Acórdão nº 01297/10.3BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução03 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO 1.1.

J.

, contribuinte n.º (…), residente na Avenida (…), C.

, contribuinte n.º (…), residente na Rua (…), e J.

, contribuinte n.º (…), residente na Rua (…), moveram a presente ação administrativa comum contra o MUNICÍPIO (...), com sede institucional na Praça Ferreira Tavares, em Albergaria-a-Velha, e EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, SA., com sede na Praça da Portagem, em Almada, pedindo a condenação solidária dos Réus a “pagarem aos AA a indemnização de 180 000,00 euros, (cento e oitenta mil euros), que corresponde aos lucros que estes deixaram de auferir, com o impedimento da construção projetada e antes aprovada pelo 1º Réu, para o prédio identificado em 1ª desta petição ou, se assim se não entender, que seja relegada para liquidação em execução de sentença o valor da indemnização devida aos AA. pelo impedimento de construção e dos lucros que deixaram de auferir, em virtude desse comportamento dos RR.. (...)”.

Alegam, para tanto, em síntese serem donos e legítimos possuidores do prédio urbano, composto de terreno destinando à construção urbana, sito em (...), da dita freguesia da (...), inscrito na matriz respetiva sob o artigo 3282 e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 172 e inscrito definitivamente a favor deles, autores; Nessa qualidade, apresentaram na Câmara Municipal (...) um pedido de autorização de loteamento do identificado terreno/ prédio, para divisão do mesmo, ao qual foi atribuído o número de 5/2007, e que “(...) o terreno declarado apto para a construção e dividido em quatro lotes”.

Nesse seguimento, mandaram elaborar e apresentaram na Câmara os projetos com as especialidades respetivas”, após o que, a Câmara aprovou as obras de urbanização, a realizar no mesmo prédio, concedendo-lhes o prazo de 360 dias para apresentarem a documentação necessária a levantar o alvará, o que lhes foi comunicado por ofício de 27.10.2008.

Em 24.09.2009 solicitaram informação ao 1º R., sobre a manutenção da viabilidade da construção, nomeadamente para serem informados se a criação da zona non aedificandi, para a construção da A32, abrangia o prédio dos mesmos, e bem assim, a suspensão da contagem do prazo para levantamento do alvará.

O Município respondeu por ofício de 15.12. 2019, dando conhecimento aos AA. da intenção de indeferimento da pretensão constante do alvará de loteamento, face ao parecer desfavorável do 2º R.

Perante tal notificação os AA. insurgiram-se alegando, desde logo, que o Presidente da Câmara não podia, com um simples despacho, revogar uma deliberação camarária, alegando que o indeferimento lhes causava elevados prejuízos, de que queriam ser ressarcidos, o que foi indeferido, entre outros, com o argumento de que os AA. não haviam requerido o alvará de loteamento tempestivamente.

Entendem que o referido despacho é nulo, uma vez que só uma deliberação do mesmo órgão pode revogar uma anterior, ou de um órgão que, hierarquicamente lhe seja superior em competência.

Subsidiariamente, invocam que com o deferimento da sua pretensão inicial criaram legítimas expectativas de comercialização dos lotes de terreno em causa, pelo que a decisão posterior, os impediu de concretizarem a divisão em lotes e o plano de construção, o que constitui o respetivo órgão decisor na obrigação de os indemnizar pelos prejuízos provocados.

Nesse sentido, aduzem que pretendiam dividir o terreno em causa em quatro lotes e proceder à construção de uma moradia em cada um deles, e que considerando a “localização excecional”, a “implantação a um nível superior aos demais prédios” e a “vista panorâmica sobre a bacia lagunar da ria de Aveiro”, bem como as “áreas elevadas” e a qualidade das infraestruturas, “(...) previam vender cada uma delas [as moradias] a um preço de 300.000,00 (...)”, com um lucro médio, por moradia, de cerca de 20&, o que computaria a quantia de 240.000,00€.

Não obstante, contabilizando, igualmente “(...) despesas várias, nomeadamente com custo dos projetos, estudos e impostos, os AA ou a sociedade irregular entre eles constituída (...) iria sempre obter um lucro líquido de 180.000,00 (...)”.

Clamam, assim, os AA. que em face da atuação do R. Município tinham uma “(...) perspetiva séria de conseguir realizar um projeto de construção que lhes iria proporcionar, além de uma realização pessoal importante um lucro razoável e muito expectável. (...)”, donde concluem são os RR.

“(...) responsáveis perante os AA. pelos prejuízos que estes sofreram e pelo lucro que deixaram de auferir, com a sua atuação. (...)”.

1.2.Citado, o R. Município defendeu-se por impugnação, pugnando, em suma, pela legalidade do despacho do Presidente da Câmara Municipal de revogação e de indeferimento da pretensão dos Autores, e que não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual, designadamente por inexistência de facto ilícito e de nexo de causalidade.

Sustentam que os Autores não requereram a emissão do respetivo alvará dentro do prazo que lhes foi concedido o que teve como consequência a caducidade do deferimento do loteamento e do licenciamento.

Subsidiariamente, refere que, quanto aos lucros cessantes peticionados pelos Autores os mesmos “(...) não referem factos de onde se pudesse concluir que havia mercado para os mesmos, nem o preço porque seriam vendidos nem as despesas de construção dos mesmos. (...)”, donde, “(...) quando muito, teriam direito ao ressarcimento pelos danos emergentes, negativos ou de confiança, como os resultantes da despesa com a elaboração dos projectos de arquitectura, especialidade, pagamento de taxas e outras despesas feitas. (...)”, desde que, ressalva, se apurasse a existência de ilicitude na conduta do R. Município.

Requer a condenação dos AA. como litigantes de má-fé.

Conclui, pedindo que a ação seja julgada improcedente.

1.3. Citada, a R. Estradas de Portugal defendeu-se por exceção, alegando a sua ilegitimidade para a lide. Defendeu-se ainda por impugnação, alegando, em suma, que a pretensão dos Autores está relacionada com um processo de licenciamento de uma operação de loteamento com obras de urbanização de um terreno sito em (...) / (...), propriedade dos mesmos, de cuja existência, apenas tomou conhecimento através do ofício «1040/obras», com data de 13.10.2009, que lhe foi remetido pela Câmara Municipal (...).

Afirma que verificou a coincidência de localização do prédio objeto da operação urbanística, com a faixa de servidão “non aedificandi”, relativa ao traçado aprovado do estudo prévio IC2-Coimbra/ Oliveira de Azeméis, estabelecida nos termos do disposto no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 13/94, de 15 janeiro, a qual se verifica, conforme consta da Declaração (extrato) n.º 105/2009, publicada no diário da República n.º 57, IIª Série, de 23.03.2009 e que determinou a emissão de parecer desfavorável à questão que lhe foi endereçada, pelo R. Município no ofício «121604» de 26.10.2009. Não obstante, afirma que, caso se venha a verificar a caducidade da «DIA» (Declaração de Impacto Ambiental), sempre poderão as AA. reapresentar a sua pretensão.

No mais, impugnou o valor peticionado a título indemnizatório, porquanto, sustenta, o mesmo carece de suporte documental e de prova.

Conclui, pugnando pela procedência da exceção de ilegitimidade passiva e consequentemente, pela sua absolvição da instância e, subsidiariamente, pela improcedência da ação.

1.4. O TAF de Aveiro suscitou, oficiosamente, a inutilidade superveniente da lide.

1.5. Os Autores pronunciaram-se sustentando que a ação deveria prosseguir os seus termos.

1.6. A R. Estradas de Portugal pronunciou-se em sentido favorável à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

1.7. Foi realizada audiência prévia, fixado o valor da causa, julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade passiva da R. Estradas de Portugal e de inutilidade superveniente da lide, fixado o objeto do litígio e os temas da prova.

1.8. Realizou-se audiência final.

1.9. Julgou-se a presente ação integralmente improcedente e absolveu-se os Réus do pedido, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: « Em suma, ante a argumentação fáctica e legal supra expendida, julgo improcedente a presente acção e, em consequência, absolvo os RR. do pedido.

Custas a cargo dos AA. (artigos 527º n.1 do Código de Processo Civil e artigo 6º n.1 Regulamento das Custas Processuais).

Registe e notifique».

1.10. Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, em que formulam as seguintes Conclusões: «1. Deve ser alargada a matéria assente, de acordo com o alegado, a prova produzida, de forma a possibilitar um melhor enquadramento jurídico-legal do objecto do litígio.

Assim, deve a alínea A). dos factos assentes ser esclarecida e completada, nos termos atrás expostas.

Devem os pontos 1. ; 2.; 4.; e 5. Do factos não assentes serem considerados assentes e a respectiva matéria ser levada aos factos assentes, acrescentados alíneas AA); BB); CC);, conforme vem exposto precedentemente.

  1. Com a presente ação, os AA. pretendem ser indemnizados por atuação do R. Município e da R. Infraestruturas, atuação que reputam lícita mas que lhe causaram prejuízos, em função da sua especial situação, conforme descrito nos autos.

    Já refere Antunes Varela: “são susceptíveis de gerar responsabilidade civil a prática de certos atos que, embora lícitos, causem prejuízos a outrem responsabilidade extracontratual.” Também se passa assim no direito público, quanto às relações entre os particulares, sejam pessoas singulares ou coletivas e os entes públicos.

    Esta responsabilidade, cujos efeitos danosos são toleráveis do ponto de vista do interesse público, sendo os seus ónus repartidos pela coletividade cujos interesses fundamentaram tais intervenções, pelo que apenas são indemnizáveis os danos que excedam os custos...

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