Acórdão nº 4096/18.0T8VFR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA
Data da Resolução03 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 4096/18.0T8VFR.P1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, 5.ª Secção Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. AA propôs acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB e CC, pedindo que os Réus sejam condenados a: “

  1. Reconhecerem que a A. é a única dona e senhora da quantia de € 68.407,51 (sessenta e oito mil quatrocentos e sete euros e cinquenta e um cêntimos); b) A restituírem à A. tal quantia, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data da citação até total e efectivo pagamento.” Invocou que é a única titular da quantia de € 68.407,51 que os RR fizeram seus contra sua vontade, pelo que devem os Réus ser condenados a restituir-lhe tal montante, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até total e efectivo pagamento, alegando: na sequência do falecimento de seu irmão, de quem foi universal herdeira, passou a ser exclusiva proprietária da quantia de € 68.407,51, a qual tinha sido depositada em 11/1/2012 em conta bancária da Caixa Geral de Depósitos, co-titulada por si e por aquele seu irmão; tal quantia foi depois transferida de tal conta, na sequência de liquidação da mesma, para uma outra conta bancária também da Caixa Geral de Depósitos, em 2/2/2012, com o n.º … 3200; em Julho de 2015 foi aberta conta, também na Caixa Geral de Depósitos, co-titulada por si e pelos Réus, a qual só pode ser movimentada com a assinatura de dois titulares, o que a impedia e impede de a movimentar sem a assinatura de pelo menos um dos Réus; nessa conta n.º … 4500 foram creditadas por transferência as quantias de 749,73 euros, no dia da sua abertura, e de € 55.220,15 euros, no dia 3/8/2015, num total de € 55.969,88 euros, quantia esta que era de sua exclusiva propriedade; no dia 6/12/2017, os Réus, por débito daquela conta n.º… 4500, transferiram para conta bancária que identifica (n.º …. 4230) a quantia de € 55.000,00, retirando-a da sua disponibilidade directa, o que fizeram contra a sua vontade; sem a assinatura de um dos Réus não consegue movimentar a quantia remanescente daquela conta n.º … 4500 (€ 969,88 euros); na sequência da transferência da quantia global de € 55.969,88 euros para a conta n.º … 4500, remanesce na conta n.º … 3200 a quantia de € 12.437,63, que os Réus detêm e da qual é exclusiva proprietária.

    Os Réus apresentaram Contestação, na qual alegam que a quantia reivindicada lhes pertence na totalidade, uma vez que a Autora lhes doou tal montante em 2012, tendo para tanto efectuado a criação de uma conta na CGD, a referida com o n.º … 3200, da qual os Réus ficaram como únicos titulares, e ordenado a transferência da importância para aquela conta. Mais disseram que tal atitude da Autora, da qual são sobrinhos, se deveu ao facto de, ao longo de anos, terem sido o sustentáculo no apoio que a ela deram, tal como ao seu irmão DD, nas situações de doença porque cada um passou; dessa conta foram levantadas importâncias relativas a cheques para pagamento das despesas de reparação da casa da Autora, no montante global de € 10.660,00; referem que em 2015, uma vez que a Autora começou a questionar tal dinheiro, em função da evolução da sua doença, decidiram abrir a nova conta n.º … 4500 em que, para além dos Réus, também a Autora passou a figurar como titular, no intuito de a sossegar, mas esclarecendo que o dinheiro pertencia na totalidade aos Réus atenta a doação que a Autora lhes fez em 2012; em 6/12/2017 transferiram a quantia de 55.000,00 euros (da conta n.º … 4500) para uma conta que lhes pertence existente na CGD, mas que ao fazê-lo estavam a movimentar dinheiro que lhes pertencia, em virtude da doação da Autora. Concluíram pela improcedência da acção.

    1. Tramitada a instância e realizada a audiência de discussão e julgamento, a Juiz … do Juízo Central Cível ... (Tribunal Judicial da Comarca ...) proferiu sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência condena, os Réus a “reconhecerem que a A.

      é dona e proprietária de 1/3 da quantia de € 55.968,88 (cinquenta e cinco mil novecentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), devendo os RR restituir tal quantia (1/3 de € 55.968,88 (cinquenta e cinco mil novecentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos)) à A., quantia a que devem acrescer os juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e total pagamento, absolvendo os RR..

      dos demais pedidos contra si deduzidos.

      ” 3.

      Inconformados, a Autora e os Réus interpuseram recursos de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que, identificando como questões “apurar se há que proceder à alteração da matéria de facto da sentença recorrida” e “apurar, com base em tal alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se a decisão recorrida deve ser revogada ou alterada, sendo aqui de tratar da apreciação da titularidade, em termos de direito de propriedade, do dinheiro que circulou pelas contas bancárias identificadas nos autos e, caso se conclua pela propriedade do mesmo por parte da Autora, qual o montante que lhe deve ser restituído”, proferiu acórdão, no qual, em sede de reapreciação da matéria de facto, eliminou itens do elenco de factos não provados, alterou a matéria dos factos provados correspondente aos itens 26º, 27º, 28º, 29º, 48º, 49º, 50º e 51º, passando a factualidade considerada não provada para o respectivo elenco dos factos não provados, e modificou, em consequência, o conteúdo dos itens correspondentes aos factos provados nos pontos 9º, 10º, 22º, 23º, 25º, 27º, 28º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º e 58º, e, a final, veio conceder procedência parcial ao recurso da Autora e improcedência ao recurso dos Réus (“há que descontar tal quantia de 10.660,00 euros àquela quantia de 68.407,51 euros, devendo os Réus restituir o restante, no montante de 57.747,51 euros.”; “A tal quantia, como peticionado, acrescem juros à taxa legal desde a citação até total pagamento”).

    2. Sem mostrarem resignação, os Réus vieram interpor recurso de revista para o STJ, no qual apresentaram as seguintes Conclusões, visando a anulação da decisão de alteração da matéria de facto respeitante à integração dos itens b) a g) como factos não provados, “mantendo-se a decisão de 1 ª instância ou ordenar-se a baixa do processo ao Tribunal ‘a quo’”: “1 – Sendo certo que os recorrentes não desconhecem a limitações da natureza do recurso de revista, apesar disso entendem os mesmos que tal deverá ser recebido, analisado e julgado segundo as regras do direito processual: 2 – O presente recurso visa a impugnação da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente a alteração da matéria de facto – pontos c), d), e), f) e g) – de provada para não provada uma vez que se entende que esse mesmo Tribunal incorreu na violação do direito probatório adjectivo, tendo procedido a uma ilegal fixação dos factos e, por consequência, a uma incorreta determinação de aplicação do Direito.

      3 – A alteração das respostas à matéria de facto, ora posta em crise assenta, num critério puramente imperceptível, incongruente e até contraditório, sem qualquer justificação documental ou testemunhal credível – e é a A. quem o afirma pela escrita do seu ilustre mandatário, que “o depoimento das testemunhas da A. poderá dizer-se que é movido por algum interesse por aspirarem vir a ser beneficiados pela tia…”.(sublinhado nosso); 4 – Apesar dessa afirmação que, repete-se,nãose sabe se o M.Desembargador leu – e se leu não lhes deu importância – o mesmo Sr. Desembargador deu credibilidade ao depoimento das testemunhas da A., depoimento esse “movido por aspirarem (as testemunhas da Autora) vir a ser beneficiados pela tia” nada justificando a alteração do julgamento quanto à matéria de facto, nos pontos c), d), e), f) e g).

      5 – Isso mesmo se extrai da prescrição contida no nº 4 do art.º 607º do CPC segundo a qual o juiz na elaboração da sentença (ou dos acórdãos, se for o caso, por remissão dos artigos 663º e 679º do CPC) deve elaborar o elenco factual relevante “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida” em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.

      6 – Determinando o desrespeito de tais princípios, que dá azo à ocorrência de insuficiência, obscuridade ou contradição “que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”, a anulação do julgamento (artigos 662º, nº 2, al.

  2. e 682º, nº 3, do CPC).

    7 – Os pontos dados como não provados, do acórdão ora posto em crise para NÃO PROVADO em oposição ao decidido em lª instância como PROVADO sobre a mesma matéria, concretamente os nos 26º, 27º, 28º, 29º, 48º e 49º da douta sentença, proferida em 1ª instância.

    Assim, 8 – Deverá o presente recurso ser recebido, julgado procedente e anulando-se o acórdão proferido, com base no disposto no art. 615º, nº 1, al. b) e c) do Cod. Proc. Civ., concretamente a alteração da decisão sobre a matéria de facto dos pontos c) a g) do acórdão ora posto em crise uma vez que o M. J. Desembargador não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e também há alguma obscuridade que torna a decisão ora impugnada ininteligível ou, pelo menos, incompreensível e até contraditória (vide Ac. Relação do Porto de 12/1/2015 dgsi.NET e Ac. do STJ de 17.07.2014-Proc. nº 626/09, in Sumários 2014, pág. 692).

    9 – E porque “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tido como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (nº 1 do art. 662º do Cod.Proc. Civ., o que, conforme se tem sustentado, não é o caso dos autos.

    10 – A modificabilidade da decisão de facto efetuada pelo Tribunal da Relação do Porto não obedeceu ao preceituado no artigo 662º do CPC, tendo esse mesmo tribunal actuado ilicitamente, violando os poderes legais que a lei lhe confere plasmados no citado dispositivo legal.” A Autora apresentou contra-alegações, assim concluídas...

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