Acórdão nº 00522/16.1BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução17 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO AUTO-ESTRADAS (...), S.A. e Z. PLC , com os sinais dos autos, vêm intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que, em 31.12.2020, julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou solidariamente a Ré AUTO-ESTRADAS (...), S.A.

e a Interveniente A. SUCURSAL EM PORTUGAL “(…) a pagarem à Autora a quantia de € 9,440,51 (nove mil quatrocentos e quarenta Euros e cinquenta e um cêntimo), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação até efetivo e integral pagamento, deduzindo-se a franquia de € 5,000,00 (cinco mil Euros), relativamente à Interveniente (…)”.

Alegando, a Recorrente AUTO-ESTRADAS (...), S.A.

formulou as seguintes conclusões: “(…) I.

Apesar de - tudo o indica - o tribunal a quo ter considerado na fundamentação da sentença, ainda que de uma forma menos rigorosa e extensa do que devia, o expendido pela R. em 18° da sua contestação, certo é que não dispunha, provavelmente por lapso, de tal matéria no acervo de factos provados; II.

E a verdade é que tal matéria, não só por essencial para a defesa da R., mas também por ser nitidamente importante para a boa decisão da causa, e sob pena de clara omissão de pronúncia, devia (deve ainda), atendendo nomeadamente ao depoimento de B. transcrito nestas linhas, ser dada inequivocamente como provada e com a seguinte sugestão de redação: - provado que “Na data do sinistro e em toda a extensão do sublanço compreendido entre os nós de Vagos e Santo André da A17 onde se integra o local do sinistro, num total de cerca de 5 kms em cada um dos sentidos de marcha, a vedação apresentava-se intacta e sem quaisquer buracos, aberturas, ruturas, anomalias ou deficiências de qualquer espécie.”; III.

A sentença também não andou bem ao relegar para os factos não provados aqueles que identifica com o n° 3, factos esses que, reportando-se, como é óbvio, a momento anterior ao da eclosão do sinistro, são confirmados pelo depoimento de António Marcolino igualmente transcrito e que, por isso, devem transitar para o rol de factos de provados e, naturalmente, considerados na decisão a proferir; IV.

Depois, e porque se trata de factos que resultaram da instrução da causa e são claro complemento de outros alegados pelas partes (no caso, a A.) quanto à dinâmica do sinistro (cfr. artigo 5° n° 2, alínea b) do C. P. C.), importa que, de harmonia, nomeadamente, com o testemunho do próprio motorista (L.) e também aqueloutro de P., condutor do veículo que o seguia, passe a integrar a factualidade provada a seguinte matéria: - provado que “O motorista do veículo JM efetuou uma travagem brusca e imobilizou o dito veículo cerca de 300 metros após o local da colisão com o animal.”.

Segue-se que V.

O raciocínio/fundamentação da sentença (para efeitos de condenação, ainda que pela metade, da R.) é, salvo o respeito devido, muito parco e reconduz-se apenas a 2 (ou 3, com muito boa vontade) ideias, avançando tão-só e para tal com uma “meia dúzia” de linhas (e repetitivas, ainda assim) no conjunto das 19 páginas que a compõem (cfr. págs. 14 e 15); VI.

Efetivamente, lavrou-se a sentença e ditou-se a sorte desta ação com base, por um lado, na ideia de que seria suposto que a vedação “(...)garantia e impedia a entrada do animal na autoestrada” e depois que a prova produzida pela R. seria insuficiente, até porque esta R. “(.) não alegou e provou a proveniência do animal nem que o mesmo surgiu de forma incontrolável e que, por esse motivo, não lhe seria imputável o sucedido.” (vide pág. 14); VII.

No entanto, esta linha de argumentação/raciocínio/fundamentação enfrenta inequivocamente um sério problema de base (além de verdadeiramente irresolúvel, na ótica da R.), ou seja, aquele da relação existente (ou não) com a lei aplicável a esta situação; VIII.

E o resultado desse confronto não poderá ser outro senão a conclusão que nada daquilo a que ali se “agarra” para servir de fundamento à condenação (mesmo que em 50%) da R. tem a mínima consagração legal, devendo ainda lembrar-se, a este propósito e porque relevante, o brocardo latino “lex specialis derogat lege generali”; IX.

Na verdade, é patente da sentença que pouco ou nenhum caso fez do disposto no Decreto-Lei n° 87-A/2000, de 13 de maio, na redação em vigor à data do sinistro, e a verdade é que lendo desde logo as Bases XXX n° 4, XXXII n° 1 e XXXVIII n°s. 1, 2, 5 e 6, constata-se que é totalmente inexato que, contrariamente ao defendido na sentença, fosse suposto que a vedação da autoestrada devesse garantir e impedir a entrada do animal na autoestrada (embora certamente sirva para dificultar essa entrada, apesar das características/capacidades de alguns animais), mas antes, e na linha, de resto, do dado como provado na alínea BB) dos factos provados, que tinha de obedecer ao respectivo projeto (e obedece), ser implantada de acordo com ele (e foi) bem como aprovada (e também foi); X. Depois, muito menos se deteta em parte alguma daquele diploma legal (ou de outro qualquer, mesmo que de âmbito mais “geral” ou menos “especial”) a “obrigação” (ou sequer a “recomendação”) de esta concessionária/R. dever demonstrar (e antes alegar) a proveniência do animal ou que este teria surgido “(...) de forma incontrolável e que, por esse motivo, não lhe seria imputável o sucedido”; XI.

Acresce depois dizer que a Lei n° 24/2007, de 18 de julho (também uma lei especial) apenas faz impender sobre as concessionárias de autoestradas, R. incluída, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, operando assim uma inversão desse ónus da prova - embora em sentido contrário, no sentido de que deveria ser provado o respectivo incumprimento pelo lesado - incluído na prova da culpa da R./concessionária originariamente cometida ao lesado; XII.

Porém, não é mesmo nada exato que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa (ou de ilicitude ou de incumprimento) em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redação do citado artigo 12° n° 1 seria seguramente outra, mais próxima daquela constante do artigo 493° n° 1 do Cód. Civil; XIII.

Com efeito, e quanto à dita presunção de culpa, nem tal decorre da referida lei, nem isso resulta do DL n° 87-A/2000, de 13 de maio, na redação aplicável, concluindo-se tão-só que com a vigência da lei citada passou a impender um ónus de prova sobre as concessionárias de autoestradas, embora restrito à demonstração do cumprimento das obrigações de segurança (e nada mais que isso). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344° n° 1); XIV.

Por outro lado, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a autoestrada, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na autoestrada em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, sem margem para dúvidas, acaba por se considerar na sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais;  XV.

De modo que também por aí - repete-se - não nos parece minimamente correto que se possa considerar que incumbia à R. demonstrar a forma como o animal terá ingressado na via (e mais ainda, neste caso, com um nó consabidamente “aberto” a não mais de 400 metros do local do sinistro), sendo certo que dessa forma caminharíamos inevitavelmente na direção de uma responsabilidade objetiva, sem culpa, que também não tem previsão legal (cfr., a este único respeito e pela sua manifesta impressividade, a conclusão III do sumário do ac. do T. R. C. de 10.01.2006, in www.dgsi.pt ); XVI.

O artigo 12° n° 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais a recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sendo que no caso dos autos é nítido e indiscutível que a R. satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente, e tal como resulta desde logo da primeira parte deste recurso quanto à reapreciação da prova gravada, no que se refere à integridade da vedação e à conformidade desta com as normas em vigor; XVII.

No caso destes autos é nítido e totalmente indiscutível que a recorrente satisfez integralmente o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação, situada - importa recordar - entre nós abertos da AE (numa extensão de cerca de 10 Kms e em ambos os sentidos de trânsito); XVIII.

Ora, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo, aliás), num acidente com animais, pela prova de que as vedações se encontravam intactas e sem ruturas nas imediações do local do acidente (e 10 Kms entre nós não fechados, porque não o podem ser, convenhamos, é disso prova bem eloquente), que não, e bem ao contrário do que se sustenta na decisão sem qualquer base nomeadamente legal para que o possa fazer, a demonstração que a vedação impede ou pode impedir a intrusão de animais na autoestrada (basta pensar, p. x., nas “características” de alguns animais). E a verdade é que essa prova - insiste-se - foi claramente feita pela R./recorrente; XIX.

Cabe, aliás, assinalar a contradição em que de certo modo incorre a sentença, posto que apesar de ter por cumpridos (e a prova produzida a isso obrigava) os deveres que à concessionária competiam, conclui afinal que isso não chega, alvitrando ainda, e sem qualquer ligação à realidade e/ou aos textos legais relevantes, que de certo modo à concessionária competia também a prova do contrário, o mesmo é dizer p. ex. a prova “histórica” do ingresso do...

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