Acórdão nº 701/19.0T8EVR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório 1. AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros) a título de indemnização dos danos patrimoniais, com juros legais, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, a condenação do Réu no pagamento da referida quantia com base no instituto do enriquecimento sem causa.

  1. Alegou, em síntese, que a 2 de dezembro de 2014 comprou ao Réu o veículo ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-JQ, propriedade de sua Mulher, pelo preço de €55.000,00; o Réu afirmou que tal viatura tinha 20.783 km; entregou ao Réu, como pagamento, a sua autocaravana ou “Mobile Home” da marca “...”, modelo “…”, com a matrícula ...-HN-..., pelo preço de €25.000,00, assim como a quantia pecuniária de €30.000,00; subsequentemente, verificou que o referido ... tinha, na realidade, 120.783 km, o que alterava substancialmente o seu valor de mercado e, por consequência, os termos do negócio celebrado com o Réu; comunicou ao Réu a referida desconformidade na quilometragem e, desconfiando de tudo o resto relativamente ao ..., mandou desmontá-lo para analisar o seu estado de conservação, tendo descoberto diversas anomalias (a pintura já não era de origem, ao contrário do que havia sido dito pelo Réu e, para além de haver sido refeita, era de má qualidade; a frente direita apresentava vestígios inequívocos de ter sofrido uma colisão; estavam instalados no sistema de refrigeração do motor tubos de borracha correntes, comprados em qualquer casa de mangueiras ou borrachas; apresentava tubos de admissão para alimentação do motor rasgados e/ou fissurados; a embraiagem estava a patinar; mau grado este modelo vir de origem com ar condicionado, o veículo não tinha o respetivo compressor, o que significa que não tinha ar condicionado; patenteava sérios problemas no sistema de injeção de gasolina para o motor; as juntas de admissão e o escape estavam completamente degradadas e em estado lastimável; o chassis e os casquilhos da suspensão encontravam-se em estado de inutilização; os escapes estavam em adiantado estado de decomposição, tendo muitas seções apodrecidas; por fim, partes do fundo do chassis encontravam-se camufladas com fibra de vidro).

  2. Referiu que o Réu agiu com dolo, pois que omitiu elementos essenciais para a realização do negócio: se soubesse, desde o início. que a viatura não se encontrava em perfeito estado de conservação e que não tinha os quilómetros visíveis no mostrador, o contrato não se teria concluído nos termos em que o foi, ou nem teria mesmo sido celebrado. Despendeu o montante de € 7.500,00 em reparações.

  3. Citado, o Réu contestou. Impugnou parcialmente os factos afirmados pelo Autor e deduziu reconvenção, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 16.869,81, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, alegando que, depois da celebração do contrato, verificou que, apesar de o Autor lhe haver assegurado que estava em boas condições de funcionamento, a referida autocaravana apresentava diversas deficiências cuja reparação ascende ao montante de € 16.869,81, reparação esta necessária para poder funcionar e circular normalmente.

  4. O Autor replicou.

  5. Depois de proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, foi realizada audiência de discussão e julgamento e foi emitida a sentença que julgou nos seguintes termos: “Face ao exposto, julgando a ação e a reconvenção parcialmente procedentes, decide-se: “a) condenar o réu BB a pagar ao autor AA a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), correspondente à redução do preço no celebrado contrato de alienação do identificado ..., acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal e contados desde a data de citação do réu; b) condenar o réu a pagar ao autor a quantia a apurar em posterior liquidação respeitante à reparação do ar condicionado do identificado ... (por falta do respetivo compressor), até ao limite de € 7.500,00, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal e contados desde a data de citação do réu; c) condenar o autor reconvindo a pagar ao réu reconvinte a quantia de € 1.059,50 (referida na fatura/recibo datada de 26-10-2015) e ainda a quantia a apurar em posterior liquidação respeitante à reparação do gerador a gaz da identificada Autocaravana, até ao limite de € 638,96, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal e contados desde a data de notificação da contestação/reconvenção; d) absolver o réu e o autor reconvindo do pedido, na parte restante; e) absolver o réu do formulado pedido de condenação como litigante de má fé e, em consequência, julgar improcedente o correspondente pedido indemnizatório formulado pelo ora autor; f) na ação e na reconvenção, condenar o autor e o réu no pagamento das custas, na proporção do decaimento”.

  6. Não conformado, o Réu interpôs recurso de apelação.

  7. O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

  8. Por acórdão de 25 de fevereiro de 2021, o Tribunal da Relação … decidiu o seguinte: “Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.

    Custas da apelação pelo apelante”.

  9. De novo irresignado, o Réu interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões: “I - Deve ser admitido o presente recurso como comum e normal recurso de revista, com fundamento na violação ou errada aplicação da lei processual, por ter o recorrente cumprido no acórdão ora recorrido o estabelecido no n° 1 do art° 640° do CPC.

    II - Não existindo nos presentes autos a denominada "dupla conforme".

    III - Entende o ora Recorrente que mal andou o Tribunal da Relação quando no acórdão ora recorrido não observou o disposto nos artigos 662° do CPC, em conjugação com o artigo 640° do CPC, IV - Abstendo-se de apreciar o mérito do recurso de apelação com fundamento no incumprimento dos requisitos da impugnação da matéria de facto constantes no artigo 640° do CPC, V - Por incumprimento por parte do recorrente do ónus processual exigido no referido artigo VI - Rejeitando o conhecimento da alegação da matéria de facto.

    VII - Na verdade, o recorrente indicou na sua motivação e nas suas conclusões recursivas matéria de facto que entendia incorrectamente julgada, o resultado que pretendia para cada um desses incisos probatórios, os concretos meios probatórios onde funda a sua impugnação (testemunhal, documental e indicação das passagens da gravação em que se baseia).

    VIII - O recorrente enunciou "os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados", em obediência ao disposto na alínea a) do n° 1 do art° 640° do CPC IX - O recorrente indicou nas suas alegações de recurso sob os artigos 42., 43., 47., 52., 53., 54., 58., 61., e 66., os factos que considerou incorrectamente julgados da douta sentença recorrida, a saber, respectivamente, 1. e 2., 31., 14., 13., 37., 38., 40. e 30., conforme transcrições que para evitar enfadonha, maçuda e repetitiva leitura nos escusamos de repetir mas que se encontram transcritas no ARTIGO 19° deste recurso e que damos agora como reproduzidas para os devidos efeitos legais.

    X - O recorrente indicou igualmente "concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo por gravação, que impunham decisão da matéria diversa da recorrida" cumprindo a alínea b) do n° 1 do art° 640 do CPC, quer quanto à prova documental quer quanto à prova gravada.

    XI - Quanto à prova documental o Recorrente nos artigos 43, 59., 60., 62 e 63 da Apelação, indicou respectivamente os doe. 1 da contestação e does 4 e 5 do Requerimento probatório junto pelo A, os quais deveriam ter sido valorados pelo Tribunal a quo e em consequência proferida decisão diversa, conforme transcrições que para evitar enfadonha, maçuda e repetitiva leitura nos escusamos de repetir mas que se encontram transcritas nos ARTIGOS 19° e 21° deste recurso e que damos agora como reproduzidas para os devidos efeitos legais.

    XII - E quanto à prova gravada o Recorrente indicou na apelação, as transcrições do depoimento da testemunha CC, bem como os minutos iniciais do seu discurso, conforme transcrições que para evitar enfadonha, maçuda e repetitiva leitura nos escusamos de repetir mas que se encontram transcritas no ARTIGO 23° deste recurso e que damos agora como reproduzidas para os devidos efeitos legais.

    XIII - Igualmente foi cumprida pelo recorrente a exigência da alínea c) do n°1 do artigo 640° do CPC, indicando as decisões a proferir sobre as questões de facto impugnadas sintetizadas nos artigos não só no corpo da Apelação nos artigos 42, 43., 50., 51., 56. 59. e 60., 71., 72., 73. e 74, como nas suas conclusões nos pontos XXII a XLII, conforme transcrições que para evitar enfadonha, maçuda e repetitiva leitura nos escusamos de repetir mas que se encontram transcritas nos ARTIGOS 19°, 21°, 24° e 25° deste recurso e que damos agora como reproduzidas para os devidos efeitos legais.

    XIV - Concluindo peticionando decisão diferente da proferida pelo meritíssimo tribunal a quo, A ABSOLVIÇÃO.

    XV - Assim, não entende o ora recorrente o motivo pelo qual se escusou o douto Tribunal da Relação de apreciar a matéria de facto recorrida.

    Termos em que se requer a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que julgue a acção improcedente, absolvendo-se o R. do pedido.

    Só assim se praticando a tão costumada JUSTIÇA!!!!!!” 11.

    O Autor, por seu turno, apresentou contra-alegações com as seguintes Conclusões: “I) Não deverá o presente Recurso de Revista ser admitido, com fundamento na violação ou errada aplicação da lei processual, uma vez que a rejeição do Recurso na parte da matéria de facto, por parte do Venerando Tribunal da Relação …, foi baseado numa correcta interpretação do artigo 640º do Código de Processo Civil.

    II) O Recorrente não...

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