Acórdão nº 527/19.0T8FND.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 527/19.0T8FND.C1.S1[1] * Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]: I. Relatório Cerfundão – Embalamento e Comercialização de Cereja da Cova da Beira, Lda.

, instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Abrunhoeste – Conservação e Refrigeração de Frutas, S.A., ambas melhor identificadas nos autos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 42.452,49 € (quarenta e dois mil, quatrocentos e cinquenta e dois euros e quarenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, desde 20/07/2019 até ao efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em resumo, que, no exercício da sua actividade comercial, vendeu à ré pêra rocha, conforme factura n.º 152/00119, a qual devia ter sido paga em 20/7/2019, mas que não pagou.

A ré contestou, por impugnação, alegando, em síntese, que a autora incumpriu o contrato celebrado, quanto às quantidades, embalagem e preço/kilo da referida pêra rocha, pelo que o montante constante da aludida factura não é devido na sua totalidade, mas apenas no montante de 6.509,45 €. E deduziu reconvenção peticionando: - que lhe seja reconhecido um crédito sobre a autora/reconvinda no valor de 7.011,00 € (sete mil e onze euros), referente aos palotes que aquela lhe entregou e esta última recebeu de empréstimo e não devolveu; - que seja declarado compensado e, consequentemente, julgado extinto o crédito, no valor de 6.509,45 € (seis mil, quinhentos e nove euros e quarenta e cinco cêntimos), que a autora/reconvinda detinha sobre a ré/reconvinte, em razão do remanescente do valor da pêra rocha que destinou ao mercado de frescos e que constituiu objecto do contrato de compra e venda, entre ambas celebrado; - que seja a autora/reconvinda condenada a pagar à ré/reconvinte a quantia remanescente de 501,55 € (quinhentos e um euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da notificação daquela até integral e efectivo pagamento.

Peticionou, ainda, a condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização à R., por ter alterado a realidade dos factos, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não poderia ignorar, com o fim de conseguir um objectivo ilegal.

Na audiência prévia realizada, foi admitida a reconvenção deduzida, foi proferido despacho saneador tabelar, bem como foi fixado o objecto do litígio e foram identificados os temas de prova, sem reclamações.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e a reconvenção procedente e, em consequência:

  1. Condenar a ré Abrunhoeste – Conservação e Refrigeração de Frutas, S.A., a pagar à autora Cerfundão – Embalamento e Comercialização de Cereja da Cova da Beira, Lda., a quantia de 7.073,71 € (sete mil e setenta e três euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros legais vencidos desde a citação (em 02.08.2019) até à presente data (01/09/2020), no valor de 549,42 € (quinhentos e quarenta e nove euros e quarenta e dois cêntimos), no valor total de 7.623,13 € (sete mil seiscentos e vinte e três euros e treze cêntimos).

  2. Condenar a autora Cerfundão – Embalamento e Comercialização de Cereja da Cova da Beira, Lda. a pagar à ré Abrunhoeste – Conservação e Refrigeração de Frutas, S.A. a quantia de 7.011,00 € (sete mil e onze euros).

  3. Compensando as quantias descritas nos pontos A) e B), deste dispositivo, condenar a ré Abrunhoeste – Conservação e Refrigeração de Frutas, S.A. a pagar à autora Cerfundão – Embalamento e Comercialização de Cereja da Cova da Beira, Lda., a quantia de 612,13 € (seiscentos e doze euros e treze cêntimos), acrescida de juros legais vincendos, calculados, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

  4. Julgar totalmente improcedente o pedido de condenação da autora Cerfundão – Embalamento e Comercialização de Cereja da Cova da Beira, Lda., como litigante de má-fé, absolvendo-a do respectivo pedido.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 12/10/2021, julgou deliberando: “- não conhecer da excepção de caducidade invocada pela A.; - julgar parcialmente procedente o recurso quanto à matéria de facto; - condenar a R. no pagamento à A. da quantia de € 39.454,28, acrescido de juros de mora, devidos desde a data da citação (ocorrida em 02/08/2019) vencidos e vincendos, calculados, à taxa legal aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais (cfr. artigo 102.º, 3.º parágrafo, do Código Comercial), até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do remanescente; - julgar o pedido reconvencional apresentado pela R. totalmente improcedente, dele absolvendo a A.” Não conformada, desta feita, a ré interpôs recurso de revista e apresentou as respectivas alegações com as seguintes conclusões: “1) O Acórdão recorrido padece de vícios lógicos e estruturais que prejudicam a sua validade intrínseca e, bem assim, incorre em erros no plano da interpretação e aplicação do direito, que necessariamente impõem a revogação da decisão recorrida, 2) Entendeu o Tribunal recorrido que deveria ser retirado dos factos dados como provados o ponto 49., 3) Decidiu, consequente e erradamente o Tribunal recorrido que “Incumbindo à R. o ónus de alegar e demonstrar que da totalidade da fruta fornecida pela A. e por esta facturada, para além da constante do ponto 27 tinham ainda sido retiradas 87.729,50 toneladas de fruta defeituosa, esta prova não resultou feita, não podendo manter-se a conclusão a que chegou o tribunal a quo (…)” 4) O Tribunal a quo analisou de forma manifestamente incipiente a relação contratual entre as partes e, por isso, errou na aplicação do direito, proferindo uma decisão desajustada e injusta.

5) Por via do contrato celebrado entra as partes – facto 6 da factualidade assente -, a Recorrida comprometeu-se a entregar pêra Rocha à Recorrente e esta comprometeu-se a liquidar os seguintes valores: € 0,35 por cada quilograma de pera de calibre superior a 55 milímetros e €0,25 por cada quilograma de pera rocha com calibre entre 50 e 55 milímetros.

6) Mais ficou expressamente acordado entre as partes que toda a pêra que tivesse um calibre inferior a 50 milímetros, que fosse destinada a indústria, que estivesse podre ou desidrata, não seria remunerada com qualquer valor.

7) Sendo estas as condições comerciais acordadas entre as partes, resta verificar como se fazia a verificação do preenchimento dessas condições de remuneração, matéria que consta dos factos provados 9, 10, 12, 13, 14, 15, 20, 21, 31, 34, 40 8) Da factualidade apurada conclui-se que o valor em concreto de cada quilograma de fruta entregue pela Autora, apenas seria possível de apurar, após verificação da respectiva calibragem de toda a pera entrada, como também, das condições fitossanitárias dessa mesma pêra.

9) E tal aferição quer de calibragem, quer das condições da fruta, apenas se pode dar por concluída após a passagem de toda a fruta recebida, pelas 3 fases de processamento da pêra nas instalações da Recorrente, tal como ficou dado por assente na factualidade apurada.

10) Errou manifestamente o Tribunal a quo ao concluir, como o faz, que a Recorrente não demonstrou a quantidade de fruta que foi destinada a indústria.

11) A Recorrente demonstrou essa precisa quantidade no momento nem que nos termos acordados lhe era exigível demonstrar, ou seja, no momento de apuramento das contas finais, quando toda a fruta já tinha passado pelas fases de verificação de calibre e qualidade! 12) Apuramento esse que foi – e bem – evidenciado pelo Tribunal de 1ª Instância e completamente desconsiderado - mal - pelo Tribunal a quo 13) O Tribunal a quo errou ao concluir que a Recorrente “aceitou” toda a fruta, não demonstrando a quantidade que fora rejeitada por podridão, desidratação ou de escopo para indústria.

14) Confunde a Tribunal a quo pressuposto de não-aceitação de fruta ou recusa de fruta, com o conceito de aferição das condições da fruta para determinação do valor acordado entre as partes para a sua remuneração.

15) O calibre e condição fitossanitária da pêra não eram condições de aceitação ou não pêra, mas apenas e somente, critérios para apuramento do valor a liquidar, ou seja, para determinação do preço.

16) Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a Recorrente demonstrou o sucessivo reporte que fez à Recorrida no que se referia às más condições de grande percentagem da fruta recebida, e este era um reporte de informação, pois, conforme demonstrado essa fruta não seria remunerada na contabilidade final do preço a pagar, como resulta dos nomeadamente dos factos assentes 34 e 46 17) É, pois, errada a conclusão alcançada pelo Erra Tribunal a quo de que a fruta destinada para indústria demonstrada pela Recorrente é apenas a que consta do facto assente 27.

18) A Recorrente demonstrou que para além dessa fruta identificada no ponto 27., muitas outras toneladas – concretamente identificadas no momento do saldo final – foram reportadas à Recorrida.

19) Note-se que mesmo no ponto 27 da factualidade apurada consta a expressa referência a que essa é apenas a fruta que já se havia logrado apurar (à data de 11.09.2017), mas de forma alguma limitada a esse momento de apuramento.

20) Aliás, a indicação de fruta podre e para indústria – para além da já referida no ponto 27 – é especificamente reportada em várias comunicações, tal como consta dos pontos 32, 33, 44 e 46 da factualidade apurada.

21) A considerar como considerou a Relação de Coimbra, sempre deveria esse Tribunal ter procedido à ampliação da matéria de facto, de forma a apurar – atenta a factualidade assente mormente nos citados pontos 32, 33, 44 e 46 – quais as toneladas de fruta que foram destinadas à indústria ou que se encontravam podres e/ou desidratadas, para além da quantidade já identificada no ponto 27 dos facto assentes.

22) Não o tendo feito, pode agora este Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 682º...

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