes litigantes mesmo no caso de obterem ganho de causa, conforme resulta do disposto nos termos do n.º 4 do artigo 26.° do RCP.

T. Nos casos em que esteja em causa uma ação declarativa de condenação para obter o cumprimento de uma obrigação pecuniária resultante do incumprimento de obrigações previstas em contratos de adesão – que é, invariavelmente, o tipo de situação que a A. enfrenta -, nem é sequer possível o...

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