Acórdão nº 73/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 73/2022

Processo n.º 1186/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 26 de outubro de 2021.

O arguido foi condenado em 1.ª instância numa pena de 10 (dez) meses de prisão efetiva pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, por referência ao artigo 121.º do Código da Estrada. Interpôs recurso para o Tribunal da Relação, que lhe negou provimento por acórdão de 7 de setembro de 2021. Neste acórdão, o Tribunal da Relação apresentou, para o que aqui releva, a seguinte fundamentação:

«Questão única – Deve ou não a pena de prisão efetiva aplicada na decisão recorrida ser substituída pelo regime de permanência na habitação, com obrigação do condenado frequentar as aulas de condução e submeter-se ao respetivo exame.

Considerando que o arguido foi condenado pelo crime previsto art.º 3.º, n.º 2 do DL 2/98, e que tal normativo prevê uma pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, coloca-se uma questão de escolha da pena, cujo critério se encontra previsto no art.º 70.º do CP, que determina que, se ao crime, forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as Finalidades da punição. "Trata-se (...) de um poder-dever para o tribunal, com a consequência de também dever fundamentar a não aplicação da pena não privativa da liberdade (fundamentação negativa), quando dê preferência à pena privativa da liberdade."

No caso dos autos, relativamente à pena de prisão efetiva aplicada, o tribunal a quo fundamentou tal aplicação (e, concomitantemente, a não aplicação de pena não privativa da liberdade) nos seguintes termos:

"Cumpre agora ponderar sobre a possibilidade de aplicação de uma pena de substituição.

Para tanto, põe-se a questão de saber se ajusta punição do arguido passa inevitavelmente pela execução da pena de prisão ou se ainda é suficiente a aplicação de uma medida não detentiva, maxime, a multa nos termos do art.º 45.º, a prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do art.º 58.º, a suspensão da execução desta pena, nos termos do artigo 50º, e/ou a pena de prisão em regime de permanência na habitação, nos termos do art.º 43.º, todos do Código Penal.

Ora, a aplicação de cada um dos referidos preceitos depende da conclusão do Tribunal de que por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de execução da pena de prisão e, ainda, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, ou seja, de proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Neste contexto há que fazer apelo, portanto, a um juízo de prognose social sobre a conduta futura do arguido, o qual tem de assentar especialmente na prevenção especial, mas tendo ainda em conta as necessidades de prevenção geral.

Ora, neste ponto, atendendo ao facto de o arguido ter sete condenações pela prática deste crime desde 2005, sendo que nos últimos cinco anos t em três condenações pela prática deste crimes, com aplicação de penas de prisão, tendo acabado de cumprir a última em regime de permanência na habitação menos de cinco meses antes da prática do crime pelo qual vai condenado no nosso processo, nenhuma outra conclusão se pode retirar que não seja a de que o arguido apresenta lima personalidade com dificuldade em encontrar o ponto de retorno face à adequação dos seus atos aos comandos sociais vigentes, pois a ameaça com penas de prisão e o real cumprimento de penas detentivas da liberdade, ao longo destes anos, não foram suficientes para que se abstivesse de praticar crimes da mesma natureza.

Veja-se que o arguido cumpriu recentemente pena de prisão em regime de permanência na habitação e passados menos de cinco meses da extinção dessa pena praticou um novo crime de condução sem habilitação legal, num total e evidente desprezo pelas normas penais vigentes e revelando que a última pena não obteve qualquer eleito na sua consciencialização sobre o desvalor da sua conduta.

De dizer, ainda, que o facto de o arguido se encontrar familiarmente inserido e ter licença de aprendizagem para obtenção de licença de condução desde fevereiro deste ano e o facto de ter confessado os fados, não é suscetível de alterar o juízo de prognose desfavorável que este Tribunal faz do arguido, sendo revelador de um grave desrespeito e desinteresse pelas suas condenações criminais a conduta de quem, como o arguido, depois de cumprir pena privativa da liberdade, em regime de dias livres e de permanência na habitação, volta a praticar crime da mesma natureza passados poucos meses.

Assim, o Tribunal entende que a substituição da pena de prisão por multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade, bem como a simples ameaça de cumprimento de uma pena de prisão mediante a suspensão da execução da pena, e até mesmo a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, já não são suficientes para prevenir o cometimento de novos crimes pelo arguido.

Daí que o arguido deve cumprir a pena de 10 meses de prisão de modo efetivo em meio prisional, sendo a única pena que dá uma resposta adequada e necessária designadamente às exigências de prevenção especial sentidas no caso concreto, que são elevadíssimas. "

Desde já adiantamos que concordamos com a fundamentação exposta, que nos parece mencionar as razões nucleares da opção tomada de forma normativamente escorada no quadro legal aplicável.

No que respeita às razões invocadas pelo recorrente, dir-se-á: quanto às conclusões 3.ª e 4.ª, trata- se de referências ao quadro normativo aplicável, asserções indiscutíveis na sua abstração, sendo a sua aplicabilidade à situação dos autos precisamente o núcleo da discussão em causa neste recurso.

Assim, segundo o art.º 43.º do CP, epigrafado regime de permanência na habitação, sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: (a) a pena de prisão efetiva não superior a dois anos.

"O pressuposto material de aplicação desta pena de substituição [realização, de forma adequada e suficiente das finalidades da execução da pena de prisão] é o da sua adequação às finalidades da punição. A escolha desta pena de substituição, como de qualquer outra, é determinada exclusivamente por considerações de...

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