Acórdão nº 670/19.6T9LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

A SENTENÇA RECORRIDA No processo comum singular n.º 670/19.6T9LRA do Juízo Local Criminal de Leiria – Juiz 1 -, por sentença datada de 9 de Junho de 2021, foi decidido, na parte relevante para a sorte deste recurso: · a)- Condenar o arguido A.

pela prática, em autoria material, em 1 de Maio de 2017, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b), do Código Penal (doravante CP), na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos); · b)- Condenar A., LDª, pela prática, a 1 de Maio de 2017, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b), do CP, com reporte ao artigo 11º, n.º 2 do mesmo código, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros).

2.

O RECURSO Inconformado, o arguido A. recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1. «O Tribunal, no entender do recorrente, incorreu em erro de julgamento pois que, os factos narrados na acusação e dados como provados não são suficientes à sua condenação.

  1. Os factos dados como provados impunham decisão contrária à proferida pelo Tribunal e impunham que o arguido fosse absolvido do crime de desobediência, por não se mostrarem verificados os elementos objetivos do tipo.

  2. O crime de desobediência, por o agente ter omitido uma conduta imperada, pressupõe a prova de que estava em condições de cumprir a ordem dada, sendo requisito da condenação que conste da acusação que, no prazo que lhe foi concedido, tinha os documentos em seu poder, ou algum facto de que resulte que podia dispor dos documentos para efetuar a entrega.

  3. Ora, não vinha imputado, não se provou, nem resulta dos provados, que o recorrente tivesse os documentos em seu poder, nem que os tivesse aquando da ordem, nem mesmo que os tivesse durante o período fixado para a entrega.

  4. Do mesmo modo que, não vinha imputado, não se provou, nem resulta dos provados, que os podia entregar e que apenas não o fez porque não quis.

  5. Como se disse, nada consta alegado que permita concluir que o arguido tinha os documentos em seu poder ou que deles dispunha.

  6. E não basta, a prova de que o arguido não entregou os documentos, sem mais. Sendo necessário que se tivesse provado que os tinha em seu poder ou, pelo menos, algum facto de que inevitavelmente resultasse que podia dispor deles para efetuar a entrega.

  7. Não resultou, pois, provado que os tivesse nem que deles pudesse dispor, nem tal imputação resulta, minimamente, na acusação pública deduzida.

  8. Tal “facto” não consta da acusação e tinha de constar, pois a ela compete a alegação e prova de todos os elementos constitutivos do crime e não contendo os factos suficientes para a condenação do arguido, não pode o tribunal alargar a investigação a outros factos que permitam a condenação, aquela deveria conter (e não contém) a «narração» de todos os factos que fundamentam a aplicação ao arguido da pena.

  9. Ora, como se disse, do texto da acusação não resulta explícito, nem implícito, que o arguido tinha os documentos em seu poder aquando da ordem para a entrega, ou durante o período fixado para a entrega.

  10. Tanto mais que, se mostra irrelevante que na sentença se tenha considerado «não provado» que em abril de 2017 o veículo já não pertencia à sociedade arguida, por ter sido vendido à sociedade (…), pois que tal não exclui outras possíveis explicações para o arguido não ter os documentos em seu poder.

  11. Assim, por consistir a desobediência na omissão de um comportamento, tinha de constar da acusação factos que permitissem o juízo de que o arguido estava em condições de não omitir a conduta que lhe foi ordenada.

  12. Concretamente, a alegação de que tinha os documentos em seu poder, ou acesso a eles, para os entregar.

  13. E esta insuficiência da acusação na narração de factos, não pode ser colmatada pela imputação genérica dos factos relativos aos elementos subjetivos do crime, antes pressupunha, a prova prévia dos factos que preenchem os elementos objetivos do crime, o que não sucedeu.

  14. Verifica-se, assim, impossibilidade legal de indagação pelo tribunal recorrido da matéria de facto omissa, essencial para descoberta da verdade material e boa decisão da causa.

  15. Por assim ser, por se tratar de facto essencial à condenação, que não foi sequer alegado, impõe-se a absolvição do recorrente, o que deve ser declarado com as legais consequências.

  16. O Tribunal fez uma errada interpretação do art. 348º do CP.

  17. Do mesmo modo, não resultou dos factos dados como provados, e não vinha imputado na acusação, que o arguido tenha compreendido o teor daquela notificação e da advertência, facto essencial à verificação do crime do art.348º n. º1 e à condenação do arguido.

  18. Também nesta parte, por não se verificar facto essencial à condenação, impõe-se a absolvição do arguido pelo crime de desobediência em que foi condenado, o que deve ser declarado».

    3.

    O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o recurso não merece provimento, defendendo o sentenciado.

  19. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se a fls 456, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.

  20. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

    ************* II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, p. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, p.113].

    Assim, é seguro que este tribunal está balizado pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso.

    Também o é que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar - se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.

    Desta forma, muito embora o recorrente invoque e nominalize que apenas recorre da matéria de DIREITO, a verdade é que insinua, ao longo de toda a sua peça recursória, a existência de um alegado «erro de julgamento» que mais não é do que um dos vícios do artigo 410º, n.º 2 do CPP, mais concretamente, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [alínea a) de tal preceito].

    Assim sendo, são estas as questões a decidir por este Tribunal: 1. Há algum vício de insuficiência para a decisão da matéria dada como provada? a.

    Era necessário alegar e provar que o arguido tinha os seus documentos em seu poder? b.

    Em caso afirmativo, provou-se tal circunstância? c.

    Era necessário alegar e provar que o arguido compreendeu o teor da notificação que lhe foi feita e a cominação com a prática de um crime de desobediência? d.

    Em caso afirmativo, provou-se tal compreensão? 2.

    DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1.

    O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição): «Factos Provados (apenas colocaremos os 13 primeiros factos pois os outros não relevam para o mérito deste recurso pois não está a causa directamente a decisão sobre a medida da pena aplicada, assente que o recorrente pede apenas a sua absolvição): 1. Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo do Trabalho de Leiria, Juiz 2, os autos de execução comum (custas, multa coima), com o nº 1092/16.6T9LRA, em que são exequente o Ministério Público e executada a sociedade arguida “A., Lda.”, 2. No âmbito desse processo executivo, para efeitos de efectivação da penhora, e em cumprimento do solicitado naqueles autos, a GNR de Guimarães, no dia 20 de Abril de 2017, procedeu a apreensão do veículo de matrícula (…), tendo sido constituído fiel depositário o arguido A., 3. E, notificou-o, na qualidade de representante legal da sociedade arguida, e enquanto fiel depositário do veículo, de que devia apresentar ao agente de execução, no prazo de 10 dias, os documentos referentes à viatura de matrícula (…), sob a cominação de, não o fazendo, incorrer em crime de desobediência qualificada, nos termos do artigo 348º nº 2 do Código Penal, conjugado com o artigo 16º nº 2 do Decreto-Lei nº 54/75, de 12/12, 4. Sendo que, no dia 3 de Maio de 2017, foi efectuado o registo da penhora do identificado veículo, 5. Porém, o arguido, por si e na qualidade de representante legal da sociedade arguida, não procedeu à entrega dos documentos no âmbito da execução da penhora do veículo, nem apresentou qualquer justificação para o incumprimento do determinado, 6. Pelo que, na sequência do despacho judicial proferido em 24 de Outubro de 2018, foi o arguido novamente notificado, na qualidade de fiel depositário, para no prazo de 10 dias, efectuar a entrega dos documentos relativos ao veículo penhorado, sob pena de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT