Acórdão nº 1084/19.3TELSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução23 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo de Instrução n.º 1084/19.3TELSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Instrução Criminal de Faro, Juiz 2, foi proferida decisão de não pronuncia do arguido (...) pela prática de um crime de pornografia de menores agravada, previsto e punível pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea c) e n.º 8, 177.º, n.ºs 6 e 7 do CP e determinado o arquivamento do processo.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do Ministério Público Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “O presente recurso vem interposta da decisão instrutória proferida a fls. 158/164 mediante a qual o Mmo. Juiz a quo decidiu não pronunciar o arguido (...) pela prática de um crime de pornografia de menores agravada, previsto e punível pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea c), e 8, e 177.º, n.º 6 e 7, do Código Penal, de que vinha acusado; 2ª Nomeadamente quanto aos fundamentos invocados pelo Mmo. Juiz no sentido que ficou por apurar que o arguido tivesse conhecimento do concreto conteúdo do vídeo que partilhava.

    3ª Tal decisão é contrariada pelos indícios carreados aos autos na fase de investigação, os quais não foram considerados na decisão pelo Mmo. Juiz a quo.

    4ª O arguido foi interrogado em 22 de Setembro de 2020, tendo prestado declarações no sentido de “(…) recordar-se de ter visualizado tal ficheiro. Aditou que é parte integrante de diversos grupos em redes sociais como o Facebook e o WhatsApp, recebendo diversos conteúdos por dia, nomeadamente pornografia de adultos. Que, nesse âmbito partilhou esses ficheiros "por estupidez, por gozo, sem fundamento e não tendo noção nenhuma de que se tratava de um crime" (sic.). Não obstante, lamenta profundamente o sucedido. (…)” 5ª De onde, o arguido, nas mencionadas declarações, admitiu recordar-se daquele concreto vídeo por o ter visionado antes de proceder à sua partilha com terceiros por via do seu reencaminhamento.

    6ª O arguido, em sede de instrução, veio apresentar versão diferente da das declarações iniciais, contudo, estas últimas declarações, surgem desacreditadas pelo próprio modo de funcionamento da rede social em que o arguido recebeu e partilhou o ficheiro em apreço nos autos.

    7ª O arguido partilhou o ficheiro de vídeo via a rede social Facebook, na qual os ficheiros de vídeo são imediatamente apresentados pela respectiva primeira imagem ou o chamado thumbnail (imagem selecionada pelo publicador para tornar mais apelativo o vídeo); 8ª No caso dos autos o vídeo é imediatamente apresentado com a exibição da primeira imagem do ficheiro de vídeo, como pode verificado pela visualização da cópia do vídeo junta aos autos; 9ª Imagem esta na qual é imediatamente visível a presença de dois jovens, uma do sexo feminino e outro do sexo masculino; ambos desnudados; deitados numa cama, estando a jovem rapariga deitada de costas e o jovem rapaz deitado, face a face, sobre esta e encaixado no meio das suas pernas; 10ª Ou seja, a imagem inicial do vídeo imediatamente visível ao utilizador da rede social é uma típica posição de relação sexual; 11ª Mesmo sem visionar o conteúdo integral do vídeo, as imagens aparentes ao utilizador são de cunho marcadamente sexual e cariz pornográfico; 12ª Sendo de imediato apreensível pelo utilizador da rede social que o jovem desnudado representado naquelas imagens é menor de 14 anos.

    13ª Tais circunstâncias de facto e objectivas desacreditam as declarações prestadas pelo arguido em sede de instrução; 14ª Pois que ele não poderia ter reencaminhado o vídeo sem percepcionar a representação de dois jovens desnudados, sendo pelo menos um menor de 14 anos, em imagens de cariz pornográfico; 15ª Ao juiz de instrução não é exigida uma plena convicção do modo de ocorrência dos factos e da responsabilidade penal pelos mesmos; 16ª Apenas lhe é exigida uma ponderação da verificação de indícios suficientes; 17ª E, mostrando-se estes reunidos, se deles resulta uma probabilidade razoável de, mantendo-se tais indícios em sede de produção de prova na fase de julgamento, vir a ser aplicada ao arguido uma pena.

    18ª No caso concreto verificam-se indícios suficientes da prática dos factos que são imputados ao arguido na acusação deduzida pelo Ministério Público e uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena.

    19ª A decisão instrutória ora recorrida interpretou e aplicou incorrectamente o disposto nos artigos 308.º, n.º 1 e 2, e 283.º, n.º 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal, bem como o disposto nos artigos 176.º, n.º 1, alínea c), e 8, e 177.º, n.º 6 e 7, do Código Penal.

    20ª Em consequência de todo o exposto deve a aludida decisão instrutória ser revogada e substituída por outra que pronuncie o arguido (...) pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punível nos termos do artigo 176.º, n.º 1, alínea c), e 8, e agravado pelo artigo 177.º, n.º 6 e 7, ambos do Código Penal, tal como vinha acusado. (…)”.

    2.2. Das contra-alegações do arguido Motivou o arguido defendendo o acerto da decisão recorrida, quanto às questões suscitadas pelo arguido concluindo nos seguintes termos (transcrição): “(…) II – Das declarações do arguido em sede de inquérito e instrução resulta que o mesmo se recorda de ter visualizado o ficheiro mas não o vídeo.

    III – A imagem estática do ficheiro tem dois jovens, um do sexo masculino e outro feminino; desnudados em que a jovem do sexo feminino está deitada de costas com o jovem de sexo masculino entrelaçado no meio das suas pernas.

    IV – Resulta da informação do NCMEC que o vídeo foi reencaminhado imediatamente depois de ter sido recebido “the following messages were sent immediately precedin and following the uploade CEI”, ou seja, não foi visionado/reproduzido.

    V – Tal fato objetivo e técnico corrobora as declarações do arguido quando diz que reencaminhou o vídeo por brincadeira, parvoíce sem dar importância ao seu conteúdo.

    VI – Em sede de inquérito, o órgão policial responsável pela investigação concluiu no sentido em que “os elementos acima expostos, pese embora configurarem, abstractamente, um crime de pornografia de menores carece, de acordo com as declarações do arguido, da cognoscibilidade de cometimento de tal conduta”.

    Tanto assim que, o Arguido em sede de inquérito declarou “partilhei por estupidez, por gozo, sem fundamento e não tendo noção nenhuma de que se tratava de um crime.” VII – Só deve ser levado a julgamento o arguido acusado por factos que num juízo de probabilidade razoável possam por eles ser condenados.

    Ora VIII – Face aos factos carreados para os autos considerou e bem o Mm. Juiz de instrução que “perante o exposto, o tribunal ficou com sérias dúvidas quanto ao facto de o arguido se ter apercebido do conteúdo do vídeo aquando da sua partilha. Tais dúvidas não carecem de ser sanadas em sede de julgamento, porquanto não há prova testemunhal a produzir que possa melhor atestar os factos constantes da acusação”.

    IX – E na verdade nunca a douta acusação podia lograr completo sucesso em julgamento uma vez que no vídeo não se vê a introdução dum pénis na vagina, nem o vídeo tem o conteúdo pornográfico acentuado que lhe é atribuído.

    X – Não havendo nenhuma outra prova a produzir nos autos, nomeadamente testemunhal que melhor pudesse atestar os factos constantes da acusação, outra não podia ter sido a decisão instrutória que não a de, em aplicação do principio do “in dúbio pro reo”, não pronunciar o arguido.

    Termos em que pelas razões expostas e concluídas, deverá a decisão de não pronúncia ser mantida, por legal e corretamente aplicando o direito, assim fazendo esse Venerando Tribunal a tão costuma justiça.”.

    2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser julgada a procedência total do recurso interposto pelo MP.

    2.4. Da tramitação subsequente Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.

    Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

  2. Questões a examinar Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer cinge-se a saber se face aos indícios apurados deveria ter sido proferido despacho de pronúncia pelo crime de pornografia de menores, ao contrário do decidido pelo juiz de instrução no sentido de não existirem indícios do crime haver sido cometido pelo arguido e que o levaram a proferir despacho de não pronúncia.

  3. Apreciação 3.1. Da decisão recorrida Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

    “I– Relatório Por decisão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT