Acórdão nº 817/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 817/2021

Processo n.º 627/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente a sociedade A., S.A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 22 de março de 2021.

2. Pela Decisão Sumária n.º 566/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«3. O presente recurso incide sobre o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22 de março de 2021, que negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Competência Genérica de Póvoa do Lanhoso, que condenou a aqui recorrente numa coima pela prática de contra-ordenação muito grave, prevista e punida pelos artigos 36.º e 48.º, n.º 1, alínea l), do Decreto-Lei n.º 183/2009, de 10 de agosto.

Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

A recorrente articula da seguinte forma o objeto do presente recurso: «ao considerar que a Recorrente pode ser responsabilizada pela contra-ordenação em causa, o acórdão recorrido defende interpretação do artigo 7º do D.L. nº 433/82, de 27,10 que não respeita os invocados artigos 12º/nº 2 e 266º/nº 1 do texto constitucional, na medida em que, tal como sucede com o artigo 11º do Código Penal, não há responsabilização dos entes que, integrando a Administração Local (neste caso da Recorrente), no exercício das suas atribuições administrativas adotam condutas que, em abstrato, podem constituir infração administrativa; - esta interpretação do acórdão recorrido do artigo 7º é inconstitucional na medida em que não observa a diferenciação entre pessoas coletivas que prosseguem fins públicos e pessoas coletivas que prosseguem fins privados, diferenciação esta que a Constituição pretendeu e resulta dos dois normativos indicados, e que foi sufragada em Parecer do Conselho Consultivo da PGR».

A posição que a recorrente pretende fazer valer no presente recurso ancora-se no entendimento de que a norma do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que dispõe sobre a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas coletivas, carece de ser completada pela norma do artigo 11.º do Código Penal, que seria aplicável por remissão fundada no artigo 32.º do citado diploma, pois na primeira não se prevê qualquer exclusão de responsabilidade contra-ordenacional para o Estado e demais pessoas coletivas públicas relativamente aos crimes aí previstos. Para além disso, entende a recorrente que deve ser integrada na categoria de Administração Local e, dessa forma, beneficiar da mencionada exclusão da responsabilidade. O Tribunal a quo entendeu que inexiste insuficiência da norma do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que justifique a aplicabilidade subsidiária da norma do artigo 11.º do Código Penal e que, de qualquer forma, a recorrente nunca poderia beneficiar da exclusão da responsabilidade aí consagrada, por não poder ser considerada uma pessoa coletiva pública.

4. Na sua primeira vertente, a questão colocada pela recorrente não constitui um verdadeiro problema de constitucionalidade normativa, mas sim de determinação do direito aplicável, nomeadamente saber se a norma do artigo 11.º do Código Penal deve ser subsidiariamente aplicável para integrar lacunas no regime constante do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro. Ora, ao Tribunal Constitucional não cabe controlar a interpretação que os demais tribunais fazem da lei ordinária ou a definição dos preceitos que consideram pertinentes para a resolução de uma determinada questão jurídica. Assim é porque a jurisdição constitucional tem a sua razão de ser na especialidade dos problemas que se lhe colocam, e que dizem respeito à interpretação de uma lei diferente das outras — a lei constitucional — e à realização de uma justiça diferente das outras – sobre normas. A interpretação e aplicação das leis ordinárias a litígios é o domínio próprio e exclusivo dos tribunais comuns.

A omissão deste pressuposto processual obsta, por si só, ao conhecimento do objeto do recurso, nesta parte, justificando-se a prolação da presente decisão sumária, segundo o previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

5. Mas mesmo que se admitisse que tal questão pode ser concebida como dizendo respeito à constitucionalidade de uma norma, sempre ocorreria outro fundamento justificativo do não conhecimento do objeto do recurso.

Com efeito, o Tribunal a quo considerou que a...

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