Acórdão nº 28/02.6PTFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDA PALMA
Data da Resolução23 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora No Processo Abreviado nº 28/02.6PTFAR, da secção criminal da Instância Local de Faro, J3, da Comarca de Faro, datado de 13-01-2021, o Mmº Juiz proferiu o seguinte despacho: — “Compulsados os autos, verifica-se que JPSH foi condenado, por sentença de 04 de outubro de 2002, transitada em julgado em 17 de outubro de 2002, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.°, 1 e 69.°, 1, a) do Código Penal, na pena de 115 dias de multa à taxa diária de 7,00€, perfazendo o montante global de 805,00€, bem como na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 7 meses. — Tendo cumprido a pena acessória, o arguido não pagou voluntariamente a multa em que foi condenado, não requereu o pagamento em prestações, nem a substituição da pena principal por trabalho a favor da comunidade. — O Ministério Público decidiu não instaurar execução para cobrança coerciva da multa, com fundamento na inexistência de bens/rendimentos conhecidos ao condenado. — Por despacho datado de 11 de novembro de 2003, foi a pena de multa convertida em 76 dias de prisão subsidiária — cfr. fls. 89. — Conforme resulta de fls. 91 a 93, o teor desse despacho foi notificado à ilustre defensora do arguido, por via postal registada, e, a este, através de correio simples com prova de depósito, por referência à morada constante do Termo de Identidade e Residência que, em 14 de fevereiro de 2002, JPSH prestara nos autos (e que está a fls. 5). — Promoveu, posteriormente, o Digno Magistrado do Ministério Público o cumprimento do disposto no art. 476.° do Código de Processo Penal (fls. 102), o que veio a ser deferido (fls. 106). Por despacho proferido em 29 de abril de 2005, foi JPSH declarado contumaz - cfr. fls. 113 a 114. — Dispunha o, então vigente, art. 476.° do Código de Processo Penal que, “ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de uma pena de prisão ou de uma medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335.°, 336.° e 337.°, — Ora, se é certo que o condenado foi pessoalmente notificado da sentença condenatória (tendo estado presente aquando da sua leitura pública), não pode haver-se como notificado, na sua pessoa, do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, ou sequer, se pode presumir que tenha tido conhecimento dessa decisão. — Com efeito, conforme acima se disse, JPSH não foi notificado, por carta registada com aviso de receção, nem por contacto pessoal efetuado através de Órgão de Polícia Criminal, dessa decisão (a da conversão da multa em prisão subsidiária) que pessoalmente o afeta, já que, conforme acima se expôs, para tanto, apenas foi expedida carta simples, com prova de depósito, para a morada indicada no Termo de Identidade e Residência prestado no dia 14 de fevereiro de 2002. — Ora, sucede que as obrigações emergentes, para o arguido, do Termo de Identidade e Residência, nomeadamente, a prevista na alínea c) do n.° 3 do art. 196.° do Código de Processo Penal [na redação anterior à da Lei n.° 20/2013, de 21/02, ao tempo aplicável], cessaram com o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 214.°, 1, e), do Código de Processo Penal). Donde, a partir do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, deixou o condenado de estar juridicamente sujeito às obrigações decorrentes da aplicação dessa medida de coação, designadamente, a de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar, ao tribunal, a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado (art. 196.°, 3, b), do Código de Processo Penal). — Estando extinta a medida de coação em referência e esta última obrigação, perante a insubsistência da obrigação jurídica de manutenção da residência declarada e da comunicação imediata da sua alteração, “torna-se intolerável que se continue a ficcionar que o mero depósito da carta postal simples no receptáculo postal da residência mencionada em termo juridicamente caduco seja meio idóneo de assegurar, pelo menos, a cognoscibilidade do acto notificando, designadamente quando esse acto encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade daquele. Para respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.° 1 do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia no presente caso se se atribuísse relevância a uma notificação por via postal simples que manifestamente não garante, com o mínimo de certeza, a cognoscibilidade da decisão que decretou a conversão da pena de multa em pena de prisão. E, em nosso entender, não basta, no caso, a notificação do despacho ao defensor oficioso nomeado, pois trata-se de decisão que afecta a liberdade do arguido em grau intenso, não havendo razões para não a sujeitar à disciplina do art. 111.° n.° 9, “2.a parte”, do CPP. A pena de prisão resultante da conversão de uma pena de multa não deixa de ser uma pena privativa da liberdade que apenas possui como nota distintiva a possibilidade do condenado poder evitar a respectiva execução, procedendo ao pagamento integral ou parcial do valor da multa (cf. art. 49.° n.° 2 do C. Penal), não retirando àquele a possibilidade de impugnação perante o tribunal superior dos fundamentos...

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