Acórdão nº 72/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 72/2022

Processo n.º 623/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 2 de junho de 2021, que, por inadmissibilidade legal, rejeitou o recurso pelo mesmo interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa no dia 27 de janeiro de 2021, que negou provimento ao recurso pelo mesmo interposto do despacho proferido no Tribunal Central de Instrução Criminal que determinou a apreensão do correio eletrónico do arguido, ao abrigo do disposto no artigo 16.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime).

2. O recurso de constitucionalidade apresenta, no essencial, o seguinte teor:

«(...)

I. PRELIMINARMENTE: CONTEXTUALIZAÇÃO E OBJETO DO PRESENTE RECURSO

1. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no dia 02.06.2021, no âmbito dos autos de recurso n.º 184/12.5TELSB-R.L1.S1.

2. No âmbito de tais autos de recurso discutia-se, em suma e simplificando, a nulidade de prova (artigo 126.º, n.º 3, CPP) decorrente da seleção de emails do Recorrente A., em diligência de abertura e seleção de mensagens de correio eletrônico que teve lugar no dia 13 e 14.08.2020. Tratava-se de emails que, em momento anterior, haviam sido apreendidos à ordem dos autos.

3. Tal nulidade de prova foi invocada pelo Recorrente, nos termos legalmente admissíveis (i.e., primeiro, perante o Juiz de Instrução Criminal que presidiu à referida diligência e, depois, perante o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de recurso e após indeferimento da sua pretensão por aquele primeiro), essencialmente, com base em dois pressupostos jurídicos - a saber: (i) a invalidade da apreensão de emails ocorrida nos autos por inexistência de autorização prévia de juiz, em violação do artigo 179.º, n.º l, do CPP, ex vi artigo 17.º da Lei do Cibercrime; e (ii) a falta do seu consentimento na referida apreensão, em violação do disposto no artigo 126.º, n.º 3, CPP.

4. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.01.2021, embora tenha acolhido o segundo argumento esgrimido pelo Recorrente, rejeitou o primeiro. Isto por considerar que aos emails em causa (emails abertos/lidos) não se aplica o regime do artigo 17.º da Lei do Cibercrime (que exige a referida autorização judicial prévia à apreensão), mas antes o regime do artigo 16.º do mesmo diploma (que, por seu turno, não exige uma tal autorização).

5. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.01.2021, tomou esta específica posição quanto ao regime aplicável e, por conseguinte, quanto ao tema da (in)validade da apreensão de emails efetuada ao Arguido A. em sentido diametralmente oposto ao já antes decidido, em relação a outros coarguidos mas no mesmo processo-crime, considerando semelhantes apreensões de emails (também abertos/lidos), na mesma altura e, também, sem autorização judicial prévia.

6. Ou seja: enquanto que, nestes últimos casos, as apreensões de emails foram consideradas inválidas por inexistência de autorização prévia de juiz, em violação do artigo 179.º, n.º 1, do CPP, ex vi artigo 17.º da Lei do Cibercrime (nomeadamente, pelos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de dias 20.12.2017 e 07.03.2018, proferidos respetivamente nos apensos de recurso A e B e já transitados em julgado); no caso dos presentes autos de recurso identificados com a letra R, relativos ao Recorrente A., uma apreensão de emails em tudo idêntica foi considerada válida, não obstante a falta de autorização prévia de juiz, por se aplicar o artigo 16.º da Lei do Cibercrime.

7. Foi esta flagrante violação do caso julgado de duas decisões anteriores que motivou o Recorrente A. a interpor de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.º do CPP.

8. Fê-lo motivado pelo facto de tal solução ser expressamente admitida por jurisprudência, constante, do Supremo Tribunal de Justiça, mas também por ser essa a solução mais conforme com a Lei Fundamental.

9. Aliás, dois dias após a prolação do Acórdão Recorrido, nos mesmos autos (mas no âmbito do Apenso de Recurso N), pela Exma. Senhora Juíza Conselheira Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi proferida Decisão Singular a deferir Reclamação apresentada contra Despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, admitindo o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com o mesmo fundamento legal (artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.º do CPP).

10. A admissibilidade do recurso interposto para Supremo Tribunal de Justiça, por violação de caso julgado, nos termos referidos, foi reconhecida pelo Tribunal da Relação de Lisboa (então a quo), como pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça (então ad quem) aquando da receção do recurso e sua análise preliminar, na medida em que o recurso seguiu os seus normais trâmites (incluindo prolação de Parecer do Ministério Público), sem vicissitudes de maior.

11. Sucede que, sem que nada o previsse (atento o momento processual já "adiantado" da causa), o Supremo Tribunal de Justiça proferiu, no dia 02.06.2021, Acórdão nos termos do qual rejeitou o recurso interposto pelo Recorrente, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1 alínea c), 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP, por considerar inadmissível este tipo de recurso em processo penal.

II. DA CONCRETA VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS DE QUE DEPENDE O RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

12. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 75º-A da LTC, "[o] recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do n.º l do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie",

13. Determinando o n.º 2 do mesmo artigo que "[s]endo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade".

14. Por sua vez, estabelece o n.º 2 do artigo 70.s da LTC que "[o]s recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência".

Assim,

A. A ALÍNEA DO N.º 1 DO ARTIGO 70.º DA LTC AO ABRIGO DA QUAL O RECURSO É INTERPOSTO

15. Tal como enunciado supra, o presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

B. DA IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ORDINÁRIO

16. O Acórdão Recorrido foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto última instância de recurso (para a qual se recorre em casos muito limitados), no âmbito do sistema ordinário de recursos na categoria dos tribunais judiciais.

17. Nos termos do artigo 31.º, n.º 1, Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto), "[o] Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional".

18. Esta norma reitera a regra constitucional que já era emanada do artigo 210.º, n.º 1, CRP.

19. Nestes termos não é legalmente admissível recurso ordinário do Acórdão Recorrido.

C. NORMAS CUJA INCONSTITUCIONALIDADE SE PRETENDE QUE O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL APRECIE

20. A norma cuja inconstitucionalidade o Recorrente pretende ver apreciada, para efeitos do disposto no artigo 75.º-A, n.º 1 da LTC, é a seguinte:

A norma que se extrai do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal - ou de qualquer outra disposição legal -, segundo a qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, quando o fundamento do recurso é a violação do caso julgado.

D. PEÇAS PROCESSUAIS EM QUE OS RECORRENTES SUSCITARAM AS INCONSTITUCIONALIDADES

21. Em momento anterior à prolação do Acórdão Recorrido, o Recorrente abordou detalhadamente, perante o Tribunal a quo, o problema da não admissibilidade, in casu, de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com base na violação de caso julgado, invocando a inconstitucionalidade inerente a uma tal solução.

22. Fê-lo, em primeiro lugar, nas Motivações e Conclusões do Recurso por si interposto, no dia 03.02.2021, para o Supremo Tribunal de Justiça, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.01.2021,

23. Mas fê-lo, também, na Resposta que apresentou no dia 28.04.2021 ao Parecer que o Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.

24. Nessas peças processuais, foi suscitada a questão de constitucionalidade cuja apreciação o Recorrente pretende, agora, exercida pelo Tribunal Constitucional.

25. Efetivamente, o Recorrente fundamentou a razão pela qual a Lei Fundamental impunha (e impõe) a necessidade de se admitir, em processo penal, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos por Tribunais da Relação que não conheçam, a final, do objeto do processo, quando o fundamento do recurso seja a violação de caso julgado cristalizado no mesmo processo.

26. Tal fundamentação foi desenvolvida...

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