Acórdão nº : 61/20.6GBADV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2022

Data25 Janeiro 2022

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No processo comum (com intervenção do tribunal singular) nº 61/20.6GBADV, do Juízo de Competência Genérica de Almodôvar, após audiência de discussão e julgamento, e mediante pertinente sentença, foi decidido o seguinte: “

  1. Condenar a arguida VG, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 131.º, todos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de €385,00 (trezentos e oitenta e cinco euros)

  2. Condenar a arguida no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC - cfr. artigos 513.º do CPP e artigo 8.º, n.º 9, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais

    * Discordando da decisão condenatória, a arguida interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “1. A Recorrente e AM denunciaram-se um ao outro, respetivamente em 25 de maio de 2020 e em 27 de maio de 2020, resultando ambos acusados tendo, posteriormente, no decurso da audiência de julgamento, sido “homologada por sentença as desistências de queixas apresentadas pelos ofendidos nos autos quanto ao crime de ofensa à integridade física simples, ao crime de ameaça e aos crimes de gravação ou fotografia ilícita agravada e de devassa da via privada agravada, declarando-se extintos, em consequência, os procedimentos criminais”

    1. O processo prosseguiu “quanto à factualidade respeitante ao crime de ameaça agravada imputado à arguida VG”, ora recorrente, para efeitos de apreciação da sua eventual responsabilidade jurídico-criminal quanto ao aludido crime, tendo o Tribunal condenado aquela nos termos da sentença proferida em 07 de junho de 2021, de que se recorre

    2. Que condenou a arguida como autora material e na forma consumada, “da prática de 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 131.º, todos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de €385,00 (…)”

    3. A recorrente não cometeu o crime em que foi condenada

    4. Para responder à matéria de facto, o Tribunal atendeu aos depoimentos de AM e de AM, casados um com o outro, prestados em sede de audiência de julgamento, os quais, contrariamente ao plasmado em sentença, não foram “prestados de modo credível, isento e circunstanciado”

    5. A análise e ponderação da globalidade da prova, designadamente a análise conjugada dos sobreditos depoimentos, pelo resultado probatório que geram, permite inferir e concluir diferentemente do decidido pelo Tribuna a quo

    6. As declarações de ambas as testemunhas não refletem com certeza, objetividade e isenção, o que de facto se passou na concreta circunstância de tempo e lugar em que a altercação dos autos ocorreu

    7. A testemunha AM não presenciou os factos, apenas transmitiu ao Tribunal o que alegadamente ouviu à Recorrente, e repetiu o que o marido lhe disse sobre a altercação dos autos, privando, assim, as suas declarações da aptidão necessária para gerar evidência, indubitabilidade, o que se repercute na credibilidade das mesmas

    8. AM deixou de assumir a posição de arguido, e prestou declarações como testemunha; apesar de submetido a juramento, aquele não despiu o seu interesse na condenação da Recorrente, dado o sentimento de ressentimento e inimizade com que o mesmo falou daquela

    9. O Tribunal não considerou toda a informação probatória existente nos autos e, muito relevantemente, não atendeu ao circunstancialismo rodeador dos factos que fixou como provados, sendo indiferente ao contexto em que os mesmos teriam ocorrido

    10. Igualmente, o Tribunal não considerou elementos de prova que contêm factualidade relevante para se apreciar e concluir sobre a culpabilidade da arguida/recorrente. Assim, 12. Resulta dos autos que a convicção judicial se encontra alicerçada na prova documental constante dos autos, contudo não se alcança que a mesma tenha considerado o “Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em Direito Penal”, produzido no âmbito do “Processo n.º 2020/000233/BJ-C – Relatório n.º MLPN1”, efetuado na sequência do exame pedido pela G.N. R de …, em 26 de maio de 2020, realizado em 27 daquele mês e ano

    11. A desistência e posterior extinção do procedimento criminal onde estava em causa o crime de ofensa à integridade física simples, denunciado pela Recorrente em 25 de maio de 2020, não neutraliza a eficácia probatória da perícia a que se submeteu e, conseguintemente, não elimina a utilidade da sua consideração para, pelo menos, atentando-se no seu conteúdo, se ajuizar sobre as declarações da testemunha AM em julgamento, a respeito da abordagem que este declarou ter feito à Recorrente no dia e momento da altercação dos autos

    12. Ainda que a Recorrente não tenha prestado declarações em julgamento, mas, a final, tenha negado a prática dos factos, a verdade dos factos ocorridos em 25 de maio de 2020 não resulta das declarações das testemunhas supra; designadamente não resulta que a razão assiste a AM. Este viu-se corroborado pela mulher, cujas declarações revelam um conhecimento dado pelo marido; de resto, 15. Os depoimentos de ambos apresentam entre si discrepâncias, o que, contrariamente ao proferido pelo Tribunal a quo, pelas ilações que permitem, derrubam os “foros de normalidade”, privando tais declarações de credibilidade impedindo, por isso, a aptidão necessária dos mesmos para gerar certeza no juízo final do Tribunal

    13. Tudo indica que, contrariamente ao que AM alegou em julgamento, no momento dos factos saiu de sua casa, sita no rés-do-chão, não por coincidência, mas para confrontar a Recorrente, o que declaradamente fez, abordando-a nas escadas do prédio, quando esta já se encontrava a subir as mesmas em direção a sua casa, no 1º andar direito; 17. Contrariamente ao que AM alegou, este procedeu não só com o aviso do “bata preta”, aviso que confessadamente quis fazer à Recorrente, mas com algo mais, deixando o registo do seu aviso no braço direito daquela, onde são visíveis marcas de equimose. (cfr. Folha de suporte - Anexo 1 ao auto de notícia lavrado em 25 de maio de 2020, na sequência da denúncia da denunciante/recorrente)

    14. Nada houve que determinasse a abordagem de AM à Recorrente, sendo que a sua abordagem é resultado de premeditação, e não de coincidência

    15. Ainda que o Tribunal não conseguisse construir certeza(s) sobre a abordagem física da testemunha AM à Recorrente, sempre esta beneficiaria do in dubio pro reo, já que, afinal, é ela quem apresenta as sobreditas marcas, caraterizadas nos termos da “perícia legal”; não é de crer que uma pessoa que “ia subindo as escadas” para a sua casa no 1º andar, sem que nada o fizesse prever, tenha desatado a gritar com injúrias e ameaça, se, entretanto, não tivesse sido acossada por algo ou alguém

    16. O Tribunal atentou apenas nas expressões imputadas à Recorrente, sustentando-se nos depoimentos das mencionadas testemunhas. Um comportamento como o imputado à Recorrente, isolada e objetivamente analisado, é ética e socialmente censurável, podendo até assumir relevância jurídico-penal; no entanto, no caso dos autos, a apreciação judicial não se pode limitar à inferência da materialidade da expressão imputada à arguida e deduzir que esta o fez bem sabendo serem idóneas a, naquelas concretas circunstâncias, a provocarem receio e perturbação em AM, com a significação que lhe está associada

    17. A “materialidade da expressão” imputada à Recorrente nunca poderia ser analisada despegada e isoladamente de uma globalidade de afronta intensa, como a que resulta da abordagem de AM

    18. As palavras e/ou expressões não valem apenas pela objetividade da sua materialidade, sendo necessário enquadrá-las no contexto em que são proferidas para que se possa aferir o que está na origem da sua verbalização e o seu objetivo. Só após tal raciocínio (dedutivo), é que pode concluir-se se as palavras proferidas são factos suscetíveis de perseguição criminal; por sua vez, o juízo probatório assente na inferência deve escorá-la na lógica e coerência. Não foi isso que sucedeu nos autos

    19. Ademais, se, de facto, a Recorrente fosse a pessoa que AM tentou descrever nos autos, e conhecendo-a como a vizinha intriguista, conflituosa, maldosa...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT