Acórdão nº 870/21 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 870/2021

Processo n.º 240/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A. K.S. e A.PORTUGAL, LDA., recorrentes nos presentes autos, notificadas, em 5 de julho de 2021, da Decisão Sumária n.° 434/2021, que não conheceu do mérito do recurso de constitucionalidade por aquelas interposto, vêm reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”).

2. As ora recorrentes, no processo em que é recorrida B., Inc., interpuseram recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de janeiro de 2020, proferido em recurso interposto de decisão do tribunal arbitral constituído na vigência e nos termos da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, que cria um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos.

Apresentaram, de seguida, em 4 de setembro de 2020, reclamação do despacho da Exma. Senhora Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de julho de 2020, que não admitiu o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual veio a ser confirmado por decisão sumária proferida, no Supremo Tribunal de Justiça, em 27 de outubro de 2020, que não admitiu o recurso para o mesmo interposto pelas ora recorrentes.

Reclamaram, sucessivamente, em 9 de novembro de 2020, da enunciada decisão sumária do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, a qual foi, por sua vez, confirmada por acórdão proferido em 14 de janeiro de 2021, que negou a revista, considerando que não se encontravam preenchidos os pressupostos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, (adiante CPC) segunda e terceiras alternativas.

Inconformadas, as recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, sob invocação das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante designada por LTC), do acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça em 14 de janeiro de 2021, delimitando o respetivo objeto, nos seguintes termos:

«1. A primeira norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie corresponde à interpretação conjugada dos artigos 607.°, n.° 3, e 643.°, n.° 4, do Código de Processo Civil, no sentido de que um despacho singular que decide sobre uma reclamação de despacho que não admita recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pode ser fundamentado sem que seja apreciada a defesa, pelas reclamantes, de que houve uma aplicação indireta de regras de incompetência em razão da matéria é inconstitucional, por ofensa do artigo 205.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.

[...]

3. Como tal, mais se fixa como objeto do presente recurso constitucional, a norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 607.°, n.° 3, e 652.°, n.° 3, ex vi 643.°, n.° 4, in fine, do Código de Processo Civil, no sentido de que um acórdão que decide sobre uma reclamação de despacho que não admita recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pode ser fundamentado sem que seja apreciada a defesa, pelas reclamantes, de que houve uma aplicação indireta de regras de incompetência em razão da matéria.

4. Nos termos e para os efeitos do disposto artigo 75.°-A, n.° 2, da Lei do Tribunal Constitucional, as normas constitucionais violadas por força das referidas duas interpretações normativas foram as do princípio da segurança jurídica, decorrente do princípio do Estado de Direito, do direito fundamental de acesso à Justiça e do direito fundamental à fundamentação das decisões jurisdicionais, constantes dos artigos 2.°, 20.°, n.° 1 e 205.°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.

[...]

6. A terceira norma cuja inconstitucionalidade se requer seja apreciada pelo Tribunal é a que se extrai da conjugação entre os artigos 629.°, n.° 2, alínea a), e 671.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, e o artigo 3.°, n.° 7, da Lei n.° 62/2011 (de acordo com a redação atual), quando interpretados no sentido de que não é admissível um recurso atípico de revista quando o acórdão proferido em segunda instância revogue acórdão arbitral mediante decisão implícita de incompetência material para conhecimento de nulidade de certificado complementar de proteção, por força da remissão para o teor despacho saneador arbitral que assim o entendeu, relativamente ao qual declarou a verificação de ofensa de caso julgado anterior.

7. A quarta norma cuja inconstitucionalidade se requer seja apreciada pelo Tribunal é a que se extrai da conjugação entre os artigos 629.°, n.° 2, alínea a), e 671.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, e o artigo 3.°, n.° 7, da Lei n.° 62/2011 (de acordo com a redação atual), quando interpretados no sentido de que não é admissível um recurso atípico de revista quando o acórdão proferido em segunda instância revogue acórdão arbitral mediante remissão para despacho saneador arbitral que concluiu pela incompetência material do tribunal arbitral para conhecimento de nulidade de certificado complementar de proteção, porque aquela norma apenas admitiria recurso fundado na ofensa de caso julgado anterior, mas já não a violação de regras relativas ao caso julgado.

8. Nos termos e para os efeitos do disposto artigo 75.°-A, n.° 2, da Lei do Tribunal Constitucional, a referida interpretação normativa ofende o direito fundamental ao recurso (cfr. artigo 20.°, n.°s 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa), bem como o princípio geral da segurança jurídica (cfr. artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa), por implicar uma interpretação abrogante da lei, que dela não pode extrair-se, e, assim, ofendendo ainda a reserva de lei (cfr. artigo 18.°, n.° 3, e 112.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa).

[...]

10. Mais se requer que o Tribunal aprecie a constitucionalidade de uma quinta norma que se extrai da conjugação entre o artigo 613.°, n.°s 1 e 3, do Código de Processo Civil, e o artigo 13.°, n.° 1, do Código Civil, no sentido de que um tribunal arbitral não pode complementar, alterar ou adaptar um despacho interlocutório alvo de recurso de constitucionalidade, com efeito suspensivo, ficando esgotado o seu poder jurisdicional, de modo definitivo.

11. A sexta norma cuja inconstitucionalidade se requer seja apreciada pelo Tribunal é a que se extrai da conjugação entre o artigo 613.°, n.°s 1 e 3, do Código de Processo Civil, e o artigo 13.°, n.° 1, do Código Civil, no sentido de que seria admissível que um tribunal arbitral ficasse impedido de aplicar norma interpretativa que se integra, retroativamente, em norma interpretada anterior a despacho interlocutório, ainda que tal despacho não tivesse transitado em julgado e tivesse sido alvo de recurso de constitucionalidade, com efeito suspensivo.

12. Nos termos e para os efeitos do disposto artigo 75.°-A, n.° 2, da Lei do Tribunal Constitucional, as quinta e sexta interpretações normativas ofendem o direito de acesso à Justiça Arbitral (cfr. artigo 20.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa), bem como os direitos de livre desenvolvimento da personalidade dos intervenientes processuais arbitrais (cfr. artigo 26.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa), e da liberdade de iniciativa económica privada desses mesmos intervenientes económicos (cfr. 61.° da Constituição da República Portuguesa), e violam, portanto, o princípio da proporcionalidade (cfr. artigo 18.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa), por impedirem a prolação de decisões interlocutórias flexíveis e favoráveis a uma simplificação e celeridade processual.

[...]

14. Por fim, a sétima norma cuja inconstitucionalidade se requer seja apreciada pelo Tribunal é a que se extrai da conjugação entre o artigo 2.° da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro (na sua redacção original), e os artigos 35.°, n.° 1, e 101.°, n.° 2, do Código da Propriedade Industrial quando interpretados no sentido de que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo daquele diploma legal, a parte não se pode defender, por excepção, mediante invocação da invalidade de patente com meros efeitos inter partes, seja em sede de acção principal, seja em sede de incidente cautelar nela deduzido.

15. Nos termos e para os efeitos do disposto artigo 75.°-A, n.° 2, da Lei do Tribunal Constitucional, tal interpretação normativa é inconstitucional, por constituir uma restrição desproporcionada ao direito à tutela jurisdicional efetiva de que as Recorrentes gozam (cfr. artigos 18.°, n.° 2 e 20.°, n.°s 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa), conforme já decidiu o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.° 251/2017, da Ia Secção, proferido em 24 de Maio de 2017.

16. Razão pela qual, quanto a esta interpretação normativa, também cabe recurso ao abrigo do artigo 70.°, n,° 1, alínea g), da Lei do Tribunal Constitucional. (…)».

3. Foi proferida, nessa sequência, a Decisão Sumária n.º 434/2021, ora reclamada, fundamentada nos seguintes termos:

«4. [...] as recorrentes apresentam sete enunciados interpretativos como objeto do recurso. Ora, independentemente de qualquer outra apreciação sobre os demais pressupostos de que depende o conhecimento de mérito do recurso, tais enunciados não encontram projeção na ratio decidendi da decisão recorrida.

Como resulta expresso do sumário do acórdão aqui recorrido, a sua ratio decidendi assentou na interpretação do “art. 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, no sentido de que a regra de que não é admissível recurso de revista do acórdão da Relação proferido sobre decisão arbitral só é derrogada desde que o recurso seja sempre admissível, ao abrigo do art.º 629.º, n.º 2, do Código de...

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