Acórdão nº 00022/21.8BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução17 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 .

“I., L. da”, com sede na Rua (…), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro, datada de 25 de Maio de 2021, que, no âmbito da acção administrativa comum instaurada contra “Autoestradas (...), SA”, onde reclamava, a título de indemnização global, a quantia de 9.090.76 €, correspondente a indemnização por danos patrimoniais, ocorridos em decorrência do sinistro sofrido pela A. em via concessionada à Ré/Recorrida, por onde circulava – A25, julgando procedente a excepção peremptória de prescrição do direito da A., absolveu do pedido a Ré/Recorrida.

* Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões: "1.

O Tribunal recorrido julgou procedente a exceção da prescrição e absolveu a ré do pedido, por entender que, in casu, tratando-se de uma situação de responsabilidade civil extracontratual, é aplicável o prazo de 3 anos previsto no art. 498, n.º 1 do CC.

  1. Embora existam opiniões diferentes na doutrina e na jurisprudência quanto à natureza da responsabilidade civil das concessionárias, a recorrente considera que na petição inicial se encontram alegados factos que invocam uma situação de responsabilidade decorrente do incumprimento de um contrato e, como tal, o Tribunal recorrido não deveria ter decidido do mérito da ação, desde logo e sem a produção da respetiva prova, julgando procedente a exceção de prescrição invocada, com base no afastamento do enquadramento legal da responsabilidade contratual.

  2. Por outro lado, atenta a matéria exposta na petição inicial, os factos em causa poderão subsumir-se no tipo legal do crime de dano qualificado, na forma de dolo eventual, pelo que, mesmo optando pelo enquadramento legal da situação em apreço na responsabilidade civil aquiliana, o Tribunal recorrido deveria ter considerado não prescrito o direito da recorrente, por aplicação do disposto no art. 498, n.º 3 do CC (o qual remete para o art. 118, n.º 1 alínea c) e 213, n.º1, alínea a) do Código Penal).

    Vejamos, 4.

    A responsabilidade extracontratual surge como consequência da violação de direitos absolutos, que se encontram desligados de qualquer relação preexistente entre o lesante e o lesado; a responsabilidade contratual pressupõe a existência de uma relação intersubjetiva, que atribuía ao lesado um direito á prestação, surgindo como consequência da violação de um dever jurídico emergente dessa mesma relação.

  3. É sabido que um mesmo facto pode, simultaneamente, gerar responsabilidade civil contratual e extracontratual, já que pode constituir, a um tempo, a violação de um contrato, e a outro tempo, um facto ilícito lesivo de um direito absoluto.

  4. In casu, embora se aceite que os factos alegados nos artigos 6 a 12 da petição inicial conduzem a um a situação de responsabilidade extracontratual, não é menos verdade que os factos alegados nos artigos 25 a 28 desse mesmo articulado invocam uma situação de responsabilidade decorrente do incumprimento de um contrato celebrado entre a autora e a ré.

  5. Com efeito e reproduzindo os aludidos artigos, consta alegado na petição inicial: «25. A ré/ concessionária tem o dever de vigiar a autoestrada de forma a proporcionar aos seus utilizadores a circulação do trânsito em condições de segurança e comodidade.

  6. Com efeito, a autora, tal qual outro utilizador da A25, optou pela autoestrada, assumindo a contrapartida do preço, porque é uma via mais rápida e mais segura. 27. In casu, o acidente em causa deu-se pro causa da queda de uma árvore que estava implantada no terreno que margina a autoestrada.» 8.

    A responsabilidade civil extracontratual constitui um regime residual, relativamente à contraposta via contratual, já que abrange todos os casos de ilícito civil que não resultem da violação de um direito de crédito ou de uma obrigação em sentido técnico.

  7. Ademais, o regime da responsabilidade civil aquiliana não é o que mais aproveita ao utente, pela quantidade de requisitos que carecem de prova e pela dificuldade de prova inerente aos mesmos, que muitas vezes impossibilitam a efetiva reparação dos danos ocasionados.

  8. Destarte, embora inicialmente, e no que respeita a este tipo de situações que abrangem as concessionárias, a doutrina maioritária tivesse defendido a tese delitual, certo é que o acórdão do STJ de 17.02.2000, in Proc. 99B1092, veio inverter essa corrente doutrinária ao defender a existência de um contrato inominado, com base na ideia de que o pagamento da “taxa-portagem” configura uma contrapartida do acesso à circulação, com comodidade e segurança, na autoestrada.

  9. O seu relator, Conselheiro Miranda Gusmão, decidiu tendo por base a anotação de Sinde Monteiro ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de novembro de 1996, trazendo para o seio da jurisprudência a discussão doutrinária que aí se começara a delinear. Apesar de ter concluído pela não existência de conduta ilícita por parte da concessionária, mas sim de terceiro não identificado, este foi um importante acórdão na viragem da orientação da jurisprudência no sentido da existência da responsabilidade civil.

  10. Aquele autor (Sinde Monteiro) começou por sugerir que do próprio contrato de concessão resultam direitos e deveres de proteção em relação aos utilizadores da autoestrada, os quais, embora não adquiram o direito a uma prestação, poderiam exigir uma indemnização caso esses deveres fossem desrespeitados.

    Aos deveres acessórios de proteção de terceiros utilizadores da autoestrada são logicamente correspondentes direitos de que são titulares os mesmos. Esses deveres de cuidado ou proteção seriam impostos, aquando a negociação e celebração do contrato, pelo Estado, entidade a quem compete a defesa dos interesses dos cidadãos, nomeadamente, os utentes, aqueles que serão afetados pela execução das prestações contratuais.

  11. Com a publicação da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, a polémica acerca da natureza da responsabilidade em causa atenuou-se, uma vez que o respetivo art. 12º ao determinar que é à concessionária que cabe o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, por forma a ilidir a presunção legal contra si estabelecida, veio a ser interpretado no sentido de dar acolhimento à tese contratual que já vinha a ser maioritária na jurisprudência.

  12. Acresce que, mesmo em caso de divergência quanto à natureza da responsabilidade nestas situações, a doutrina e a jurisprudência têm considerado que nesta matéria deve vigorar um princípio de favor utentes, devendo, por isso, privilegiar-se as soluções menos gravosas para os utilizadores, dispostos a pagar um preço para beneficiar de um serviço.

  13. Conforme é referido por Maria da Graça Trigo, in. Da responsabilidade da Concessionária de Autoestada perante o Urente em caso de Acidente (Universidade Católica Portuguesa, março de 2014): «Julgamos que nesta matéria deve vigorar um princípio de favor utentis, atenta a especificidade das circunstâncias normalmente envolvem os acidentes de viação em autoestrada, causados pelo incumprimento, por parte da concessionária, de deveres de segurança. Privilegiamos por isso as soluções menos gravosas, em termos de ónus de prova, afastando por isso, desde já, a tese da responsabilidade extracontratual da concessionária por violação da disposição legal destinada a proteger os interesses de outrem (art. 483.).» 16.

    Ora, não restam dúvidas que, in casu, a recorrente alega (e pretende provar) que a escolha pela circulação na autoestrada, com a consequente decisão de pagamento da contrapartida referente ao preço da portagem, teve por base a eficácia e segurança da via em questão garantidas pela concessionária, enquanto vigilante e cuidadora da mesma.

  14. A recorrente ao optar pela aludida via emitiu uma declaração negocial, a qual foi aceite pela recorrida no momento em que aquela acede à autoestrada e levanta o título de pagamento disponibilizado pela própria concessionária.

    Por outro lado, 18.

    Os factos alegados nos artigos 6, 7, 10, 11 e 12 da petição inicial poderão subsumir-se no enquadramento penal do crime de dano qualificado, na forma de dolo eventual, pelo que o prazo de prescrição in casu é de 5 anos e não de 3 anos (cfr. art. 498º, n.º 3 do CC).

  15. Tal crime encontra-se previsto no artigo 213, n.º 1, alínea a) do CP e é punido com uma pena de prisão até...

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