Acórdão nº 970/18.2T8PFR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de … e Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de …, intentaram ação comum contra AA e BB, CC e DD.

Pediram a condenação de todos os réus a:

  1. Reconhecerem o direito de propriedade exclusiva, em comum e partes iguais, das autoras sobre a totalidade dos prédios rústicos e urbanos, melhor identificados no art. 1.º da petição, incluindo a parcela em litígio (...); B) A entregarem às autoras a parcela de terreno com a área de 1.144 m2, melhor assinalada na referida planta (...); C) A pagarem às autoras os prejuízos causados com a ocupação abusiva e sem título da parcela de terreno supra referida, com a área de 1.144 m2, desde a data da citação e até efetiva entrega, correspondente ao seu valor locativo e a liquidar em execução de sentença (...).

    Alegaram, em síntese, serem proprietárias do prédio que identificam, que inclui a parcela em litígio, mas que os réus invocaram ser sua.

    Os réus contestaram, mas não pagaram o complemento da taxa de justiça devido pelo aumento do valor da ação nem as respetivas sanções.

    A fls. 123/125 foi proferido despacho no qual, e além do mais, se determinou a notificação das autoras “para se pronunciarem, querendo, sobre a eventual ineptidão do pedido formulado na a. c) por falta de causa de pedir, uma vez que a formulação de pedidos genéricos não dispensa o autor de alegar os factos que relevam a existência e extensão dos danos, apenas lhe permite que não indique a importância exata em que os avalia, e as autoras nada disseram sobre os prejuízos causados com a alegada ocupação abusiva”.

    Na sequência, a 4.02.2019, as autoras, a fls. 127/134, apresentaram articulado onde ampliam “a matéria de facto alegada, maxime quanto ao ponto referido em terceiro lugar, referente à alínea c) do pedido”[1].

    Por despacho de fls. 157/161, foi fixado o valor da causa (978.000,00€) e, por “incompetência em razão do valor” os autos foram remetidos à Instância Central.

    Realizada uma tentativa de conciliação que resultou frustrada (fls. 173), por despacho proferido a fls. 174/176, foi ordenado o desentranhamento da contestação e da reconvenção e foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, aperfeiçoamento esse que tinha como objeto (apenas) o pedido de reconhecimento da propriedade. As autoras corresponderam a tal convite (fls. 177/178) e juntaram documentos (fls. 184/293) e ainda replicaram (fls. 297/450). Os réus foram notificados do aperfeiçoamento e deduziram oposição, mas, por despacho de fls. 463, entendeu-se que a oposição estava sujeita ao pagamento da taxa de justiça. No entanto, à semelhança do que sucedeu com a contestação, os réus não pagaram a taxa de justiça devida nem os seus acréscimos legais e foi determinado o desentranhamento daquele articulado de oposição (fls. 470).

    Na mesma ocasião (fls. 470 e ss.) ficou escrito: “porque não foi deduzida nenhuma ampliação admite-se a ampliação da causa de pedir efetuada pelas autoras a fls. 127 a 134 dos autos, nos termos do art. 264.º do CPC” e foi proferida sentença[2] com o seguinte “Dispositivo: Pelo exposto, julgando-se a acção totalmente procedente, decide-se:

    1. Condenar todos os RR. a reconhecerem o direito de propriedade (...) b) Condenam-se todos os RR. a entregarem às autoras a parcela de terreno (...) c) Condenam-se todos os RR. a pagarem às autoras, os prejuízos causados com a ocupação abusiva e sem título, da parcela de terreno supra referida, com a área de 1.144 m2, desde a data da citação e até efetiva entrega, correspondente ao seu valor locativo e a liquidar em execução de sentença.

    No mais peticionado, absolvem-se os réus do pedido de condenação como litigantes de má-fé”[3].

    Transitada a sentença e contados os autos, vieram as autoras, por requerimento de Março de 2021, “nos termos das disposições conjugadas dos artigos 358 n.º 2, 359, n.º 1, 360, n.º 3 e 4 e 609, n.º 2, todos do C.P. Civil, deduzir o presente incidente de liquidação de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais” e, pedindo a sua admissão liminar e a renovação da instância, que “os réus sejam condenados a pagarem às autoras, como reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por estas, com a conduta ilícita daqueles, a quantia total de 117.800,00€, liquidados até 5 de março de 2021”.

    A fundamentar a pretensão de liquidação, dizem: por sentença, já transitada, foram os ora réus, condenados a pagarem, às ora autoras, os danos patrimoniais e não patrimoniais, causados pela sua conduta ilícita e dolosa, consubstanciada na posse abusiva e sem título da parcela de terreno, melhor identificada na petição inicial da ação declarativa, contados desde a citação e até à sua entrega real e efetiva; acontece que os réus não entregaram a dita parcela, até à data (5.03.2021), apesar das diligências feitas na pessoa do seu mandatário, e nem pagaram os danos patrimoniais e não patrimoniais causados. Os danos patrimoniais, contados desde a data da citação para a ação declarativa (19.07.2018), pelo menos quanto ao corréu AA, até à data da propositura desta liquidação de indemnização, maxime, pelo dano da privação do uso e indisponibilidade da venda do ativo “Quinta..., ...€. Na verdade, sendo o valor venal ou de mercado da “Quinta..., ...€, a imobilização forçada deste ativo, por parte das autoras, durante mais de dois anos e meio, causou-lhes, para já, maxime, até esta data, um prejuízo de 97.800,00€, correspondente à imobilização do capital investido, que deve ser remunerado à taxa de juro legal de 4% ao ano, pois a posse abusiva, por parte dos réus, impediu a venda não só do art. Rústico n.º ….96, com a área de 57.000 m2, como de toda a Quinta, que constitui uma unidade económica, sendo o seu valor de mercado muito superior à soma das suas parcelas, e só pode ser vendida ou arrendada em conjunto. Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelas autoras no período temporal referido, nas pessoas dos titulares dos seus órgãos sociais, no exercício e por causa do exercício das suas funções, consubstanciados, maxime, em ansiedade, receio fundado em insolvência, agravamento da dificuldade e ou impossibilidade de honrar os compromissos assumidos, perante os credores e tribunal, bem como de cumprirem o seu objeto social, computa-se, como parcimoniosa, para repará-los, a quantia de 20.000,00€, sendo de 15.000,00€ a atribuir à autora Irmandade, dado o especial agravamento do dano , atenta a sua debilidade financeira e estar sob custódia judicial e de 5.000,00€ à autora Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de …. . As autoras vão instaurar execução de sentença para entrega da parcela, dado os réus não o terem feito até esta data, liquidando-se o remanescente dos danos patrimoniais causados, nestes autos e logo que a mesma seja efetuada, em ampliação do presente pedido.

    Os réus deduziram oposição. Sustentam que no incidente de liquidação “não poderá ser englobada a indemnização por danos não patrimoniais por extravasar os limites da condenação proferida”, e, quanto aos danos patrimoniais, que se referem à privação do uso, nenhum prejuízo real ficou demonstrado e, além disso, as autoras não esclarecem como chegam ao valor pretendido, que só pode padecer de lapso de cálculo, conduzindo a uma quantia desproporcional, face à parcela em litígio, dessa forma sustentando a improcedência da liquidação.

    Foi proferido despacho (fls. 528 e ss.) que absolveu os requeridos/réus da instância incidental, com o seguinte teor: “O Tribunal entende que o requerimento inicial/petição do incidente de liquidação padece de ineptidão parcial, no que se refere à liquidação do dano patrimonial. Na sentença, a única condenação genérica que foi decretada e que importa liquidar é a seguinte: “(...) CONDENAM-SE todos os RR. A PAGAREM ÀS AUTORAS, OS PREJUIZOS CAUSADOS COM A OCUPAÇAO ABUSIVA E SEM TÍTULO, DA PARCELA DE TERRENO SUPRA REFERIDA, COM A ÁREA DE 1.144 M2, DESDE A DATA DA CITAÇAO E ATÉ EFETIVA ENTREGA, CORRESPONDENTE AO SEU VALOR locativo e A LIQUIDAR EM EXECUÇAO DE SENTENÇA.” Ora, a liquidação da indemnização refere-se, apenas e tão só, ao valor locativo, designadamente mensal, da parcela de 1.144 m2 multiplicado pelo número de meses de ocupação, desde a data da citação para a acção declarativa e até efetiva entrega da parcela. Na verdade, estes são os limites do caso julgado material e formal da sentença proferida.

    A este propósito, as autoras limitam-se a concluir que tiveram um prejuízo de €97.800,00 sem que tivessem alegado os pressupostos de facto dessa conclusão enquadrados por aqueles limites, a saber: o valor locativo da parcela ou, não sendo possível o seu arrendamento parcial, o valor locativo da totalidade do prédio, alegando-se de seguida a área total do prédio e procedendo-se a uma proporção. Não interessa alegar o valor venal da Quinta, porquanto os termos do cálculo pela privação do uso já foram determinados na sentença e não poderão ser outros. Assim, conclui-se que nenhum facto relevante foi alegado para suportar a conclusão de que o prejuízo ascendeu a €97.800,00, o que se reconduz à falta de causa de pedir no que se refere à liquidação do dano patrimonial, nos termos do art. 186, n.º 2, al. a), do CPC. E, por outro lado, da oposição deduzida sequer se pode concluir que os réus interpretaram convenientemente o requerimento inicial de liquidação, não resultando daquela oposição os pressupostos de facto de qualquer outro valor indemnizatório, mas apenas os critérios abstratos que poderão conduzir à quantificação dessa indemnização. A exceção dilatória de ineptidão parcial é insanável, obsta à apreciação do mérito da liquidação no que se refere ao dano patrimonial e conduz à absolvição parcial da instância dos réus, no que se refere àquele dano patrimonial cfr. arts. 278, n.º 1, al. e), 576, n.º 2, e 577 do CPC), o que tudo se determina.

    No que se refere ao dano não patrimonial reclamado, o...

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