Acórdão nº 151/16.0JAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução23 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

IAcordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo acima identificados, do Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Portimão, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, responderam os arguidos (...) e (...), tendo a final sido decidido: Absolver o arguido (...), do crime de detenção de arma proibida e o arguido (...) dos crimes de detenção de arma proibida e de coacção, por que vinham acusados.

E condenar o arguido (...): -- Por um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão; -- Por um crime de homicídio agravado, na forma tentada, praticado em co-autoria com o co-arguido (...), na pessoa de (...), p. e p. pelos art.º 22.º, n.ºs 1 e 2 al.ª a) e b), 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º n.º 1 al.ª a) e b) e 26.º, do Código Penal, e 86.º n.º 1 al.ª c) e d) e n.º 3 e 4, da Lei 5/2006, de 23-2, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; -- Por um crime de homicídio agravado, na forma tentada, praticado na pessoa de (...), p. e p. pelos art.º 22.º, n.ºs 1 e 2 al.ª al. a) e b), 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º n.º 1 al.ª a) e b) e 26.º, do Código Penal, e 86.º, n.º 1 al.ª c) e d) e n.º 3 e 4, da Lei 5/2006, de 23-2, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido (...) condenado na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.

E condenar o arguido (...) por um crime de homicídio agravado, na forma tentada, praticado em co-autoria com o co-arguido (...), na pessoa de (...), p. e p. pelos art.º 22.º, n.ºs 1 e 2 al.ª a) e b), 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º n.º 1 al.ª a) e b) e 26.º, do Código Penal, e 86.º, n.º 1 al.ª c) e d) e n.º 3 e 4, da Lei 5/2006, de 23-2, na pena de 5 anos de prisão, suspensa por igual período, mediante regime de prova.

Mais decidiu a 1.ª Instância julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante (...) e, em consequência, condenar os arguidos/demandados (...) e (...), solidariamente, a pagarem ao demandante a quantia de 10.000,00 € a título de danos não patrimoniais, quantia a acrescer dos juros de mora; e Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante (...), e, em consequência, condenar o arguido/demandado (...) a pagar ao demandante a quantia de 15.000,00 € a título de danos não patrimoniais, quantia a acrescer dos juros de mora.

  1. O primeiro vício que o recorrente pretende invocar contra a douta decisão revidenda é o da contradição insanável entre os factos provados.

  2. Provou-se que foi o arguido (...) quem efectuou disparos na direcção do corpo do ofendido (...); 4. Provou-se, igualmente, que as lesões sofridas pelo ofendido foram consequência necessária e directa das condutas de (...) e (...), sendo certo que este último não efectuou qualquer disparo na direcção do ofendido; 5. Não se pode, por essa razão, aceitar que as lesões sofridas pelo ofendido (...) tenham sido consequência directa e necessária da conduta do arguido (...).

  3. No entender do recorrente deve, por isso, proceder o vício da contradição insanável entre os factos provados, nos termos do artigo 410º/2 b) do Código de Processo Penal. Por outro lado, 7. É, também, posição do recorrente que o Douto Acórdão proferido é nulo por falta de fundamentação, nos termos do artigo 379º/1 do Código de Processo Penal.

  4. O Mmº Tribunal a quo não tem dúvidas em delimitar a intervenção do recorrente ao acordo prévio e à comunhão de esforços com o arguido (...) apenas quanto ao ofendido (...).

  5. No entanto, o Tribunal não enuncia as razões pelas quais conclui que o recorrente gizou, em conjunto com o arguido (...), um plano para tirar a vida a (...).

  6. Não explica em que consistiu tal plano, qual a divisão de tarefas acordada e qual a contribuição do recorrente para a produção do evento típico.

  7. Enuncia, de modo muito sucinto, mas claro, as razões que levaram a concluir que o arguido (...) tinha a intenção de matar.

  8. No entanto, perscrutado o texto do Acórdão, nada é referido, neste conspecto, relativamente ao recorrente, 13.Ou seja, porque razão concluiu que o recorrente tinha intenção de matar.

  9. É, pois, a nosso ver, manifesta a falta de fundamentação da decisão quanto à matéria de facto vertida nos pontos 1.6, 1.16 e 1.20.

  10. A falta de fundamentação configura uma nulidade, nos termos do artigo 379º/1 do Código de Processo Penal, vício que desde já expressamente se argui.

    Sem prejuízo, 16.Não pode deixar de se entender que não se mostra preenchido o elemento volitivo do tipo de homicídio, ou seja, a intenção de matar.

  11. A intenção é um acto psíquico, interno, que exige que o julgador de todos os elementos externos disponíveis, que rodearam a prática dos factos, para que possa dar praticabilidade ao conceito.

  12. Qual era então a intenção do recorrente? Tirar a vida ao ofendido (...)? Proteger o irmão? Tirar satisfações do ofendido? Ameaçá-lo? E porque não o matou, se o podia ter feito e o Tribunal concluiu que era essa a sua intenção? 19.Porque é que o recorrente não concretizou o plano alegadamente gizado, já que se encontrava munido de arma de fogo? Porque não conseguiu? Porque desistiu? Porque lhe faltou a coragem? Porque, confrontado com a possível morte, quis proteger a vida? Porque reflectiu melhor na sua conduta? 20.Ou será que nunca teve a intenção verdadeira de lhe tirar a vida? 21.É que, para além de não ter efectuado qualquer disparo na direcção do corpo do ofendido (...), também omitiu qualquer outro acto de execução do crime após a saída de (...) e (…) da viatura onde se faziam transportar.

  13. Designadamente, não prestou qualquer auxílio ao arguido (...), não lhe facilitou a fuga, não impediu a fuga do ofendido para que o irmão concretizasse o plano; 23.Em suma, demarcou-se, imediatamente, da execução do homicídio, antes mesmo de terem sido efectuados disparos contra o corpo do ofendido; 24.Recorde-se que, tal como resultou provado, após a discussão no Posto de Combustível, o ofendido procurou socorrer-se da ajuda do ofendido (...) para, em conjunto, procurarem do arguido (...) e dele obter satisfações, o que denota um clima de forte animosidade, até perigosidade, de parte a parte, e pode ter determinado que o (...) também se socorresse de ajuda.

  14. O recorrente, ao demarcar-se, por completo, do “domínio funcional do facto” pretendeu, inequivocamente, faltar ao cumprimento do alegado acordo prévio gizado com (...).

  15. Não poderá, pois, a nosso ver, ser punido como co-autor. Mais.

  16. O recorrente pretendeu, voluntariamente, demitir-se do “domínio do facto”; 28.Optou por não efectuar qualquer disparo contra o ofendido, nem praticar qualquer outro acto de execução do crime, designadamente, prestar auxílio material ao arguido (...).

  17. Desistiu, pois, do projecto de agredir (...).

  18. O recorrente abandonou o alegado plano para tirar a vida ao ofendido no quadro de uma tentativa que acabara de se iniciar, ou seja, antes de ter sido efectuado qualquer disparo contra o corpo da vítima.

  19. Como é jurisprudência do STJ, “a desistência na tentativa inacabada exige apenas que o agente omita os demais actos necessários à consumação do crime”.

  20. Tendo desistido de praticar os factos, não poderá ser o recorrente responsabilizado penalmente, em obediência aos comandos do artigo 24º do Código Penal.

    Sem conceder e subsidiariamente, 33.Na eventual improcedência dos argumentos supra, entende o recorrente que a reacção penal se mostra exagerada, desproporcional e manifestamente injusta.

  21. A pena concretamente aplicada, de 5 anos de prisão, dentro de uma moldura abstracta de 2 anos 1 mês e 18 dias a 14 anos 2 meses e 20 dias de prisão ultrapassa largamente, no caso concreto, a medida da culpa.

  22. O recorrente beneficia de várias circunstâncias atenuantes que impõem a aplicação de uma pena concreta mais comedida.

  23. Na eventual improcedência dos argumentos expendidos a favor da “desistência” da execução do crime, as descritas circunstâncias devem, no mínimo, funcionar com atenuante da responsabilização penal do recorrente.

  24. Sublinha-se que o recorrente se absteve de disparar contra o corpo do ofendido, ainda que o pudesse fazer, pois empunhava uma arma de fogo.

  25. Demitiu-se, ainda, de prestar qualquer auxílio ao arguido (...) com vista à execução do crime.

  26. Tal só pode ser revelador de juízo crítico e apreço pela vida humana.

  27. O desvalor da conduta é, por isso, reduzido ao mínimo.

  28. O recorrente apresenta um percurso de vida exemplar, antes e depois dos factos.

  29. Não lhe são conhecidos quaisquer antecedentes criminais.

  30. Optou por sair do Algarve e refugiar-se em (…), de modo a evitar novos confrontos com os ofendidos.

  31. É um cidadão cumpridor das regras de vida em sociedade, pelo que as necessidades de prevenção especial são reduzidíssimas.

  32. Não pretendendo desvalorizar a gravidade dos factos, acresce que o ofendido acabou por não sofrer qualquer lesão grave, tendo tido alta hospitalar rapidamente, tendo sofrido apenas 20 dias de incapacidade.

  33. Não sobreveio qualquer lesão de carácter permanente.

  34. Decorreram já mais de 4 anos sobre a prática dos factos, sem que tenha havido notícia de qualquer altercação posterior com os ofendidos.

  35. No quadro descrito, entende-se como justa e adequada a fixação de uma pena de prisão situada ligeiramente acima do limite mínimo da moldura penal, devendo a mesma fixar-se em 2 anos e 6 meses de prisão, mantendo-se a suspensão da execução da mesma já determinada.

  36. Mostram-se violadas as seguintes normas jurídicas: - artigo 410º/2 b) do Código de Processo Penal - artigo 374º/2 do Código de Processo Penal - artigo 379º/1 do Código de Processo Penal - artigo 24º do Código Penal - artigo 26º do Código Penal - artigo 40º do...

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