Acórdão nº 11/22 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução06 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 11/2022

Processo n.º 954/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. apresentou reclamação ao abrigo do disposto no artigo 405.º, n.º 1 do Código de Processo Penal para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1-15) da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, com fundamento em irrecorribilidade, não admitiu o recurso antes interposto pelo reclamante para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por decisão de 17.12.2020 (fls. 630-634), o Supremo Tribunal de Justiça ofereceu parcial procedência à reclamação, admitindo o recurso na parte em que alegava desrespeito por caso julgado (artigo 629.º, n.º 2, alínea a), in fine, do Código de Processo Civil, ex vi art. 4.º do CPP) e, no mais, indeferiu o reclamado, confirmando a decisão de irrecorribilidade da 2.ª instância.

1.1. A. veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional da decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça, na parte em que indeferiu a reclamação, ora nos seguintes termos:

(…) I. Primeira questão de (inconstitucionalidade normativa

a) Norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie

9. A questão de inconstitucionalidade que se leva ao conhecimento e à apreciação de V. Ex. coincide com a norma constante do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual não é recorrível a decisão instrutória de pronúncia proferida em recurso.

E esta a dimensão normativa, interpretada no sentido acima indicado, que resulta da Decisão Singular do Supremo Tribunal de Justiça proferida nos presentes autos.

10. Afirma o Supremo Tribunal de Justiça:

"[O] ora reclamante invoca também como fundamento para o recurso ser admitido o disposto no artigo 310.º, n.º 1, do CPP. Ora, esta norma reporta-se aos recursos interpostos da 1ª instância para a Relação, pelo que não faz sentido a sua invocação" (p. 4 da decisão singular).

11. Com efeito, o Tribunal a quo vem subscrever um entendimento segundo o qual não é recorrível a decisão de pronúncia proferida por Tribunal de Recurso, quando revoga a decisão de não-pronúncia de Tribunal de Primeira Instância,

Abrindo-se, assim, a porta à prolação de decisões de pronúncia em contravenção com as regras legais que as conformam, designadamente em matéria de objeto de cognição, dupla conforme, e alteração de factos, sem posterior possibilidade de sindincância judicial perante Tribunal superior, contrariamente ao que sucede com as decisões de pronúncia proferida em Primeira Instância.

12. Tudo se reconduz, no final, à interpretação da seguinte norma geral e abstrata: não é recorrível a decisão instrutória proferida em recurso que pronuncia o arguido na sequência de decisão de não pronúncia proferida por tribunal hierarquicamente inferior.

É precisamente este entendimento geral e abstrato, naquela dimensão normativa, que o Recorrente pretende ver sindicado.

b) Normas e princípios constitucionais que se considera terem sido violados

13. A dimensão normativa do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal acolhida pela decisão recorrida viola o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, o direito ao recurso e as garantias de defesa, previstos nos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição, o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, e o princípio do contraditório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, na medida em que este entendimento implica, entre o mais, que o arguido se veja impedido de sindicar perante Tribunal superior uma decisão de pronúncia apenas pela circunstância de a mesma ter sido imediatamente proferida por Tribunal de Recurso e não por Tribunal de Primeira Instância.

c) Peça processual em que foi suscitada a questão de (in)constitucionalidade

14. A primeira questão de (inconstitucionalidade normativa sindicada no presente Recurso foi tempestivamente suscitada perante o Supremo Tribunal de Justiça na Reclamação apresentada pelo Recorrente no dia 26.11.2020, em especial no respetivo Ponto 19 (págs. 14-15).

Sem prescindir:

II. Segunda questão de (in)constitucionalidade normativa

a) Norma cuja (in)constitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie

15. A questão de inconstitucionalidade que se leva ao conhecimento e à apreciação de V. Ex.ªs coincide com a norma constante do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual não é aplicável à decisão instrutória proferida em recurso o regime de recorribilidade das decisões instrutórias constante do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

É esta a dimensão normativa, interpretada no sentido acima indicado, que resulta da decisão singular proferida nos presentes autos.

16. Afirma o Supremo Tribunal de Justiça:

"[O] ora reclamante invoca também como fundamento para o recurso ser admitido o disposto no artigo 310.º, n.º 1, do CPP. Ora, esta norma reporta-se aos recursos interpostos da 1ª instância para a Relação, pelo que não faz sentido a sua invocação" (p. 4 da decisão singular).

17. Com efeito, o Tribunal a quo vem subscrever um entendimento segundo o qual não é aplicável à decisão de pronúncia proferida por Tribunal de Recurso, mormente quando revoga a decisão de não-pronúncia de Tribunal de Primeira Instância, o regime de recorribilidade previsto para as decisões instrutórias,

Abrindo-se, assim, a porta à prolação de decisões de pronúncia em contravenção com as regras legais que as conformam, designadamente em matéria de objeto de cognição, dupla conforme, e alteração de factos, sem posterior possibilidade de sindicância judicial perante Tribunal superior, contrariamente ao que sucede com as decisões de pronúncia proferida em Primeira Instância.

18. Tudo se reconduz, no final, à interpretação da seguinte norma geral e abstrata: não é aplicável à decisão instrutória proferida em recurso que pronuncia o arguido o regime legal da recorribilidade das decisões instrutórias.

É precisamente este entendimento geral e abstrato, naquela dimensão normativa, que o Recorrente pretende ver sindicado.

b) Normas e princípios constitucionais que se considera terem sido violados

19. A dimensão normativa do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal acolhida pela decisão recorrida viola o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, o direito ao recurso e as garantias de defesa, previstos nos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição, o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, e o princípio do contraditório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, na medida em que este entendimento implica, entre o mais, que o arguido se veja impedido de invocar o regime de recorribilidade das decisões instrutórias perante uma decisão de pronúncia proferida por Tribunal de Recurso e não por Tribunal de Primeira Instância.

c) Peça processual em que foi suscitada a questão de (inconstitucionalidade

20. Esta nova questão de (in)constitucionalidade é agora oportunamente suscitada, na medida em que o Recorrente foi surpreendido com esta dimensão normativa com a prolação da decisão singular a quo .

21. Como ensina Lopes do Rego, a regra que "obriga a suscitar a questão de inconstitucionalidade antes da prolação da decisão recorrida tem de sofrer restrições ou limitações em determinadas situações processuais excecionais ou anómalas", situações nas quais inclui os casos "em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de ser proferida, a decisão recorrida, face ao tipo de intervenção processual que lhe foi consentido, ou por se tratar de "decisão-surpresa", de conteúdo insólito ou imprevisível, tornando inexigível a prévia suscitação de tal questão, antes de a parte ter sido confrontada com o teor da decisão proferida".

22. Ora, um dos casos em que, por elementares razões de justiça, razoabilidade, boa-fé e lealdade, se teria de admitir a restrição ou limitação da regra que obriga a suscitar a questão de inconstitucionalidade antes da prolação da decisão recorrida seria precisamente o caso dos presentes autos,

Em que o Recorrente, na Reclamação que apresentou e que deu azo à Decisão Singular agora recorrida, configurou e arguiu a inconstitucionalidade material resultante da interpretação do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal segundo a qual não seria recorrível a decisão instrutória proferida em recurso, e foi posteriormente confrontado com uma (suposta) interpretação segundo a qual esse artigo seria afinal, e desde logo, inaplicável a decisão instrutória proferida em recurso — ou seja, com uma interpretação mais extrema do que o ora Recorrente legitimamente pôde antecipar.

Se assim não se entender,

III. Terceira questão de (inconstitucionalidade normativa

a) Norma cuja (inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie

23. A questão de inconstitucionalidade que se leva ao conhecimento e à apreciação de V. Ex. coincide com a norma constante dos artigos, isolada ou conjuntamente considerados, 310.º, n.º 1, 400.º, n.º 1, e 432.º, n.º 1, do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça a decisão instrutória proferida em recurso pela Relação que pronunciar o arguido por factos diferentes dos constantes da acusação do Ministério Público e na sequência de decisão de não pronúncia proferida por tribunal de 1.ª instância.

É esta a dimensão normativa, interpretada no sentido acima indicado, que resulta da decisão singular proferida nos presentes autos.

24. Afirma o Supremo Tribunal de Justiça:

"[O] ora reclamante invoca também como fundamento para o recurso ser admitido o disposto no...

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