Acórdão nº 1342/19.7T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. AA e mulher, BB, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, alegando, em síntese que: autor e réu são irmãos; por partilha efectuada na sequência de inventário que correu termos após a morte da mãe de ambos, foram adjudicados ao autor dois prédios urbanos contíguos, que identifica e descreve, que são constituídos pelos edifícios principais, diversos anexos e logradouros, os quais confrontam na estrema norte de ambos com um prédio rústico, também partilhado no mesmo inventário, e que foi adjudicado ao réu; os falecidos progenitores de autor e réu e respectivos antecessores, há mais de trinta, cinquenta e mesmo cem anos, possuíram de forma contínua, inicialmente as respectivas parcelas de terreno e as primitivas construções e, depois de neles implantarem as edificações actualmente existentes, aqueles prédios, praticando actos usuais de um proprietário à vista de toda a gente, continuamente e sem oposição de ninguém, no pressuposto de estarem a exercer um direito próprio e nessa convicção; antes da partilha esses prédios urbanos estavam na posse do réu; o réu, já depois de efectuada a partilha, procedeu, contra a vontade dos autores, a diversas modificações, que concretizaram, nos prédios adjudicados a estes, e vedou-lhes o acesso a construções/anexos e logradouros dos mesmos, causando-lhe com isso prejuízos cujo montante só poderá ser apurado quando cessar a ocupação dos mesmos pelo réu, quando se determinar o período de tempo em que se viram esbulhados de parte de tais prédios e quando se fizer um orçamento preciso das obras necessárias para os repor no estado em que se encontravam antes daquela actuação.

Concluem pedindo que o réu seja condenado a:

  1. Reconhecer o autor como legítimo proprietário de cada um dos prédios identificados em 3º desta petição, com as áreas, limites e configurações constantes das plantas juntas supra como documentos nº 9, 12 e 16; b) Desocupar e restituir aos autores, livres de pessoas e bens, a parte da edificação que integra o prédio sito na Rua S. ..., nº 144, ..., inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia, concelho ..., sob o artigo 258 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 10940, bem como os currais que integram o prédio sito na mesma Rua, com o nº 146, inscrito na mesma matriz predial sob o artigo 631 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 10960, bem como os demais anexos e os dois logradouros que integram os dois identificados prédios propriedade do autor, com as áreas, limites e configurações constantes das plantas juntas supra como documentos nº 9, 12 e 16, que abusivamente ocupa; c) Pagar aos autores uma indemnização pelos prejuízos acima referidos, no montante que vier a ser liquidado em execução de sentença.

    1. O réu deduziu contestação, alegando, em síntese, que: os prédios urbanos adquiridos pelos autores não têm as áreas que constam das cadernetas e descrições prediais; durante muitos anos, os prédios urbanos agora propriedade dos autores e o prédio rústico propriedade do réu foram utilizados, pelos pais e avós dos mesmos, como se de uma única unidade se tratasse, levando a que fossem realizadas construções que ocupam, simultaneamente, mais do que um prédio; os prédios dos autores e do réu não têm linhas divisórias definidas e são todos eles confrontantes uns dos outros; ainda em vida, a mãe do autor marido e do réu doou a este último dois dos prédios, nomeadamente o prédio urbano correspondente ao artigo 258 e o prédio rústico correspondente ao artigo 570; por esse motivo, até ao termo do processo de inventário, o réu residiu na casa que lhe havia sido doada pela sua mãe; os prédios urbanos cuja propriedade pertence aos autores são apenas compostos pelas suas construções que confinam com a via pública, sendo que os logradouros e anexos existentes atrás dos mesmos foram implantados no prédio rústico propriedade do réu e as aberturas para esses logradouros feitas pelo próprio réu quando residiu no artigo 258; todas as construções e alterações efectuadas pelo réu foram levadas a efeito no seu prédio rústico ou, no urbano, quando este ainda era da sua propriedade, e pelo mesmo suportadas; atenta a possibilidade de não lhe virem a ser adjudicados os prédios urbanos, o réu optou por levar a efeito algumas alterações que impedissem, por exemplo, o acesso dos mesmos aos logradouros, uma vez que estes estavam situados no prédio rústico que era propriedade de outra pessoa; as construções anexas às moradias de que os autores são proprietários encontram-se implantadas no seu prédio rústico e são, por isso e por haverem sido por si construídas, sua propriedade; há mais de vinte anos que, por si e antecessores, vem possuindo a parcela do prédio onde se encontram implantadas tais construções, ininterruptamente, sem oposição de quem quer que seja, à vista de toda a gente, assim agindo por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre tal parcela de terreno, pelo que adquiriu a plena propriedade de tal parcela por usucapião.

      Na sequência de tal alegação, deduziu reconvenção na qual, referindo-se à construção por si próprio das referidas construções e à sua aquisição por usucapião da parcela de terreno onde as mesmas se encontram implantadas e alegando ainda que autores e réu são donos de prédios que confinam entre si e cujas estremas não se encontram demarcadas, deduziu os seguintes pedidos: “i. o reconvinte ser declarado proprietário da parcela de terreno onde se encontram implantadas as construções identificadas como A2, A5 e A1; ii. O reconvinte ser declarado proprietário das construções identificadas como A2, A5 e A1; iii. ser declarado que as construções identificadas como A2, A5 e A1 fazem parte do artigo rústico inscrito na matriz da ... n.º 570.

      iv. fixar-se as estremas, as áreas e a localização das parcelas de Autores e Réu; v. proceder-se à demarcação dos prédios objecto do presente litígio mediante a cravação de marcos no terreno”.

    2. Os autores apresentaram articulado de resposta, impugnando a factualidade alegada pelo réu como fundamento da reconvenção e, nessa sequência, defenderam a improcedência desta.

    3. Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador pelo qual se admitiu a reconvenção. 5.

      Veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão: “Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente por provado e em consequência:

      1. Reconhece-se o autor como proprietário dos prédios identificados no ponto 3 a) e 3 b) desta petição, com as áreas, limites e configurações constantes das plantas juntas supra como documentos nº 9, 12 e 16, com excepção da área referida no levantamento topográfico realizado no âmbito deste processo e que já estará incluída no prédio descrito no ponto 4 dos factos provados; B) Condena-se o Réu a desocupar e restituir aos autores, livres de pessoas e bens, em conformidade com o exposto na alínea A) deste dispositivo, a parte da edificação que integra o prédio sito na Rua S. ..., nº 144, ..., inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia, concelho ..., sob o artigo 258 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 10940, bem como os currais que integram o prédio sito na mesma Rua, com o nº 146, inscrito na mesma matriz predial sob o artigo 631 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 10960, bem como os demais anexos e os dois logradouros que integram os dois identificados prédios propriedade do autor.

      2. Determina-se a improcedência dos pedidos reconvencionais formulados em b) i, b) ii e b iii).

      3. Decide-se que a linha de demarcação entre os prédios descritos no ponto 3 da matéria provada e o prédio descrito no ponto 4, no que respeita à confrontação norte/sul de ambos é a linha assinalada no levantamento topográfico efectuada no âmbito deste processo e que assinala essa estrema como uma linha perpendicular com as estremas nascente e poente do prédio identificado no ponto 4 dos factos provados.

      4. Condena-se o Réu a pagar aos autores uma indemnização pelos prejuízos sofridos no montante que vier a ser liquidado em execução de sentença;”.

    4. Inconformado, o réu interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

    5. Por acórdão de 28.11.2022, rejeitando-se o conhecimento da impugnação da matéria de facto, foi o recurso julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

    6. Novamente inconformado, o réu interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «I. Recorrendo da douta Decisão de Facto proferida em 1.ª Instância, na sua minuta de apelação o ora Recorrente cumpriu de forma aceitável e com utilidade para a apreciação da matéria em discussão os ónus estabelecidos no Artigo 640.º do CPC, II. Pelo que, no seu modesto entender, o douto Acórdão ora recorrido, ao afirmar e decidir em contrário, foi, salvo sempre o devido respeito, rigorista em excesso, exponenciando aqueles ónus, assim violando o princípio da proporcionalidade; III. Desta forma, no douto Acórdão recorrido violaram-se os normativos enunciados naquele Artigo, IV. E, bem assim, violando-se igualmente a apreciação do aspecto substantivo da douta Sentença proferida em 1.ª Instância, por depender da revogação ou da validação da douta Decisão de Facto.».

      Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, «determinando-se a apreciação do recurso interposto da douta Decisão de Facto da 1.ª Instância e, bem assim, e, em conformidade com a procedência ou não daquela impugnação da matéria de facto, julgando de direito, designadamente, quanto à matéria da reconvenção.».

    7. Os Recorridos contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

      II – Admissibilidade do recurso Apesar de o acórdão recorrido ter confirmado integralmente a sentença da 1.ª instância, atendendo a que o objecto do recurso...

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